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RELIGIÃO E AUTORITARISMO NA SOCIEDADE BRASILEIRA
2023/2 até 2026/2
ESCOLA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E HUMANIDADES
GRUPO DE PESQUISA EM RELIGIÃO, CULTURA E SOCIEDADE
RELIGIÃO E MOVIMENTOS SOCIAIS
ALBERTO DA SILVA MOREIRA
O projeto de pesquisa propõe-se os seguintes objetivos:
Específico:
Analisar a imbricação e o papel dos elementos religiosos no autoritarismo político e na cultura autoritária da sociedade brasileira.
Gerais:
Autoritarismo é compreendido aqui inicialmente num sentido mais amplo, seja como forma de governo ou cultura política socialmente sancionada, que exige ou induz à obediência cega à autoridade, mantém uma expectativa de obediência inquestionável da população a determinados valores ou comportamentos, limitando ou impedindo a liberdade dos indivíduos e dos coletivos. Sistemas autoritários são sempre apoiados por certas forças sociais (ainda que restritas, mas poderosas) em uma sociedade. No quadro global de relativa dificuldade de impor a todos sua visão de mundo, comportamentos e modelo político, muitos governos autoritários com reduzida base social lançam mão da religião, do nacionalismo e do patriotismo para ampliar a sua base social de apoio.
Uma pesquisa do Instituto Datafolha e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública indicava em 2017 que o país continua sendo um terreno fértil para líderes autoritários (Lima e Costa, 2017). Cinco anos depois, mesmo com uma experiência traumática na área dos direitos humanos e sociais, no combate à pandemia, na perda de direitos trabalhistas, na desregulamentação de políticas ambientais e de defesa dos povos indígenas, para citar apenas alguns exemplos, uma parcela significativa da população continua não vendo nenhum problema no desmantelamento do Estado democrático de Direito. Seguem não apenas a polarização e os discursos de ódio na política oficial, mas também as práticas autoritárias cotidianas de ataques às mulheres, a grupos étnicos distintos, como negros e indígenas, ou a membros da população LGBTQIA. Ao serem confrontados com a afirmação “o que este país necessita, principalmente, antes de leis ou planos políticos, é de alguns líderes valentes, incansáveis e dedicados em quem o povo possa depositar a sua fé", 69% dos brasileiros adultos concordaram com ela. Para Costa e Lima (2017) o cenário fica ainda mais tenebroso se forem somados aqueles que concordam em parte com a frase acima. Nesse caso, o percentual sobe para 85% da população sujeitos a influências autoritárias, para os quais leis e projetos políticos pouco importam em relação a outras pautas como segurança e combate à corrupção. O autoritarismo bolsonarista busca conquistar a legitimidade pública estabelecendo um padrão de moralidade que valoriza o indivíduo e o sagrado, mas que despreza o coletivo.
O projeto de pesquisa pretende retomar modelos mais recentes do questionário utilizado no clássico estudo de Theodor Adorno (1950), Erich Fromm e outros pensadores da Teoria Crítica sobre a personalidade autoritária. Sua metodologia até hoje se mantém como referência e pode abrir dimensões inusitadas para a parte empírica do projeto de investigação. Como sabido, Adorno ao estudar a adesão à personalidade autoritária levava em conta algumas dimensões principais: adesão a valores tradicionais e convenções sociais; submissão e aceitação incondicional de um líder reconhecido como legítimo; agressividade e predisposição a hostilizar minorias.” (Lima e Costa, 2017)
A principal hipótese que norteia esse projeto de pesquisa é a existência de um nexo profundo entre o autoritarismo e as formas religiosas vividas no passado e recicladas no presente por novos agentes religiosos em contextos de elevada tensão social. Uma indicação consistente de como esta hipótese é plausível e exige maior aprofundamento, foi dada pela pesquisa de Saulo Baptista sobre os pentecostais e neopentecostais na política brasileira (2009). Nesse trabalho o autor pondera que o pentecostalismo se estabeleceu no Brasil desde o início em estreito contato e próximo aos ambientes populares e às classes trabalhadoras, mas - possivelmente devido às suas origens norte-americanas, sem contato com as revoluções europeias e os movimentos operários -, o pentecostalismo no Brasil até hoje não teria desenvolvido, ou não dado espaço a correntes internas com potenciais de contestação política e crítica social. Segundo Saulo Baptista a principal razão para essa tendência histórica de alinhamento do pentecostalismo com a direita residiria no fato de que as igrejas pentecostais mais importantes, como Assembleia de Deus e Congregação Cristã, assim como as neopentecostais mais importantes, como a Universal, e com elas quase todas as outras igrejas, assimilaram decididamente o velho autoritarismo brasileiro, a cultura política oligárquica e patriarcal:
Com base nas observações realizadas, tem-se constatado que pastores e bispos são mais caudilhos do que clérigos [...] o modelo de organização requer que eles se imponham de forma autoritária, o que faz com que a relação entre líder e liderados se caracterize como tutela e dependência, respectivamente. A organização pentecostal assimilou, de fato, o padrão mandonista do chefe político brasileiro. [...] Uma organização autoritária que exclui os fiéis de participarem de todas as decisões, embora sejam eles que a sustentam [...]. Este tipo de ambiente desenvolve caracteres antidemocráticos e uma cultura contrária ao bem-estar coletivo. (BAPTISTA, 2009, p. 383).
Segundo Baptista, o pentecostalismo teria uma atração peculiar pelos regimes autoritários porque há uma afinidade entre eles e suas estruturas eclesiásticas. Quando as igrejas pentecostais AD e IURD entraram na arena político-partidária em 1986 elas o fizeram de forma corporativa, adotando uma postura populista e autoritária. Usaram de manipulação dos fiéis para obter benefícios eleitorais, para atingir metas eleitorais previamente estabelecidas pela direção das igrejas. Ao fazer isso, eles assumiram e atualizaram um antigo padrão de estratégia política autoritária, conhecida da cultura católica: os “currais eleitorais” (BAPTISTA, 2009). Para Almeida (2019) os evangélicos pentecostais “têm um conservadorismo ativo, e não apenas reativo. A eles interessa [...] não somente a proteção da moralidade dos evangélicos, mas a luta para que [ela] seja inscrita na ordem legal do país” (Almeida, 2019, p. 45). Segundo o autor, uma vez a caminho de tornar-se majoritários, os setores mais conservadores do evangelismo brasileiro sustentam uma compreensão da democracia que defende “mais a vontade da maioria do que [...] a proteção das minorias ou das diferenças”. (Almeida, 2019, p. 50)
A ligação umbilical do autoritarismo e do patriarcalismo brasileiro com o catolicismo vivido e praticado desde os primeiros tempos do Brasil Colônia, até pelo menos a declaração de laicidade do Estado pela Constituição de 1891, tem sido bastante estudada e pertence de certa forma ao senso comum sociológico no Brasil (Azzi, 1999). Mesmo assim será tarefa e desafio para este projeto de pesquisa mostrar e analisar em pormenores como, por um lado, os elementos religiosos sacralizaram um determinado tipo de autoritarismo e como interesses econômicos e projetos de poder autoritários plasmaram as formas religiosas vividas na época. Por outro lado, será preciso desentranhar não apenas uma possível continuidade histórica do autoritarismo por dentro das distintas formas religiosas vividas e praticadas (catolicismo tradicional e (neo)pentecostalismo), mas também uma confluência atual desses estilos diversos de autoritarismo de base religiosa seja na cultura política, na vida pública e no ethos da população brasileira. Assim, esse projeto de pesquisa, em que pese todo trabalho de integrar numa compreensão explicativa plausível os elementos religiosos tradicionais com aqueles recebidos em tempo recente dos processos de globalização, parte de uma suposição básica, que é a afirmação de que há uma “afinidade eletiva” ou parentesco ideológico entre os autoritarismos praticados por formas religiosas distintas, e por longo tempo até antagônicas, no campo religioso brasileiro.
Nome | Função no projeto | Função no Grupo | Tipo de Vínculo | Titulação Nível de Curso |
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ALBERTO DA SILVA MOREIRA
Email: alberto-moreira@uol.com.br |
Coordenador | Pesquisador | [professor] | [doutor] |
ALDEMIR FRANZIN
Email: pe.aldemirfranzin@hotmail.com |
Pesquisador | Estudante | [aluno] | [null] |
EDUARDO GUSMÃO DE QUADROS
Email: eduardo.hgs@hotmail.com |
Pesquisador | Pesquisador | [professor] | [doutor] |
LORENZO LAGO
Email: lorenzo@pucgoias.edu.br |
Pesquisador | Pesquisador | [professor] | [mestre] |