O processo de cristianização da morte na Idade Média convergiu com a construção de narrativas biográficas, textos laudatórios e monumentos funerários enquanto símbolo de poder da aristocracia e da realeza no ocidente cristão. Os cronistas medievais, especialmente no baixo medievo, dedicaram parte de seus textos para narrar o processo do morrer dos reis, das atitudes diante da morte, ao cerimonial fúnebre e a comoção social que esses eventos causavam nos súditos. Na Península Ibérica era comum aos cronistas associar fenômenos da natureza com o passamento dos monarcas, o que José Mattoso (2001) definiu como "luto cósmico". É nessa perspectiva que este Projeto de Pesquisa propõe analisar as narrativas da morte dos reis na cronística ibérica medieval, problematizando os discursos de comoção social e da natureza presentes na produção memorialística ibérica medieval (crônicas, testamentos e monumentos funerários) como um mecanismo de exaltação do poder real.

Objetivo Geral 

Analisar as representações sobre as mortais dos reis ibéricos na Idade Média e a sua relação com o “luto cósmico”, com ênfase nos reinos de Portugal e de Castela entre os séculos XII e XV. Assim, partimos do pressuposto de que a construção do patrimônio simbólico das dinastias portuguesas e castelhano-aragonesas de Borgonha, de Avis e de Trastâmara durante a Baixa Idade Média na Península Ibérica, em relação ao culto e à idealização da morte régia, implica um exame das representações sobre este tema na produção cultural da época, incluindo crônicas, testamentos e monumentos funerários. Destaca-se a inter-relação entre as formas de organização material e representativa e as manifestações de poder na sociedade. Pretendemos, assim, investigar os vestígios de memória construídos em torno das dinastias, entendidos como registros utilizados para legitimar novos governantes por meio dos "usos do passado". Estes vestígios de memória são, em nossa análise, representados pelas crônicas régias e documentos escritos, além da construção de monumentos arquitetônicos. 

Objetivos Específicos 

• Investigar os vestígios de memória construídos sobre a morte dos reis ibéricos no medievo, que, em nossa perspectiva, consistem em registros que serviram como recurso aos ‘usos do passado’ para a legitimação de novos governantes. 
• Analisar as transformações nas relações do homem com a morte no contexto tardo-medieval à utilização do culto a morte régia como forma de idealização de governos e projetos políticos.
• Cotejar as fontes ibéricas tardo-medievais objetivando compreender o imaginário e as representações sobre o morrer nesse contexto histórico.
• Entender o papel das ordens religiosas, como as ordens de Cluny, de Cister, Franciscanos e Dominicanos na construção de rituais e liturgias fúnebres no “culto a morte” régia no medievo ibérico.
• Realizar um estudo comparativo, objetivando verificar nos monumentos sepulcrais régios portugueses (os mosteiros de Santa Cruz de Coimbra, de Alcobaça, e de Odivelas) e espanhóis castelhanos (as catedrais de Toledo, de Sevilha e de Grana e a Cartusiana de Miraflores, além do Mosteiro de Poblet, na perspectiva do reino de Aragão). Entendemos que esses monumentos se apresentam como formas concentradas e visíveis da memória funerária e da expressão do poder régio ao final da Idade Média.

O estudo das representações sobre a morte tem ocupado grande espaço tanto nos atuais debates sobre religiosidades, relações de poder e imaginários, como também no campo editorial. O interesse investigativo sobre as apropriações políticas e religiosas das representações da morte na Idade Média contribui para a formação e consolidação de redes de pesquisa que aproximam pesquisadores brasileiros, europeus e latino-americanos. Estas ampliam a captação de recursos científicos, tanto para docentes quanto para discentes. As redes de pesquisa fortalecem a qualificam os programas de pós-graduação ainda em processo de consolidação.