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LEI Nº 14.026, DE 15 DE JULHO DE 2020: OS DESAFIOS PARA A FORMATAÇÃO DAS LICITAÇÕES, CONCESSÃO E REGULAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS NO ÂMBITO DO NOVO MARCO LEGAL DO SANEAMENTO BÁSICO NO ESTADO DE GOIÁS
2023/1 até 2024/2
ESCOLA DE DIREITO, NEGÓCIOS E COMUNICAÇÃO
GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS
DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA
RAFAEL ROCHA DE MACEDO
Objetivo Geral
Tratar dos desafios trazidos pela Lei n. 14.026/2020 para a formatação das licitações, concessão e regulação dos serviços públicos de saneamento com vistas ao alcance das metas de universalização propostas pela norma, bem como a forma de atuação e articulação estatal no Estado de Goiás.
Objetivos Específicos
- Traçar um panorama acerca do papel do Estado e do direito nas políticas públicas, situando-o no contexto do Estado de Goiás e no âmbito do Saneamento Básico;
- Expor um panorama do Novo Marco Legal do Saneamento Básico e desafios regulatórios, evidenciando a atuação da ANA (Agência Nacional de Águas), a autonomia municipal, o orçamento e o controle estatal;
- Tratar da regulação contratual e os desafios das concessões de saneamento básico, abordando ainda a questão da modelagem econômico-financeira em projetos de saneamento básico contemporâneos;
- Tratar da atuação as Agências Reguladoras, notadamente a do Estado de Goiás.
Dada a dificuldade do Estado de exercer diretamente e por completo as medidas prestacionais de saneamento, não obstante o desafio de sua universalização, eleva-se o instituto da regulação da atividade econômica, o qual resulta no exercício de conjugação das potencialidades da iniciativa privada para o alcance de objetivos de interesse coletivo.
Nas atividades econômicas de interesse público sujeitas à regulação, o Estado determina os fins a serem atingidos, ainda que se busque assegurar a autonomia privada necessária para o desenvolvimento dos negócios. Sob tal premissa, atividades outrora desenvolvidas diretamente pelo Estado, são assumidas pela iniciativa privada, sujeita a um controle intenso e contínuo, com a finalidade de conduzir os particulares para a consecução do interesse comum, tudo isso em consonância com as regras do mercado, eis que a regulação não descaracteriza o propósito capitalista de maximização do lucro.
A Lei nº 14.026/2020, em específico, estabelece que a prestação dos serviços públicos de saneamento básico por entidade privada depende da celebração de contrato de concessão, mediante prévia licitação, nos termos do artigo 175 da Constituição Federal, sendo necessária para tal finalidade a comprovação da capacidade econômico-financeira da contratada, por recursos próprios ou por contratação de dívida, com vistas a viabilizar a universalização dos serviços até 31 de dezembro de 2033[1]. Tal regra evidencia um interessante paradoxo: o interesse do investidor privado é orientado pela perspectiva de maximização do retorno dos investimentos, e tenderá a se interessar por projetos de saneamento localizados em regiões de maior concentração demográfica e poder aquisitivo. De outro lado, as metas de universalização dos serviços de saneamento contemplam também as regiões rurais, isoladas e/ou povoadas por pessoas de baixo poder aquisitivo.
O grande desafio que se coloca, objeto da temática proposta pelo presente projeto, diz respeito à formatação das licitações para que sejam pactuados contatos de concessão capazes de viabilizar a universalização almejada em 2033, bem como a atuação regulatória estatal, não somente no que se refere ao seu papel na modelagem da atuação público-privada, mas em seu papel regulador, com recorte específico para o Estado de Goiás.
As preocupações quanto ao formato das licitações evidenciam a função do direito na articulação governamental necessária à concretização de políticas relativas à universalização do saneamento básico, em abordagem que supera a tradicional função normativa, situando-o como ferramenta passível de conferir viabilidade ou de catalisar a ação do Estado para o alcance de objetivos instituídos, em especial por meio da regulação, a qual envolve a articulação governamental necessária na implementação de políticas públicas.
O referido arquétipo está alinhado à previsão da Constituição Federal brasileira que conferiu aos Estados (art. 25, §3º) a possibilidade de criarem regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, com o objetivo de permitir uma maior articulação, organização e planejamento entre municípios e regiões próximas para a gestão e regulação de serviços públicos de forma conjunta, de acordo com seus interesses comuns.
Apesar da previsão constitucional, quando a Lei nº 11.445/97 foi publicada, esta não trouxe contornos específicos de um modelo regionalizado para a prestação dos serviços de saneamento básico, o que foi corrigido, de certa maneira, com a publicação da Lei nº 14.026/20, atualização do marco legal, que tratou de estabelecer critérios relacionados às formas de prestação associada dos serviços de saneamento básico[2].
O novo marco legal do saneamento básico alterou a redação dada originalmente a prestação de serviços regionalizados, de modo a torná-lo um princípio que deve ser perseguido pelos operadores. Nos termos do seu artigo 50, §1º9, reforçou-se a prestação regionalizada dos serviços públicos, de forma a estimular a gestão e prestação dos serviços de maneira regionalizada, incentivando a sua realização pelos municípios de maneira voluntária ante os benefícios que podem advir dessa atuação, uma vez que ao fazê-lo poderá ter ganhos de escala e tornar por vezes municípios deficitários em economicamente sustentáveis ao fazer parte de uma região ou de um bloco de referência.
Adicionalmente, o novo marco legal, além de erigir a prestação regionalizada dos serviços de saneamento como princípio, também previu três modelos de instituição: região metropolitana, que já fora contemplada na Lei 11.445/07, unidades regionais de saneamento básico e bloco de referência. Com efeito, as unidades regionais são criadas pelos Estados, por meio de lei ordinária, com vistas a conferir viabilidade econômico-financeira aos serviços. Por outro lado, os blocos de referência são estabelecidos pela União, por meio de ato declaratório e sua posterior constituição por meio de instituição de instrumento para gestão associada, a saber, consórcio público ou convênio[3].
Diferentemente das regiões metropolitanas existentes, os municípios que integram as unidades regionais de saneamento básico e os blocos de referência não precisam ser necessariamente limítrofes, no entanto, a sua adesão precisa ser voluntária. Assim, de acordo com a Lei Nacional de Saneamento Básico, a prestação regionalizada é possível nas seguintes circunstâncias (artigo 3º, VI): a) Região Metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião: unidade instituída pelos Estados mediante lei complementar, de acordo com o § 3º do art. 25 da Constituição Federal, composta de agrupamento de Municípios limítrofes e instituída nos termos da Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 (Estatuto da Metrópole); b) Unidade Regional de saneamento básico: unidade instituída pelos Estados mediante lei ordinária, constituída pelo agrupamento de Municípios não necessariamente limítrofes, para atender adequadamente às exigências de higiene e saúde pública, ou para dar viabilidade econômica e técnica aos Municípios menos favorecidos; c) Bloco de Referência: agrupamento de Municípios não necessariamente limítrofes, estabelecido pela União nos termos do § 3º do art. 52 desta Lei e formalmente criado por meio de gestão associada voluntária dos titulares.
Um dos objetivos da prestação regionalizada é permitir ao prestador dos serviços de saneamento básico o aproveitamento dos maiores ganhos de escala e, assim, promover a expansão e universalização dos serviços com custos mais módicos, alcançando maior eficiência no desenvolvimento da prestação dos serviços. Quando os serviços são prestados de maneira descentralizada, não só se perdem as possibilidades de aproveitamento das economias de escala, mas também se acrescenta a inequidade, já que os aumentos dos custos enfrentados pelos prestadores descentralizados implicam maiores tarifas que excluem aos mais necessitados do aceso aos serviços.
Resta evidente, portanto, que a concessão bem como a regulação dos serviços de saneamento básico, estão condicionados à realização de análise detalhada e complexa, com o objetivo de estabelecer e determinar um território ótimo para que as características próprias dos diferentes municípios sejam compatíveis com a sustentabilidade econômico-financeira da prestação do serviço.
O Estado de Goiás possui uma população de 7,1 milhões de habitantes, sendo 6,5 milhões residindo na área urbana, distribuídos em 246 municípios. De acordo com SNIS, em 2020, da sua população total, 90,9% da população é atendida com água potável, sendo que 27,7% da água tratada é perdida na distribuição. Com relação ao esgotamento sanitário, 58,5% dos usuários possuem atendimento com rede de esgoto, sendo que do esgoto gerado no Estado, apenas 55,6% recebem o adequado tratamento[4].
No Estado, a responsabilidade pela regulação e fiscalização dos serviços municipais de saneamento básico é da Agência Goiana de Regulação, Controle e Fiscalização de Serviços Públicos (AGR), para aqueles municípios que deleguem essa atividade à Agência estadual. Atualmente, a AGR fiscaliza o sistema de abastecimento de água e esgotamento sanitário nos 224 municípios onde a Companhia Saneamento de Goiás S/A - SANEAGO atua.
Adicionalmente, a Lei Estadual nº 14.939, de 15 de setembro de 2004, que instituiu o marco regulatório da prestação dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário no Estado, também criou o Conselho Estadual de Saneamento – CESAM. O mencionado marco regulatório tem por objetivo geral “assegurar os benefícios da salubridade ambiental à totalidade da população do Estado de Goiás, mediante promoção e execução de ações articuladas do Estado e dos Municípios e interação dos usuários e dos prestadores dos serviços na defesa da saúde pública (art. 2º).
A pesquisa proposta, é oportuna e relevante. Oportuna diante da recente atualização do Marco Legal do Saneamento Básico, cuja implantação e regulação demanda o necessário e permanente diálogo entre o Estado, por meio de seus entes federativos e a iniciativa privada. Por certo, a academia, notadamente a PUC-GOIÁS não pode se furtar de participar de tal diálogo, cuja participação está alinhada com seus objetivos institucionais. A relevância da pesquisa, por sua vez, está relacionada à própria relevância do tema: fornecimento de água, um direito humano fundamental, cuja complexidade dos tempos atuais, demanda a formação de pesquisadores e operadores especializados.
[1] “Art. 10-B. Os contratos em vigor, incluídos aditivos e renovações, autorizados nos termos desta Lei, bem como aqueles provenientes de licitação para prestação ou concessão dos serviços públicos de saneamento básico, estarão condicionados à comprovação da capacidade econômico-financeira da contratada, por recursos próprios ou por contratação de dívida, com vistas a viabilizar a universalização dos serviços na área licitada até 31 de dezembro de 2033, nos termos do § 2º do art. 11-B desta Lei.” Cf. Lei nº 14.026/2020, op. cit.
[2] DAL POZZO, Augusto Neves; FACCHINATTO, Renan Marcondes. A prestação regionalizada no novo marco regulatório do saneamento básico. In CUNHA FILHO, Alexandre Jorge Carneiro; ARRUDA, Carmen Silva Lima de; LIMA, Guilherme Corona Rodrigues; BERTOCCELLI, Rodrigo de Pinho (coord.). Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico no Brasil, Vol. 1. São Paulo: Quartier Latin, 2021, p. 354.
[3] DAL POZZO, Augusto Neves; FACCHINATTO, Renan Marcondes. A prestação regionalizada no novo marco regulatório do saneamento básico. In CUNHA FILHO, Alexandre Jorge Carneiro; ARRUDA, Carmen Silva Lima de; LIMA, Guilherme Corona Rodrigues; BERTOCCELLI, Rodrigo de Pinho (coord.). Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico no Brasil, Vol. 1. São Paulo: Quartier Latin, 2021, p. 359.
[4] http://www.snis.gov.br/painel-informacoes-saneamento-brasil/web/painel-setor-saneamento Acesso em 01/12/22
Nome | Função no projeto | Função no Grupo | Tipo de Vínculo | Titulação Nível de Curso |
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RAFAEL ROCHA DE MACEDO
Email: rafmacedo@hotmail.com |
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