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EDUCAÇÃO, MIGRAÇÃO E DIREITOS HUMANOS: ANÁLISE DOS DOCUMENTOS ORIENTADORES DAS POLÍTICAS INTERNACIONAIS E NACIONAIS PARA MIGRANTES INTERNACIONAIS
2022/1 até 2025/2
ESCOLA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E HUMANIDADES
JUVENTUDE E EDUCAÇÃO
Educação, Sociedade e Cultura
CLAUDIA VALENTE CAVALCANTE
Objetivo geral:
Identificar e analisar as concepções de educação, sujeito, cultura, diversidade cultural, língua e escola presentes ( ou não) nas leis, acordos e convenções nacionais e internacionais para o acesso e a garantia dos direitos educacionais de migrantes internacionais nas escolas públicas brasileiras.
Objetivos específicos:
Migração e o Direito à Educação
Migração é uma prática social de vários povos. Os motivos pelos quais a população se desloca varia conforme as necessidades do tempo histórico, do grupo social e das condições climáticas e econômicas. Muitos dos deslocamentos, entendidos aqui como fluxos migratórios, têm suas origens a partir de motivações extremamente diversas que podem ser voluntárias ou forçadas. São motivos, circunstâncias que forçam as populações migrantes a se deslocarem em busca de dignidade humana, de condições materiais de sobrevivência, de expressão da sua religiosidade, de posições políticas, entre tantos outros motivos. Nessa relação entre país receptor de imigrantes e país de emigrantes, o Brasil constitui-se como um país que de imigrações que, a cada época, objetivos distintos justificavam a entrada de estrangeiros em terras brasileiras.
Tratar de um tema como este é tecer uma radiografia do movimento da humanidade e de sua historicidade de deslocamentos como práticas sociais de determinados povos em determinados contextos socioculturais e históricos, mas sobretudo, como os Estados têm se posicionado frente aos deslocamentos e como produzem seus marcos regulatórios para a recepção e acolhimento desses migrantes internacionais e como as políticas são desenhadas para atender as necessidades pertinentes e peculiares desta população. Importante nesta análise é perceber as concepções de educação, sujeito, língua, cultura e diversidade cultural são veiculadas nesses documentos que têm como objetivo orientar construir representações acerca dos direitos aos quais devem ser assegurados e os sujeitos beneficiários dessas políticas.
Historicamente, o Brasil, com a invasão portuguesa no século XV, mais precisamente no período colonial brasileiro ( séculos XVI ao XIX), as migrações compulsórias de povos africanos escravizados e indígenas tornaram-se uma prática para atender aos interesses econômicos da época. Após a abolição da escravatura no país (1888), novos fluxos imigratórios foram incentivados de modo que suprimisse a mão de obra escravizada, que fora liberta e, ao mesmo tempo, tinha o intuito de branquear a população brasileira. Mas foi somente na década de 1920 é que a legitimação da imigração em território nacional é reconhecida e implementada por meio de políticas reguladoras. (VÉRAN; NOAL; FAINSTAT, 2014). Na década de 1930 e as posteriores, intensifica-se a imigração europeia bem como a japonesa. Por conta da crise dos anos de 1980 e 1990 e supostamente a redemocratização do país, após 20 anos de ditatura militar, 1990, há um movimento contrário com a emigração de brasileiros ao exterior, sobretudo, para a Europa, Estados Unidos e Japão.
Mais recentemente, nos anos 2010, com a crise humanitária no Haiti e em 2017 na Venezuela, o Brasil passa a ser destino de imigrantes deslocados dos seus países por razoes e motivações distintas. Neste período, o Brasil recebeu 268,5 mil (IBGE, 2011) imigrantes internacionais e , dentre os diversos sujeitos deslocados, ressalta-se a entrada de imigrantes haitianos em terras brasileiras, o que reconfigurou os marcos regulatórios e as políticas imigratórias no Brasil uma vez que se evidenciou as falhas políticas em relação à imigração em razão de uma legislação defasada ( Estatuto do Estrangeiro de 1980) que não contemplava os novos fluxos migratórios e suas demandas na contemporaneidade (RODRIGUES; MARCHESE, 2016).
Apesar da Resolução Normativa Nº 97 de 2012 permitisse a concessão de visto humanitários aos imigrantes haitianos com duração de cinco anos, havia cotas para a emissão de visto, o que restringia um maior quantitativo de pessoas solicitarem seus vistos em Porto Príncipe. No entanto, essa restrição é revogada e cinco anos mais tarde é aprovada a Lei de Migração, Lei Nº 13.445 em 24 de maio de 2017, que substitui o Estatuto do Estrangeiro de 1980, elaborado durante o Regime Militar. Baseada em princípios dos Direitos Humanos, a Lei de Imigração (2017), difere-se sobremaneira da anterior, e prevê-se na Lei direitos e acessos a “serviços, programas e benefícios sociais, bens públicos, educação, assistência jurídica integral pública, trabalho, moradia, serviço bancário e seguridade social” (BRASIL, 2017).
O Brasil, sendo signatário de todas as convenções da Organização das Nações Unidas (ONU), sobretudo, dos Direitos Humanos, segue as orientações prescritas no ordenamento jurídico internacional de proteção aos refugiados e aos imigrantes internacionais e estas devem ser contempladas nas legislações nacionais.
Abre-se um parêntese nessa discussão para tratar de um dos objetivos da criação da Organização das Nações Unidas, a ONU. Ela foi criada o período pós II Guerra Mundial, nasce com o ideal de solucionar problemas relacionados a milhares de pessoas sem lar, sem países, sem nacionalidade, refugiados e apátridas espalhados por toda a Europa. Assim como, tinha o propósito de assegurar paz e segurança internacional bem como promover a cooperação internacional para o desenvolvimento socioeconômico e respeito aos direitos humanos. Os grandes acontecimentos mundiais do século XX provocam reflexões acerca da condição dos deslocados forçados e a perda da dignidade humana, é que são criados diversos instrumentos legais internacionais de proteção a esses deslocados.
Apesar de todo o instituído a partir de um dispositivo legal internacional e ratificado pelos Estados-nações e partícipes da ONU, há um rótulo velho com uma nova roupagem que são os fluxos migratórios na contemporaneidade. Há uma necessidade de revisitação desses aparatos legais e também da regionalização das normativas para atender as especificidades de cada país e no nosso caso de cada estado brasileiro, pois estes fluxos divergem em maior ou menos grau. Ao mesmo tempo, existe um contexto e uma conjuntura política internacional do capital que desenha essas novos fluxos migratórios de determinados países que reconfiguram os espaços sociais, espaços urbanos, as fronteiras, as escolas e as relações sociais e as políticas migratórias.
Nesse sentido, o Direito à Educação, garantindo a todos residentes em território brasileiro, independente de sua nacionalidade, é garantida na legislação brasileira. No entanto, poucas são as leis que contemplem as necessidades do migrante internacional (refugiados, portadores de visto humanitário, apátridas), com exceção da Resolução nº 1 de novembro de 2020, do Conselho Nacional de Educação, que trata exclusivamente dos direitos de acesso e permanência de migrantes internacionais em escolas públicas brasileiras.
Mas anterior a esta Resolução, há um conjunto de normativas internacionais com medidas protetivas e de direito à educação para crianças, adolescentes e jovens, previstas na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); Declaração Universal dos Direitos da Criança, na Constituição Federal do Brasil , no Estatuto da Criança e do Adolescente, nos Conselhos Nacionais, Estaduais e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9394/1996) e no Plano Nacional de Educação (2014-2024). Ressalta-se que os migrantes internacionais têm os mesmos direitos garantidos que os nacionais. Entretanto, a garantia desses direitos depende da regularização da permanência dos imigrantes em território brasileiro.
È a partir desses documentos internacionais e nacionais que se pretende apreender as concepções de educação, sujeito, cultura, diversidade cultural, língua e escola presentes nas leis, acordos e convenções nacionais e internacionais para o acesso e a garantia dos direitos educacionais de migrantes internacionais nas escolas públicas brasileiras por meio da Análise do Discurso Francesa.
Análise do Discurso Francesa
Fundada por Michel Pêcheux, nos anos de 1960, a Escola Francesa de Análise do Discurso (ADF), concebe a linguagem materializada na ideologia e que esta ideologia se manifesta na linguagem por meio do discurso, sendo este um lugar onde ocorrem as relações entre linguagem e ideologia. Conforme Orlandi (2005), citado por Souza (2021), é por meio da análise do comportamento e do funcionamento do discurso que se explicam e explicitam os mecanismos históricos que interferem nos processos de significação.
Conforme Souza (2021, p. 162)
Segundo o autor ( Pêcheux), objetos ideológicos, como trabalho, natureza, razão e outros, não podem ser limitados a objetos lógicos ou formais, à medida que estes são construídos a partir das relações entre forças historicamente em movimento, surpreendentes e inquietantes por causa das contradições que apresentam. Para além de uma época de tentativas, o autor consolida sua teorização a respeito da Análise do Discurso, através de um trabalho que reflete a potência do pensamento renovador e inovador do trabalho de análise, leitura e interpretação do discurso, materializando um modo de refletir sobre a linguagem, e o discurso, que entrelaça em um único nó os fios históricos, políticos e psicanalíticos.
Para a ADF, a história é elemento importante nas análises mas assume um caráter não de um discurso com a sua exterioridade, mas se manifesta no texto, impondo-se a compreensão das condições de produção do discurso ( quem, como, quando e para quem se produziu). Esta teoria entende que as palavras não têm sentido único, são vazias, mas que, por meio da historicidade, um sentido se constitui em um determinado momento a partir de uma demanda sócio-comunicacional. Desse modo, “a enunciação de uma mesma materialidade linguística, em diferentes condições, pode gerar vários efeitos de sentidos [...] a língua é incompleta, heterogênea, afetada pela história, favorável aos deslizes, aos diversos sentidos, a polissemia, à ambiguidade” (FRANÇA, 2021, p.367).
Ressalta-se que a construção teórica de Pêcheux fundamenta-se nos seguintes conceitos: discurso, sujeito, interdiscurso e formação discursiva. O discurso sendo ele objeto de estudo, é preciso saber interpretar a posição de onde se constitui o sujeito e considerar as demais condições de produção de sentido. O sujeito é histórico e marcado por ideologias. A ADF “estuda as formações discursivas, que se defino como aquilo que pode ser dito por um sujeito em posição dicursiva num momento dado e numa conjuntura dada” ( PECHEUX, 1975 apud FRANÇA, 2021, p.369).
O interdiscurso também é um conceito importante nesta teoria. O autor diz que o discurso se constitui a partir de um discurso anterior e que a objetividade material reside no falto de que isto fala em outro lugar e independentemente. França (2021) diz que o interdiscurso é “ o espaço discursivo e ideológico em que se desenvolvem formações discursivas. É o interdiscurso que forma o discurso do sujeito, a marca que o caracteriza como sujeito, desta forma, o discurso só pode ser compreendido na sua ligação com o interdiscurso” ( FRANÇA, 2021, p. 370).
Nesse sentido, analisar os documentos a partir da Análise do Discurso Francesa possibilita apreender elementos da Linguística, da História, do Sujeito e entender como as relações de poder, materializadas no texto e nas concepções dos conceitos de educação, sujeito, cultura, diversidade cultural, língua e escola aparecem de forma a desvelar as finalidades expressas de forma explícita ou implícita.
Nome | Função no projeto | Função no Grupo | Tipo de Vínculo | Titulação Nível de Curso |
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ANTONIA DE PAULA RIBEIRO
Email: antoniapucgo@gmail.com |
Pesquisador | Estudante | [aluno] | [null] |
CLAUDIA VALENTE CAVALCANTE
Email: clavalente@pucgoias.edu.br |
Coordenador | Líder Adjunto | [professor] | [doutor] |