De acordo com a WHO, anualmente cerca de 700 mil indivíduos tiram a própria vida e há um número ainda maior de tentativas de suicídio. Uma das possíveis causas para a ideação e a realização de suicídios se deve a uma profunda falta de sentido à vida. Por outro lado, atualmente há uma gama imensa de formas de espiritualidade disponíveis nas sociedades. O conjunto dessas informações nos levou a indagar se: as pessoas que estão com ideação suicida apresentam alguma forma de espiritualidade? a espiritualidade pode influenciar, nos momentos de conflito, a opção pela vida? é possível ativar a espiritualidade em pessoas com ideação suicida? se sim, a espiritualidade contribui para o enfrentamento do pensamento suicida? Este projeto de investigação-ação se propõe buscar respostas a essas questões e contribuir para a redução do número de suicídios, de três formas: pesquisa bibliográfica, em artigos de periódicos qualificados, sobre fatores de risco, técnicas e consequências de tentativas de suicídio; dados empíricos sobre a espiritualidade presente em pessoas com ideação suicida, técnicas de suicídio e dados sobre a presença da espiritualidade na formação dos profissionais da saúde, a partir de três teses de doutorado em construção, por membros da equipe desta investigação; produção de materiais didáticos, planejamento e realização de ações de formação junto a profissionais da saúde (médicos e técnicos de enfermagem) e agentes religiosos (espíritas, evangélicos e católicos) visando potencializar os recursos terapêuticos fornecidos pela espiritualidade e, assim, reduzir o índice de suicídios no Brasil e em outras partes do mundo. Entende-se que a espiritualidade pode fortalecer a capacidade do ser humano de se auto transcender, de enfrentar o sofrimento e a dor e encontrar sentidos para continuar viva. Sendo assim, agentes da saúde e do âmbito religioso podem contribuir para o cultivo e o fortalecimento da espiritualidade e com a redução do suicídio.

Geral: Avaliar a pertinência do uso de recursos espirituais na atenção ao sofrimento provocado por ideação/tentativa/evento suicida e contribuir para a redução dos suicídios através da produção e divulgação de conhecimentos para identificação da ideação suicida, estratégias de prevenção, intervenções e encaminhamentos, estabelecendo uma rede de apoio e prevenção ao suicídio com tentantes, sobreviventes, enlutados, profissionais da saúde e instituições religiosas. 

Específicos: 

Capacitar as comunidades espíritas, evangélicas e católicas para interagir com pessoas que exercem funções de destaque nas comunidades, para discutirem o problema do suicídio, em suas causas, formas de prevenção e atuação terapêutica; 

Capacitar profissionais da saúde para o atendimento às pessoas com comportamento suicida; mapear a inclusão do tema no currículo formal das escolas médicas no Brasil; elaborar e testar uma proposta metodológica de discussão do tema, envolvendo estudantes da área de saúde.

A relevância do tema inicia-se pelo enfrentamento dele mesmo e pelos espaços em que se dará a investigação – ação. Isto porque, nos meios religiosos (espíritas, evangélicos e católicos) por exemplo, o suicídio é tratado com muita restrição. Por causa da teologia e crenças que cercam o tema, há uma recusa de abordar abertamente essa questão.  A maioria prefere negar a existência ou a possibilidade de tal fatalidade acontecer no seio de suas instituições. Apesar da dificuldade de abordar o assunto, a realidade bate à porta através da presença do suicídio de pastores, padres e membros de suas Igrejas. O enfrentamento desse tema nesses meios se torna extremamente relevante.

No caso das profissões relacionadas à atenção à saúde, estas são impactadas duplamente pelos comportamentos suicidas. Em primeiro lugar, a ideação e a tentativa de suicídio geram demandas de atenção técnica por parte desses profissionais. São eles que recebem a maioria dos casos de tentativa de autoextermínio (PENSO; DE SENA, 2020). Possibilitar a oferta de serviços qualificados de atenção à saúde física e psíquica das vítimas de comportamentos suicidas exige competências técnicas e emocionais específicas e de alto nível de complexidade (SANTOS; KIND, 2019), e evidenciam limites do modelo dominante, focado na perspectiva biologicista e hospitalocêntrica. Esta investigação – ação adquire relevância ao se propor contribuir com a superação desses limites.

Em segundo lugar, o comportamento suicida impacta os profissionais de saúde enquanto eles mesmos, de alguma forma, se tornaram um grupo de risco. Pesquisas recentes evidenciaram um aumento dos registros de eventos de autoextermínio entre profissionais de saúde, especialmente profissionais médicos. As taxas de suicídio nessa população são maiores do que na população em geral (SOUSA et al., 2021), entre eles especialmente os estudantes de medicina (CUNHA TRINDADE JÚNIOR et. al, 2021). Por serem adolescentes-jovens já estão numa fase da vida mais vulnerável ao problema (CICOGNA; HILLESHEIM; HALLAL, 2019). As expectativas familiares (MOTTA; SOARES; BELMONTE, 2020) e sociais, a pressão do ambiente acadêmico (CAZOLARI et al., 2020) interferem e agravam o quadro de suscetibilidade (DE OLIVEIRA FARIA et al., 2014).

Nos currículos acadêmicos, o tema é abordado de maneira insuficiente (NUNES et al., 2011) e os próprios estudantes relatam a necessidade de uma maior problematização ao longo da formação (SOEIRO et al., 2021). Há, no entanto, um movimento de inclusão do tema da espiritualidade nos projetos pedagógicos e nos currículos dos cursos de graduação, responsáveis pela formação dos profissionais da área, em vários países (SCHONFELD; SCHMID; BOUCHER-PAYNE, 2016). A problematização do tema pode ser uma estratégia eficaz para o desenvolvimento de competência e habilidades específicas nos futuros profissionais.

Entre os diversos espaços que pretendemos atuar, destacam-se as comunidades religiosas: espíritas (em seus centros de atendimento), evangélicas (pastores e agentes de pastorais), católicas (padres e agentes de pastorais); profissionais da saúde (médicos e técnicos de enfermagem), que poderão receber formação de conteúdos e técnica, a partir de nossa equipe, e se tornar multiplicadores dessas reflexões / ações. O potencial de inovação neste caso, está em munir esses agentes com instrumental de reflexão, técnicas e materiais didáticos sobre o enfrentamento da ideação suicida, para que possam atuar com a capacitação necessária à complexidade do tema.

Tendo por base a consciência de que o ser humano se relaciona e opera sentido em outros universos (o outro, a comunidade, o reino animal, vegetal, mineral, o cosmos...), buscar-se-á a construção de uma visão integradora do ser humano, como preconiza as proposições da medicina e terapias integrativas (CHIORO DOS REIS, 2016). Essa consideração se faz necessária, uma vez que a modernidade, com a revolução industrial, acarretou a noção reducionista do homem, que se assemelhou à máquina e se afastou de si mesmo e de suas realidades circundantes. Isso adoeceu o homem e pode levar à perda do sentido. Essa noção tecnicista também afetou e formou profissionais de saúde, cuidadores, famílias, agentes de pastoral, formados por uma cultura de rendimento, excesso de trabalho e consequente aumento das patologias. Como afirma Corbì, as fontes e as formas de sentido mudaram na atualidade, na Sociedade de Conhecimento. Por esse motivo, é necessário refazer o respeito e a veneração por tudo, para impedir que toda a realidade seja vista como conjunto de recursos a explorar (CORBÌ, 2021, p. 256). 

Seguindo as trilhas de Corbì, entendemos que inovação, em nosso contexto atual, trata de se priorizar a construção e o cultivo da Qualidade Humana Profunda (CORBÌ, 2015, p. 45). O cultivo da espiritualidade pode contribuir significativamente para que as pessoas que estão com ideação suicida e aquelas que estão de luto devido a suicídio de um ente querido possam reencontrar uma fonte de sentidos e razões para se manterem vivas e com qualidade de vida. A inovação, nesta perspectiva, consiste na tomada de consciência da noção integradora do ser humano ao cosmo. Profissionais e cuidadores que lidam com pessoas com ideação suicida, se alicerçados em estratégias eficazes dessa dimensão integradora, podem auxiliar as pessoas a se reconectarem ao seu sentido de vida e desenvolverem uma espiritualidade mais humanizante e comprometida com a comunidade.