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SÍTIO ARQUEOLÓGICO GO-JA-02, SERRANÓPOLIS, GOIÁS: ESCAVAÇÃO E PRESERVAÇÃO DA ARTE RUPESTRE
2023/1 até 2025/2
ESCOLA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E HUMANIDADES
ESTUDOS DO QUATERNÁRIO
Geoarqueologia
ROSICLÉR THEODORO DA SILVA
Geral:
Caracterizar, contextualizar, registrar e verificar as condições de preservação do conjunto da arte rupestre do sítio GO-Ja-02 do Complexo Arqueológico de Serranópolis.
Específicos:
A realização do objetivo geral demanda os seguintes objetivos específicos:
O Estado de Goiás ocupa uma posição geográfica privilegiada para a pesquisa arqueológica, entre as bacias hidrográficas do Amazonas, Paraná/Prata e do São Francisco. Segundo alguns autores a região poderia ter sido um corredor de deslocamento (Schmitz 1976, 1980), de confluência (Robrahn-González 1996) ou de passagem, convergência e dispersão (Morais et al. 1998) de grupos pré-coloniais.
A ocupação da área de Serranópolis, bem definida para o início do Holoceno (Rubin et al. 2020) se ajusta com outras áreas do Brasil Central, de acordo com resultados das pesquisas desenvolvidas nos sítios do alto rio Sucuriu/MS, mais precisamente sítios AS4 e AS12 (Kashimoto e Martins 2005), do município de Poxoréu/MT, sítio MT-SL-31 (Wüst, 1990), do município de Uruaçu/GO, sítio GO-NI-49 (Barbosa et al. 1976/1977), de Jangada/MT, sítio Santa Elina (Vilhena-Vialou e Vialou 1989, Vialou et al.2017, Scheel-Ybert e Bachelet 2020), sítios de Lajeado/TO (Bueno 2007). Para o mesmo período também se destacam os resultados das investigações desenvolvidas em Minas Gerais, em Januária (Prous et al. 1984, Fogaça 2001), em Buritizeiro (Rodet et al. 2007), em Jequitaí (Bassi e Rodet 2011), em Diamantina (Isnardis 2009) e em Lagoa Santa (Neves et al. 2014, Araujo et al. 2012, Strauss et al. 2016). No Planalto Central Brasileiro se destacam os sítios Santa Elina (Vilhena-Vialou e Vialou 1994) e o sítio Gruta do Sol (Miller 1983), com cronologia do final do Pleistoceno.
Schmitz et al. (1989;2004), Fogaça e Lourdeau (2008) e Lourdeau (2010), estudaram a cultura material, lítico dos sítios de Serranópolis, destacando-se o sítio GO-Ja-01, onde os estratos mais antigos, do início do Holoceno, apresentam instrumentos e artefatos pertencentes a fase Paranaíba datada de 11.500 a 8.500 anos B.P., caracterizada por algumas pontas bifaciais e, por instrumentos unifaciais denominados de “lesmas”, marcadores crono-culturais da Tradição Itaparica, uma vez que ocorre em todos os sítios da fase Paranaíba (Ramos e Viana 2019, Moreno de Sousa 2016).
A variação dos conjuntos líticos, observada ao longo da série estratigráfica, serviu de base para a proposição de uma sequencia cultural coerente que serve de referência para o Planalto Central Brasileiro, caracterizada pelas fases Paranaíba (Tradição Itaparica), Serranópolis (Tradição Serranópolis) e Jataí (Tradição Una). Tais evidências fizeram dessa região uma das mais conhecidas do Brasil, com relação especial ao período pré-cerâmico (Viana 2016).
De acordo com Fogaça e Lourdeau (2008) e Lourdeau (2010), os instrumentos unifaciais (lesmas) são portadores de uma estrutura técnica comum, representada por façonagem unifacial, realizada a partir de uma superfície plana, confeccionados sobre lascas grandes cujo volume é organizado com retiradas unifaciais na periferia inteira da peça, sempre realizadas à custa da face superior da lasca-suporte.
Os sítios da Tradição Itaparica estão correlacionados cronologicamente ao final do Pleistoceno e início do Holoceno, sendo que para sua caracterização foram de extrema importância as pesquisas de Valentín Calderón no sítio Caverna do Padre ou Gruta do Padre, Pernambuco, com base nos instrumentos unifaciais (“lesmas”). Foram identificados sítios da Tradição Itaparica nos estados de Tocantins, de Goiás, de Mato Grosso, de Mato Grosso do Sul, de MinasGerais, de Pernambuco e do Piauí (Rodet et al. 2011).
Schmitz (1980) e Barbosa (1981/82), definiram a fase Serranópolis para uma sequência cultural entre 8.500 e 6.500 A.P. (Holoceno Médio), caracterizada por uma indústria lítica com instrumentos pouco elaborados e produzidos por outros esquemas técnicos que substituem os instrumentos líticos bem elaborados do período anterior. Como matéria prima, além de quartzo equartzito, materiais conchíferos e os ósseos passam a ser utilizados.
Schmitz et al. (1989) e Barbosa (1985), mencionam que nas sequências estratigráficas da fase de Serranópolis do sítio GO-Ja-01, ocorre um aumento nas camadas de cinzas das fogueiras dos abrigos. Os autores interpretaram como indicação de maior tempo de ocupação ou maior número de pessoas. Identificaram também vários sepultamentos, o que não ocorreu na fase anterior.
Schmitz e equipe elaboraram um modelo para os sítios de Serranópolis que foi difundido para todo o Planalto Central Brasileiro, centrado em aspectos bióticos e abióticos que favoreceram a ocupação na região. De acordo com Schmitz (1984, 1987b) e Barbosa (1992), a estabilidade climática com dois ciclos definidos, facilitaria às populações uma economia simples e a adoção de um planejamento homogêneo. Abrigos naturais permitiam a esses grupos humanos se estabelecerem em determinadas épocas do ano. Os autores também ressaltam que a ocorrência de blocos de quartzitos e de seixos de quartzo, sílex e quartzitos propiciaria a matéria prima necessária para a confecção de instrumentos.
A fauna e a flora associadas às fitofisionomias do bioma Cerrado teriam favorecido a adaptação dos grupos de caçadores e coletores do Holoceno Inicial (Barbosa 1992). Além do consumo de plantas, e de animais como anta, veado e porco do mato, dentre outros, teriam adquirido uma importância acentuada na dieta alimentar, podendo ter sido complementada por tatus, tartarugas e roedores, os quais estão resgistrados nos vestígios faunísticos encontrados nos sítios (Barbosa 1992). Kipnis (2002), destaca que o consumo de vegetais, complementado com a caça, era a base alimentar dos grupos humanos que ocuparam o Planalto Central Brasileiro no Holoceno inicial.
Ainda de acordo com os autores mencionados, o Holoceno Médio que se caracteriza por um aumento da umidade no intervalo definido como Ótimo Climático, teria favorecido a disponibilização de pequenos animais e moluscos. Com base em informações atuais esses recursos também poderiam ter sido obtidos na planície aluvial do rio Verde, mesmo sem o Ótimo Climático. Para os autores, esse período também seria marcado pelo processo inicial do cultivo de plantas e a sua inclusão na dieta alimentar.
Os resultados das pesquisas de Schmitz e equipe indicam uma mudança relacionada com a ocupação pré-colonial da área a partir de 6.500 anos A.P.. Schmitz (1999) identifica essa mudança na sequência cultural, em consequência de variáveis ambientais como o aumento da temperatura e da umidade. Para o autor essas variáveis resultaram em abrigos úmidos e quentes, talvez pouco ventilados. Aventa também possíveis impactos humanos nos recursos naturais, especialmente na flora e na fauna nas proximidades dos abrigos. Contudo, essas hipóteses começam a ser questionadas.
As pesquisas de Schmitz e equipe identificaram um hiato ocupacional significativo, destacadamente no GO-Ja-01, conforme mencionada, após o qual foi notadamente ocupada. Na perspectiva dos autores este momento indica que o horizonte cultural da fase Serranópolis concedeu lugar a novas culturas, de grupos ceramistas.
Por volta de 1500 anos A.P. esta mudança está registrada nos sítios de Serranópolis, onde além da cerâmica, destacam-se líticos lascados obtidos por debitagem, a presença dos machados confeccionados por lascamentos bifaciais, além da introdução da técnica de polimento utilizada para a confecção de instrumentos diversos. Wüst e Schmitz (1975) classificaram esses materiais como fase Jataí (Tradição Una), os quais estavam associados às camadas superiores das unidades escavadas dos abrigos e em um intervalo cronológico entre 1.500 e 900 anos A.P.. Schmitz et al. (2015), destacam as descontinuidades entre as camadas relacionadas às ocupações por grupos de tecnologia líticas (fase Serranópolis e Paranaíba) e grupos ceramistas, mecionando um hiato entre os dois tipos de ocupação.
As descontinuidades e o hiato mencionado pelos autores estão relacionados com os objetivos desse novo projeto, que propõe ampliar o número de análises e leituras na área de pesquisa uma vez que novas variáveis foram levantadas e estão sendo discutidas, tanto em escalas locais como regionais.
A retomada das pesquisas entre 2017-2019 e 2020-2022, ampliou significativamente as informações sobre o sítio GO-Ja-02. A área então escavada foi de 16m2, dividida em dois segmentos. O primeiro de 9m2 foi escavado por níveis naturais, atingindo 1,90m de profundidade onde foram estabelecidos seis níveis, 24 decapagens e identificadas 11 camadas estratigráficas, com base na coloração e textura, para as quais foram realizadas 25 análises físico-químicas que evidenciaram textura predominantemente arenosa e variação nos teores de elementos como Ferro, Calcio, Magnésio, Potássio, Fósforo, Sódio, Zinco, Cobre, Enxofre, Carbono e matéria orgânica nos perfis e nas decapagens.
Foram obtidas duas datações radiocarbônicas, uma para a camada 11 de 11.848–11.629 cal B.P. (Beta – 628250) a 1,50m de profundidade e duas para a camada 5 de 4.014–3.840 cal B.P. e 4.085–4.027 cal B.P. (Beta – 628249) a 0,80m de profundidade.
Os demais 5m2 corresponderam à ampliação da área de escavação de 9m2, a qual foi realizada a partir da interpretação da estratigrafia, junto a presença de estruturas de combustão, material malacológico inteiros e bem preservados e cultura material da parede oeste. Nessa ampliação foi identificada uma estrutura de contexto funerário com presença de sepultamentos com remanescentes ósseos humanos, com dez crânios a uma profundidade de 0,63m, exumados ao final no decorrer da etapa de pesquisa.
Na complexa estratigrafia verificada na área de escavação se destaca uma unidade carbonatada, classificada em laboratório como calcário calcítico, cuja origem está sendo investigada. A presença de conchas, inteiras e fragmentadas, em várias camadas estratigráficas, leva a uma primeira hipótese de que se trata de uma ação antrópica, resultante da trituração das conchas. Essa camada está sobre os crânios e ocupa quase toda a área de 16m2.
No projeto desenvolvido no decorrer de 2021/2022 foram resgatados 42.511 vestígios líticos, 32 fragmentos de cerâmica e 12 amostras de carvão para datação e material orgânico (ósseo, malacológico, sementes e fibras) ainda não contabilizado.
Embora nos trabalhos iniciados no sítio na década de 1970 tenha sido realizado um registro fotográfico preliminar das gravuras (Schmitz et al. 1989), neste não constam as pinturas identificadas somente recentemente e a arte rupestre nunca foi objeto de análise minuciosa com identificação da cadeia operatória, identificação de técnicas e de pigmentos no caso das pinturas e classificação dentro de tradições culturais. Aspectos que afetam o registro rupestre como o desenvolvimento de líquem e pátinas e o registro de aspectos físicos do abrigo e de estruturas geológicas que afetam o acervo rupestre e a preservação do abrigo também não foram abordados.
Desta forma, um novo registro com a contextualização das gravuras e pinturas e suas condições atuais, além dos demais aspectos que influenciam na preservação das mesmas, tornam-se fundamentais considerando que este conjunto é o mais visível ao público leigo e consequentemente o que apresenta maior probabilidade de ser afetado tanto por processos naturais como antrópicos.
Além do registro, uma nova escavação, junto à área do substrato rochoso com registro de pinturas e/ou gravuras, localizada e definida a partir de parâmetros que contribuam para a compreensão da arte rupestre e eventualmente sua correlação com os níveis estratigráficos e demais aspectos da cultura material torna-se de fundamental importância para complementar as informações obtidas nas pesquisas anteriores possibilitando assim a construção de um cenário da ocupação do abrigo no decorrer do Holoceno abordando todos os aspectos, da cultura material e simbólica que caracterizam as populações pré-cabralinas.
Desta maneira, é de extrema importância a contribuição das pesquisas desenvolvidas em Serranópolis para a arqueologia brasileira e os resultados obtidos até o momento com a retomada na região acrescentam novas contribuições para a ciência. Com os primeiros resultados novas problemáticas surgiram, e parte delas são objeto essencial do presente projeto de pesquisa e para o entendimento dos grupos humanos que ocuparam o Planalto Central Brasileiro.
Nome | Função no projeto | Função no Grupo | Tipo de Vínculo | Titulação Nível de Curso |
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FERNANDA ELISA COSTA PAULINO E RESENDE
Email: fernandaecosta@gmail.com |
Pesquisador | Pesquisador Externo | [externo] | [doutor] |
JOANNE ESTER RIBEIRO FREITAS
Email: joanneester@hotmail.com |
Pesquisador | Pesquisador Externo | [externo] | [null] |
JORDANA BATISTA BARBOSA
Email: jordana.batista@hotmail.com |
Pesquisador | Pesquisador Externo | [externo] | [mestre] |
JULIO CEZAR RUBIN DE RUBIN
Email: rubin@pucgoias.edu.br |
Pesquisador | Líder | [professor] | [doutor] |
MAIRA BARBERI
Email: barberimaira@gmail.com |
Pesquisador | Líder Adjunto | [professor] | [doutor] |
MATHEUS GODOY PIRES
Email: piresmg@gmail.com |
Pesquisador | Pesquisador | [professor] | [doutor] |
ROSICLÉR THEODORO DA SILVA
Email: silva.rosicler@gmail.com |
Coordenador | Pesquisador | [professor] | [doutor] |