Detalhes do Projeto de Pesquisa

A MEMÓRIA, A HISTÓRIA, O ESQUECIMENTO E A NECESSIDADE DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS: UM NÃO À BANALIDADE DO MAL MEDIANTE O ESTUDO DE CASO DOS TRABALHADORES DA FAZENDA BRASIL VERDE

Dados do Projeto

958

A MEMÓRIA, A HISTÓRIA, O ESQUECIMENTO E A NECESSIDADE DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS: UM NÃO À BANALIDADE DO MAL MEDIANTE O ESTUDO DE CASO DOS TRABALHADORES DA FAZENDA BRASIL VERDE

2024/1 até 2028/2

ESCOLA DE DIREITO, NEGÓCIOS E COMUNICAÇÃO

GRUPO DE ESTUDOS EM DIREITOS HUMANOS E DIREITO PENAL INTERNACIONAL

Direito Internacional Público

FERNANDA DE PAULA FERREIRA MOI

Resumo do Projeto

O presente projeto tem como objeto a análise do trabalho escravo na contemporaneidade e a necessidade de Políticas Públicas para seu combate e erradicação, por parte do Estado brasileiro. Para tanto, serão analisados os conceitos de banalidade do mal, Memória e Justiça, a partir dos referenciais teóricos eleitos. Com intuito de respondermos às problematizações levantadas, será utilizado o método histórico-dialético marxista. Em relação à metodologia, valer-nos-emos da pesquisa bibliográfica, documental e estudo de caso. Ao final, pretendemos demonstrar a necessidade de um pensar crítico e da instituição de Políticas Públicas efetivas para o combate do trabalho escravo contemporâneo.

Objetivos

Objetivo geral: a presente pesquisa tem como objetivo principal a análise da necessidade de instituição de Políticas Públicas efetivas para o combate do trabalho escravo, a partir da análise do estudo de caso Fazenda Brasil Verde, através dos conceitos propostos por Hannah Arendt e Paul Ricoeur.

 Objetivos específicos:
•        Discutir, a partir de uma perspectiva hermenêutica, os conceitos de Memória e Esquecimento e analisar o conceito de banalidade do mal e o julgamento de Adolf Eichmann;
•        Analisar o caso dos Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde e discutir a ineficácia do Estado brasileiro frente aos atos de violação dos direitos humanos;
•        Discutir a importância de Políticas Públicas para a efetiva proteção dos direitos humanos.

Justificativa

Muito já se discutiu a obra Eichmann em Jerusalém– um relato sobre a banalidade do mal (ARENDT: 1999) e sua influência tanto para a elaboração do conceito de banalidade do mal bem para a forma de se (re)pensar a estrutura internacional até então vigente para a punição de agentes do Estado, no exercício de suas funções, quando da prática de atos criminosos.
Na referida obra, Hannah Arendt (1999), ao fazer a cobertura do julgamento de Adolf Eichmann, na cidade de Jerusalém, passa a discutir o conceito de banalidade do mal, conceito este que permeará nossa pesquisa. Eichmann, com a derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial, fugiu para a Argentina e viveu, com sua família, no subúrbio de Buenos Aires. Tendo sido sequestrado pelo Serviço Secreto israelense, foi levado para Jerusalém para ser julgado pelos crimes cometidos na Alemanha nazista.
Todavia, muito se discutiu sobre a legalidade do ato praticado e do próprio tribunal constituído. Referido fato foi de extrema importância para se repensar a estrutura internacional e as formas de se punir o agente público. De acordo com as noções de Direito Internacional Público clássico, o responsável pelos atos praticados é o Estado. No entanto, em vista dos horrores praticados pelos nazistas, passou-se a se discutir a necessidade de se punir, penalmente, os agentes públicos no exercício de suas funções. Nesse sentido, o julgamento de Eichmann  é de extrema importância .
Durante o julgamento, Arendt passou a analisar a postura de Eichmann e concluiu que ele não era aquele monstro sanguinário; era, tão somente, um homem medíocre e que, de acordo com suas conclusões, alguém que não se utilizava de sua capacidade de pensar criticamente os atos praticados. A partir desse dado apresentado, Arendt começou a questionar os perigos do não pensar e o que se pode entender como banalidade do mal. Nos dizeres da autora:
(...) the man in the glass booth não foi nem ao menos amedrontador, nada  funesto ou sinistro; os feitos eram monstruosos, mas o executante (...) era ordinário, comum, e nem demoníaco, nem monstruoso. (1999, 5-6)

Através da análise da postura de Eichmann, Arendt passa a desenvolver o conceito de banalidade do mal, fenômeno sem precedentes na História da humanidade. Para a autora,
Por trás desta expressão [banalidade do mal] não procurei sustentar nenhuma tese ou doutrina, muito embora eu estivesse vagamente consciente de que ela se opunha à nossa tradição de pensamento – literário, teológico ou filosófico – sobre o fenômeno do mal.

Nesse sentido, Arendt aprofunda seus estudos e conclui que essa banalidade do mal não está ligada ao mal demoníaco, mas sim à ausência de um pensamento crítico, ou seja, a banalização do mal nada mais é do que o não pensar. Assim,
A consciência no sentido socrático não é nada mais do que consciência no sentido de estar ciente, atento e capaz de conhecer por si próprio. Este é o dois-em-um que se atualiza na atividade do pensamento. (...). Essa é a condição para a memória. (...). Em certo sentido, poderíamos afirmar que da mesma forma que a memória – e por consequência o medo da dor ou da morte que impõem limites à nossa coragem - , representa um obstáculo aos nossos desafios, a atividade do pensamento significa um obstáculo aos nossos atos. Tais considerações estão relacionadas à natureza do mal: uma criatura com total ausência de pensamento teria ilimitada capacidade para o mal, não no sentido de deliberadamente ser um “vilão” visando obter determinados objetivos, mas no sentido de que tais motivações, todas aplicadas ao interesse próprio, não desempenham nenhum papel. A banalidade do mal: uma espécie de mal que nasce da ausência de pensamento pode chegar a extremos impensáveis (...) e sendo, em termos de motivações, sem causa e sem raízes, e ainda, sem limites. O mal sem limites, não o mal radical. (ARENDT: 1999, p. 145)

Interessante observar que as reflexões arendtianas foram fundamentais, como dito, para a reestruturação da sistemática até então vigente no Direito Internacional Público, afinal, a fundamentação dos direitos humanos se esvaiu com os horrores cometidos pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Ademais, como é cediço, é a partir destes eventos que a sociedade internacional passa a discutir o lugar do indivíduo na estrutura internacional. Deste modo, a partir de então, o indivíduo passa a ocupar lugar de destaque e começamos a pensar no Direito Internacional Humanitário.
Após essa breve explanação sobre o que se pretende discutir a partir do referencial teórico e dos conceitos arendtianos, julgamos necessário o estudo da obra de Paul Ricoeur para que possamos, assim, entender as questões relacionadas à Justiça, direitos humanos, reconhecimento, memoria e perdão.
Feita a apresentação dos conceitos elaborados por Arendt, dialogaremos com a obra A memória, a História e o Esquecimento, de Paul Ricoeur. A escolha por este referencial teórico encontra justificativa no fato de que, através desta obra, o autor discutirá, com base na fenomenologia, o que significa Memória e a História e como, a partir daí, se pode discutir a questão do Esquecimento e do Perdão. Nesta obra, considerada síntese de toda a produção do filósofo, se questiona como se ter uma atitude de um verdadeiro lembrar em um contexto histórico que muitas vezes é pontuado por comemorações oficiais, onde se busca o arrependimento por parte de entidades coletivas que visam o reconhecimento. Todavia, muitas vezes tais comemorações não atingem os objetivos perseguidos.
Deste modo, há que se ter em mente o que Ricoeur nos ensina sobre o que se deve entender por senso de justiça. Para o autor, tem-se que o senso de justiça é “querer uma vida realizada com e para os outros em instituições justas” (2007, p.10). Mas como? Ademais, também de extrema importância discutir o que o filósofo entende por Justiça, direitos humanos e reconhecimento.
Para Ricouer,
(...) se o conflito, e assim, de certa maneira, a violência, provocam a intervenção judicial, esta deixa-se definir pelo conjunto dos dispositivos através dos quais o conflito é elevado ao nível do processo, centrando-se este, por seu turno, num debate de palavras pronunciada pelo direito (...) Existe pois um lugar da sociedade onde a palavra prevalece sobre a violência (...) „O ato de julgar, a finalidade próxima desse ato é resolver um conflito.
Ainda,
A ideia de justiça rege uma prática social na qual importa lembrar de início as ocasiões ou as circunstâncias, em seguida as vias ou canais no plano institucional e, enfim, os argumentos no nível do discurso. Falando de circunstâncias da justiça, é necessário lembrar que lidamos com a justiça quando é requerida uma instância superior de escolha entre as reivindicações suscitadas por interesses ou direitos opostos. Quanto aos canais de justiça, trata-se do aparelho judiciário mesmo, compreendendo varias coisas: um corpo de leis escritas; tribunais ou cortes de justiça, investidas da função de dizer o direito; os juízes, quer dizer, indivíduos como nos, reputados independentes e encarregados de pronunciar a sentença reputada justa numa circunstancia particular; aos quais não se deve esquecer de acrescer o monopólio de coerção, a saber, o poder de impor uma decisão de justiça pelo emprego da forca publica. Quanto aos argumentos da justiça, lembra- se que esta é uma parte da atividade comunicacional, a confrontação entre argumentos diante de um tribunal oferece um exemplo notável do emprego dialógico da linguagem. (2007, p. 09)


No entanto, para que se aplique a Justiça, há que se pensar em um sistema judiciário, e isso também é objeto de análise por parte de Ricoeur. Nesse sentido, o autor não ignora a fragilidade do ato de julgar e, assim, muito importante se analisar o ato de julgar e quem o pratica, item a ser analisado posteriormente, seja na visão ricoeuriana, seja na visão do sociólogo brasileiro Jessé Souza, o qual, em sua obra Ralé brasileira – quem é e como vive, nos demonstra quem são os integrantes da Classe C e como eles são invisíveis perante os olhos dos integrantes das Classes A e B. Nesse sentido,
(...) Que não se perceba nenhuma mudança efetiva no cotidiano de dezenas de milhões de brasileiros condenados a um dia a dia humilhante deve-se ao fato de que a desigualdade brasileira vem de “muito tempo” e que não se pode acabar de uma penada com coisa tão antiga. As duas teses não poderiam ser mais falsas. Elas também não poderiam estar mais relacionadas. Elas formam o núcleo mesmo da “violência simbólica” — aquele tipo de violência que não “aparece” como violência —, que torna possível a naturalização de uma desigualdade social abissal como a brasileira. Na realidade, a “legitimação da desigualdade” no Brasil contemporâneo, que é o que permite a sua reprodução cotidiana indefinidamente, nada tem a ver com esse passado longínquo. Ela é reproduzida cotidianamente por meios “modernos”, especificamente “simbólicos”, muito diferentes do chicote do senhor de escravos ou do poder pessoal do dono de terra e gente, seja esta gente escrava ou livre, gente negra ou branca. Quando não se fala dessas formas “novas” e “modernas” de se legitimar a dominação cotidiana injusta e se apela a uma suposta e vaga continuidade com o passado distante é porque não se sabe do que se está falando, ainda que não se tenha coragem de admitir.  (SOUZA: 2009, 15)

Um dos graves problemas que historicamente assola o País é a desigualdade social e os problemas daí advindos, sendo o trabalho escravo algo que, infelizmente, se torna recorrente e que deve ser enfrentado e duramente combatido. Não raras são as notícias de trabalho escravo em grandes propriedades rurais Brasil afora, sendo que, no Estado de Goiás, várias denúncias já foram feitas. No entanto, para fins da presente pesquisa, nos propusemos ao estudo de caso da Fazenda Brasil Verde por ter sido o primeiro caso de escravidão levado para julgamento na Corte Interamericana de Direitos Humanos e por nos permitir o diálogo com nossos referenciais teóricos e nossos objetivos.
A questão do trabalho escravo dialoga com a obra de Jessé Souza pois, para ele
(...) a “ralé” brasileira moderna não se confunde com o simples lumpemproletariado tradicional. Como ela não encontra emprego no setor produtivo que pressupõe uma relativa alta incorporação de conhecimento técnico ou “capital cultural”, ela só¿ pode ser empregada enquanto mero “corpo”, ou seja, como mero dispêndio de energia muscular. É desse modo que essa classe é explorada pelas classes média e alta: como “corpo” vendido a baixo preço, seja no trabalho das empregadas domésticas, seja como dispêndio de energia muscular no trabalho masculino desqualificado, seja ainda na realização literal da metáfora do “corpo” à venda, como na prostituição. Os privilégios da classe média e alta advindos da exploração do trabalho desvalorizado dessa classe são insofismáveis. (2009, 23-24)

Assim, diante do histórico de trabalho escravo na contemporaneidade, faz-se necessário o estudo de como a OEA (Organização dos Estados Americanos) vem se posicionando face à inercia do sistema judiciário brasileiro quando da ocorrência de tais fatos, pois, retornando aos ensinamentos de Souza, essas pessoas que sofrem com a invisibilidade e com os subempregos, que são postas à margem da sociedade, necessitam do acesso à Justiça.
Neste momento da pesquisa, apresentaremos a estrutura da Organização dos Estados Americanos, seu surgimento histórico e objetivos. Todavia, em vista do objeto central da presente pesquisa, analisaremos, de modo mais aprofundado, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, e como de dá a proteção dos direitos humanos.
A OEA teve a sua fundação em 1948 quando da assinatura da Carta da Organização dos Estados Americanos, tendo sido, posteriormente, emendada pelo Protocolo de Buenos Aires, tendo como principais objetivos, de acordo com seu Preâmbulo, a busca para “se conseguir uma ordem de paz e de justiça, para a promover sua solidariedade, intensificar sua colaboração e defender sua soberania, sua integridade territorial e sua independência”.
Por meio da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão do sistema interamericano, busca-se pela promoção e proteção dos direitos humanos, sendo que, para a realização de seus objetivos, baseia-se em três pilares, quais sejam: o sistema de petição individual; o monitoramento da situação dos direitos humanos nos Estados-Membros e; a atenção a linhas temáticas prioritárias. A Corte, por sua vez, tem características consultiva e contenciosa, e se caracteriza como órgão de caráter jurisdicional, tendo como funções precípuas aplicação e interpretação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Feitas estas análises preliminares sobre a OEA, entendemos ser necessário, para se demonstrar a aplicabilidade prática dos conceitos trabalhados e a forma de se aplicá-los, estudo de caso envolvendo a violação dos direitos humanos no âmbito da OEA e a sua atuação, sempre dialogando com os conceitos e categorias trabalhados. Neste sentido, nossa opção foi pela análise do caso conhecido como Caso dos Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde, caso n. 12.066.
Por fim, o presente estudo tem por objetivo propor a implantação de Políticas Públicas para que a violação dos direitos humanos, em específico a questão do trabalho escravo, seja devidamente punida. A opção pelo trabalho escravo se justifica por ser um fenômeno recorrente em fazendas do Estado de Goiás.
Nesse sentido, há que se ter em mente o conceito de Políticas Públicas, qual seja:
Resguardando o risco de soarmos simplistas, pode-se resumir política publica como o campo do conhecimento que busca ao mesmo tempo “colocar o governo em ação” e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças nos rumos ou cursos dessas ações (variável dependente). A formulação de políticas públicas constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações para produção de resultados ou mudanças no mundo real.
Disponível em https://www.editorarealize.com.br/revistas/conedu/trabalhos/TRABALHO_EV127_MD1_SA1_ID11845_26092019141008.pdf

Deste modo, para a presente pesquisa, nos valeremos do conceito de Políticas Públicas no sentido de práticas para enfrentamento de problemas de cunho social. Nesse sentido, nos utilizaremos do conceito de políticas públicas constitutivas, as quais estabelecem princípios para o estabelecimento das demais políticas públicas. Assim, a nossa proposta, para a presente pesquisa, se dá no sentido da necessidade de se efetivarem políticas públicas para o combate do trabalho escravo e sua efetiva punição.

Equipe do Projeto

Nome Função no projeto Função no Grupo Tipo de Vínculo Titulação
Nível de Curso
FERNANDA DA SILVA BORGES
Email: fsilvaborges@hotmail.com
Pesquisador Pesquisador [professor] [doutor]
FERNANDA DE PAULA FERREIRA MOI
Email: paula@pucgoias.edu.br
Coordenador Líder [professor] [doutor]
GABRIEL DA ROCHA SPERANDIO
Email: gabrieljipa11@hotmail.com
Pesquisador Estudante [aluno] [null]
GABRIELA MASSON CANEDO
Email: gabrielamassoncanedo@gmail.com
Pesquisador Estudante [aluno] [null]
HEITOR DE CARVALHO PAGLIARO
Email: heitor@heitorpagliaro.com
Pesquisador Pesquisador Externo [externo] [doutor]
RAIMUNDO DOMINGUES DE MORAES
Email: RAYMORAYS@GMAIL.COM
Pesquisador Pesquisador Externo [externo] [mestre]
VICTOR HUGO DE SANTANA AGAPITO
Email: victorklavier@hotmail.com
Pesquisador Pesquisador Externo [externo] [mestre]