Detalhes do Projeto de Pesquisa

HISTÓRIA, MEMÓRIA, PERDÃO, RECONCILIAÇÃO: NECESSIDADE DA JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO PARA A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS - ANÁLISE À LUZ DO GENOCÍDIO EM RUANDA

Dados do Projeto

883

HISTÓRIA, MEMÓRIA, PERDÃO, RECONCILIAÇÃO: NECESSIDADE DA JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO PARA A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS - ANÁLISE À LUZ DO GENOCÍDIO EM RUANDA

2024/1 até 2028/2

ESCOLA DE DIREITO, NEGÓCIOS E COMUNICAÇÃO

GRUPO DE ESTUDOS EM DIREITOS HUMANOS E DIREITO PENAL INTERNACIONAL

Direito Internacional Público

FERNANDA DE PAULA FERREIRA MOI

Resumo do Projeto

O presente projeto de pesquisa tem como objeto de estudo a historicidade dos direitos humanos a partir dos conceitos de memória, perdão e reconciliação para que, por meio do instituto da Justiça de Transição, se compreenda a atual sistemática de proteção dos direitos humanos na esfera internacional e a atuação do Tribunal Penal Internacional (TPI). Para tanto, serão analisadas obras de Hannah Arendt e Paul Ricoeur, bem como o caso do genocídio perpetrado em Ruanda. Neste sentido, quanto ao método, nos valeremos do método materialista histórico-dialético; quanto à metodologia, nos valeremos da pesquisa bibliográfica, documental e estudo de caso.

Objetivos

Objetivo geral: a presente pesquisa tem como objetivo principal a análise dos conceitos de Memória, Perdão e Reconciliação, bem como da necessidade da Justiça de Transição, a partir da análise do estudo de caso do genocídio perpetrado em Ruanda, através dos conceitos propostos por Hannah Arendt, François Ost e Paul Ricoeur.

Objetivos específicos:
•        Discutir, a partir de uma perspectiva hermenêutica, os conceitos de Memória, Perdão e Reconciliação e analisar o conceito de banalidade do mal e o julgamento de Adolf Eichmann;
•        Analisar o caso do genocídio em Ruanda e discutir a ineficácia das normas internacionais frente aos atos de violação dos direitos humanos;
•        Discutir a importância da Justiça de Transição para a efetiva proteção dos direitos humanos.

Justificativa

Muito já se discutiu a obra Eichmann em Jerusalém – um relato sobre a banalidade do mal e sua influência tanto para a elaboração do conceito de banalidade do mal bem como para a forma de se (re)pensar a estrutura internacional até então vigente para a punição de agentes do Estado, no exercício de suas funções, quando da prática de atos criminosos.
Na referida obra, Hannah Arendt, ao fazer a cobertura do julgamento de Adolf Eichmann, na cidade de Jerusalém, passa a discutir o conceito de banalidade do mal, conceito este que permeará nossa pesquisa. Eichmann, com a derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial, fugiu para a Argentina e viveu, com sua família, no subúrbio de Buenos Aires. Tendo sido sequestrado pelo Serviço Secreto israelense, foi levado para Jerusalém para ser julgado pelos crimes cometidos na Alemanha nazista.
Todavia, muito se discutiu sobre a legalidade do ato praticado e do próprio tribunal constituído. O referido fato foi de extrema importância para se repensar a estrutura internacional e as formas de se punir o agente público. De acordo com as noções de Direito Internacional Público clássico, o responsável pelos atos praticados é o Estado. No entanto, em vista dos horrores praticados pelos nazistas, passou-se a se discutir a necessidade de se punir, penalmente, os agentes públicos no exercício de suas funções. Nesse sentido, o julgamento de Eichmann  é de extrema importância .
Durante o julgamento, a autora passou a analisar a postura de Eichmann e concluiu que ele não era aquele monstro sanguinário; era, tão somente, um homem medíocre e que, de acordo com as conclusões da autora, alguém que não se utilizava de sua capacidade de pensar criticamente os atos praticados. A partir desse dado apresentado, Arendt começou a questionar os perigos do não pensar e o que se pode entender como banalidade do mal. Nos dizeres da autora:

(...) the man in the glass booth não foi nem ao menos amedrontador, nada  funesto ou sinistro; os feitos eram monstruosos, mas o executante (...) era ordinário, comum, e nem demoníaco, nem monstruoso. (1993, 5-6)
Por meio da análise da postura de Eichmann, Arendt passa a desenvolver o conceito de banalidade do mal, fenômeno sem precedentes na História da humanidade. Para a autora,

Por trás desta expressão [banalidade do mal] não procurei sustentar nenhuma tese ou doutrina, muito embora eu estivesse vagamente consciente de que ela se opunha à nossa tradição de pensamento – literário, teológico ou filosófico – sobre o fenômeno do mal.
(ANDRADE: 2010, p. 3)

Nesse sentido, a autora aprofunda seus estudos e conclui que essa banalidade do mal não está ligada ao mal demoníaco, mas sim à ausência de um pensamento crítico, ou seja, a banalização do mal nada mais é do que o não pensar. Assim,

A consciência no sentido socrático não é nada mais do que consciência no sentido de estar ciente, atento e capaz de conhecer por si próprio. Este é o dois-em-um que se atualiza na atividade do pensamento. (...). Essa é a condição para a memória. (...). Em certo sentido, poderíamos afirmar que da mesma forma que a memória – e por consequência o medo da dor ou da morte que impõem limites à nossa coragem - , representa um obstáculo aos nossos desafios, a atividade do pensamento significa um obstáculo aos nossos atos. Tais considerações estão relacionadas à natureza do mal: uma criatura com total ausência de pensamento teria ilimitada capacidade para o mal, não no sentido de deliberadamente ser um “vilão” visando obter determinados objetivos, mas no sentido de que tais motivações, todas aplicadas ao interesse próprio, não desempenham nenhum papel. A banalidade do mal: uma espécie de mal que nasce da ausência de pensamento pode chegar a extremos impensáveis (...) e sendo, em termos de motivações, sem causa e sem raízes, e ainda, sem limites. O mal sem limites, não o mal radical. (ARENDT: 2001, p. 024618) Grifou-se.

Interessante observar que as reflexões arendtianas foram fundamentais, como dito, para a reestruturação da sistemática até então vigente no Direito Internacional Público, afinal, a fundamentação dos direitos humanos se esvaiu com os horrores cometidos pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Ademais, como é cediço, é a partir destes eventos que a sociedade internacional passa a discutir o lugar do indivíduo na estrutura internacional. Deste modo, a partir de então, o indivíduo passa a ocupar lugar de destaque e começamos a pensar no Direito Internacional Humanitário.
Outras duas obras de Arendt são fundamentais para a construção do arcabouço jurídico da presente pesquisa, quais sejam: As Origens do Totalitarismo e A Condição Humana.
Importante ressaltar que tais obras dialogam entre si e, por uma questão metodológica, a apresentação do arcabouço teórico do presente projeto se inicia com Eichmann em Jerusalém por ser nesta obra que Arendt, para além da questão do conceito de banalidade do mal, lança a reflexão sobre a necessidade de se repensar o então ordenamento jurídico para que crimes tão horrendos sejam devidamente punidos .
Assim, após análise da referida obra, nos debruçaremos, agora seguindo uma ordem cronológica no que se refere às publicações, sobre As Origens do Totalitarismo e A Condição Humana. Neste sentido, justifica-se a presente escolha pois, em OT a autora, para além da análise do surgimento do totalitarismo, nos traz reflexões sobre as questões do terror e da necessidade de o homem não se caracterizar mais como um ser pensante. Nesta linha de raciocínio, justifica-se a opção por A Condição Humana pois, aqui, Arendt reforça, em nosso entendimento, a construção sobre os perigos do não pensar de forma crítica, do se afastar da vida política, quando nos fala sobre a alienação que o trabalho nos traz e o afastamento, por parte do homem contemporâneo, da vida ativa. Por fim, em Eichmann em Jerusalém a linha de raciocínio da autora se completa, pois, ao analisar Adolf Eichmann e sua postura durante seu julgamento, resta claro o perigo de não se ser crítico.
Deste modo, em Origens do Totalitarismo, a autora afirma que totalitarismo é uma forma de governo sem precedentes na história política pois, em tal sistema, são intrínsecos a ele o mal e a destruição, sendo os campos de concentração sua expressão máxima. Neste sentido, de suma importância que se instaure o terror e que os homens sejam transformados em marionetes, ou, nos dizeres da autora, que seres humanos se transformem em animais supérfluos (ARENDT: 1975, p. 457)
Ademais, ainda sobre a questão da intrínseca ligação entre o mal e o totalitarismo, afirma a autora que

A tentativa totalitária de conquista global e de dominação total foi a solução destrutiva para  todos  os  nossos  impasses.  Sua  vitória  pode  coincidir  com  a  destruição  da  humanidade; onde quer que ele [o sistema  totalitário] tenha dominado, ele começou a destruir a essência do homem. E, no entanto, voltar as costas para as forças destrutivas do  século  é  de  pouca  utilidade  (...)  E  se  é  verdade  que  nos  estágios  finais  do totalitarismo  um  mal  absoluto  aparece  (absoluto  porque  ele  não  pode  mais  ser deduzido de motivos humanos compreensíveis), também é verdade que sem ele nós nunca conheceríamos a natureza verdadeiramente radical do Mal.
(ARENDT, 1975, pp. VIII-IX)

Em A Condição Humana, por sua vez, a autora busca compreender a natureza da sociedade e sua evolução, questionando as origens da alienação do mundo moderno, buscando, também, analisar as formas de alienação do homem. Neste sentido, podemos compreender que, na contemporaneidade, em vista da perda da sua essência, o homem se distancia da ação restringindo-se, apenas, ao trabalho.
Feita essa breve explanação sobre o que se pretende discutir a partir do referencial teórico e dos conceitos arendtianos, julgamos necessário o estudo da obra A Memória, a História e o Esquecimento, Paul Ricoeur, para que possamos, assim, entender as questões relacionadas à Justiça, direitos humanos, reconhecimento, memoria e perdão.
Feita a apresentação dos conceitos elaborados por Arendt, dialogaremos com a obra A memória, a História e o Esquecimento, de Paul Ricoeur. A escolha por este referencial teórico encontra justificativa no fato de que, por intermédio desta obra, o autor discutirá, com base na fenomenologia, o que significa Memória e a História e como, a partir daí, se pode discutir a questão do Esquecimento e do Perdão. Nesta obra, considerada síntese de toda a produção do filósofo, se questiona como se ter uma atitude de um verdadeiro lembrar em um contexto histórico que muitas vezes é pontuado por comemorações oficiais, onde se busca o arrependimento por parte de entidades coletivas que visam o reconhecimento. Todavia, muitas vezes tais comemorações não atingem os objetivos perseguidos.
Deste modo, há que se ter em mente o que Ricoeur nos ensina sobre o que se deve entender por senso de justiça. Para o autor, tem-se que o senso de justiça é “querer uma vida realizada com e para os outros em instituições justas” (2008, p.10). Mas como? Ademais, também de extrema importância discutir o que o filósofo entende por Justiça, direitos humanos e reconhecimento.
Para Ricouer,

se o conflito, e assim, de certa maneira, a violência, provocam a intervenção judicial, esta deixa-se definir pelo conjunto dos dispositivos através dos quais o conflito é elevado ao nível do processo, centrando-se este, por seu turno, num debate de palavras pronunciada pelo direito (...) Existe pois um lugar da sociedade onde a palavra prevalece sobre a violência (...) „O ato de julgar, a finalidade próxima desse ato é resolver um conflito.
(2001, p. 09)

Ainda,

A ideia de justiça rege uma prática social na qual importa lembrar de início as ocasiões ou as circunstâncias, em seguida as vias ou ca- nais no plano institucional e, enfim, os argumentos no nível do discurso. Fa- lando de circunstâncias da justiça, é necessário lembrar que lidamos com a justiça quando é requerida uma instância superior de escolha entre as rei- vindicações suscitadas por interesses ou direitos opostos. Quanto aos canais de justiça, trata-se do aparelho judiciário mesmo, compreendendo várias coisas: um corpo de leis escritas; tribunais ou cortes de justiça, investidas da função de dizer o direito; os juízes, quer dizer, indivíduos como nós, repu- tados independentes e encarregados de pronunciar a sentença reputada jus- ta numa circunstância particular; aos quais não se deve esquecer de acrescer o monopólio de coerção, a saber, o poder de impor uma decisão de justiça pelo emprego da força pública. Quanto aos argumentos da justiça, lembra- se que esta é uma parte da atividade comunicacional, a confrontação entre argumentos diante de um tribunal oferece um exemplo notável do emprego dialógico da linguagem.
(1995, p. 31)

No entanto, para que se aplique a Justiça, há que se pensar em um sistema judiciário, e isso também é objeto de análise por parte de Ricoeur. Nesse sentido, o autor não ignora a fragilidade do ato de julgar e, assim, muito importante se analisar o ato de julgar e quem o pratica.
Pensando, a partir de Ricoeur, na aplicação da Justiça e no próprio sistema judiciário, há que se pensar na questão da Justiça de Transição e, consequentemente, no Direito e em seu próprio Tempo. Deste modo, justifica-se a escolha da obra de François Ost – O Tempo do Direito – pois nesta o autor discute a temporalização do Direito. Ainda justificando a escolha de Ost como um de nossos referenciais teóricos, há que se ressaltar o diálogo entre O Tempo do Direito e A Condição Humana.
Neste sentido, para Ost, o Tempo apresenta-se como construção social, assim como o Direito, o que implica na íntima relação de Tempo e Direito com Poder, estando a Memória se liga ao passado, sendo por meio da Tradição que o Perdão se desliga do passado, sem, contudo, aniquilá-lo.
Assim, o Tempo, assim como o Direito, é, antes de mais nada, uma construção social, uma questão de Poder. Para Ost, o Direito não se coloca apenas como conjunto de regras para se reger a vida em sociedade, disciplinando regras e sanções; para ele, o Direito também se coloca como discurso performático. Assim, para Ost “o direito afeta diretamente a temporalização do tempo e, em compensação, o tempo determina a força instituinte do direito”(1999), ou seja, o Tempo não está alheio à ciência jurídica, sendo ele a própria substância da lei.
Sendo Tempo e Direito questões de Poder , Ost “concebe a relação entre tempo social e instituição jurídica a partir da justaposição de convenções temporais e legais que sustentam a estrutura social”(SANTOS e LEHFELD: 2022).
Embora Tempo e Direito caminhem de mãos dadas, tal relação é extremamente frágil, podendo ser, facilmente, rompida. Neste sentido, Ost desenvolve sua obra. Assim, a relação entre a ‘temperança’ (a sabedoria do tempo) e a ‘justiça’ (a sabedoria do direito) e a sua contribuição para o bom governo apresenta-se como o fio condutor da presente obra. Deste modo, o Direito tem papel fundamental pois ele institui normas e elementos da sociedade, instituindo, assim, o tempo social.
Podemos ligar a questão sobre Justiça de Transição, bem como o pensamento de Ricoeur, aos ensinamentos de Ost, para quem a memória é patrimônio dotado de conteúdo político estando ligado à memória o perdão.
E mais uma vez resta clara a importância do Direito no pensando de Ost pois, para o autor, “a sociedade é herdeira de sua história, e por isso cabe a ela, representada pelo direito, assumir compromissos para o progresso futuro a partir da reinterpretação do passado” (SANTOS e LEHFELD: 2022).
Para Ost, em diálogo com Arendt, a sociedade moderna não cultua a sua memória, não compreendendo, assim, sua capacidade de reinterpretar seu passado para orientar seu futuro (OST: 1999, p. 27-28).
A obra de Ost, em diálogo com Arendt e Ricoeur, nos traz o seguinte questionamento: como se cultuar a memória e se chegar ao perdão quando da prática de crimes de genocídio ? Neste ponto, retomamos o conceito de Justiça de Transição e sua importância para reparação as violações aos direitos humanos. Neste sentido,

Múltiplos campos se abrem nesta perspectiva. Do lado da democracia, iremos perguntar como arbitrar entre prioridade do presente, experiência do passado e exigências do futuro. Do lado da justiça, começaremos a nos interrogar sobre a durabilidade da herança que transmitimos às gerações futuras. Do lado do direito positivo, iremos nos recolocar a questão de saber se, mais que gerir na urgência, não seria preciso, antes, instituir na confiança.
(OST: 2005, 408).

Assim, podemos concluir que o tempo social é plural, sendo necessária a coordenação dos ritmos temporais de uma sociedade a fim de que tais sociedades não se desintegrem do ponto de vista social, ou seja, não se tornem extremamente individualistas.

Equipe do Projeto

Nome Função no projeto Função no Grupo Tipo de Vínculo Titulação
Nível de Curso
FERNANDA DE PAULA FERREIRA MOI
Email: paula@pucgoias.edu.br
Coordenador Líder [professor] [doutor]