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COMUNIDADE QUILOMBOLA DO DEGREDO-ES: DO RECONHECIMENTO AO DESASTRE DA VALE DO RIO DOCE
2021/1 até 2023/2
ESCOLA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E HUMANIDADES
MEMÓRIA SOCIAL E SUBJETIVIDADE
Diversidade Cultural, Reconhecimento e subjetividade
THAIS ALVES MARINHO
- Objetivo Geral
Acompanhar e compreender o modo de vida, as singularidades, a realidade, as experiências culturais do grupo em sua complexa rede de interações, trocas e conflitos para a produção de uma etnografia, que subsidiará a elaboração dos Livros de referências culturais e da medicina tradicional do Degredo, bem como do documentário, site e outros materiais de valorização e fortalecimento cultural deste grupo.
- Objetivos Específicos:
É importante destacar as perspectivas teóricas que orientam as metodologias e darão norte a esta proposta. Em primeiro plano, o reconhecimento de que o pertencimento à Comunidade de Degredo se dá pela luta histórica contra a opressão e o racismo na manutenção de um modo de ser que é próprio à comunidade, pelos fortes laços de consanguinidade, de parentesco e de afinidades que expressam o (auto)reconhecimento de cada habitante do Degredo como remanescente quilombola. Conforme Malcher (2009), apesar de ser o termo usado no texto constitucional que reconhece as especificidades desses grupos, “remanescente”, nos remete a “aquilo que sobrou”, não caracteriza adequadamente estas comunidades, visto que representam justamente o inverso, “aquilo que frui”, que gerou uma continuidade e se mantém preservado, apesar dos incentivos institucionais e estruturais de opressão contra a população afrodescendente desde a colonização das Américas.
Esse movimento de fruição, no entanto, não é possível sem as relações estabelecidas com o território, seja a partir das relações produtivas, quanto existenciais. Logo, o território para essas comunidades se estabelece como uma âncora identitária, muitas vezes vista e tratada como uma extensão do grupo familiar e religioso que nele habitam. Assim, “como prática social o território é um campo que se constitui em simultaneidade à identidade coletiva dos moradores, que se expressam por meio de sua cultura e das possibilidades de sua condição socioeconômica” (MARINHO, 2019a, p. 25). O território para os quilombolas “se torna produto de práticas sociais e políticas e é constituído por um conjunto de regras e códigos, normas e disposições instituídas pelo sistema de representação vigente no grupo, que dinamiza e fornece um status específico para a população que o habita” (MARINHO, 2019a, p.26).
Neste sentido, vale destacar Herknhoff e Prates (2019, p. 163) ao afirmarem que para os moradores do Degredo “...a ideia de ‘ser quilombola’ reforça-se na narrativa local, a partir de 2015, quando a comunidade dá início ao seu processo de auto reconhecimento enquanto remanescentes de quilombo”, e que mobilizou o grupo de Degredo na recuperação dos aspectos socioculturais desencadeados pelo desastre.
Para Malcher (2009, p. 410)
Os territórios de quilombo, para além de seus aspectos físicos, vão ganhando assim novos contornos, sendo constituídos através de uma rede de relações sociais complexas, sempre sendo uma criação dos sujeitos históricos que através deles buscam se afirmar. Não existe território sem sociedade ou sociedade sem território. Um dos aspectos mais importantes dessas territorialidades quilombolas refere-se às formas de uso comum dos recursos naturais, que pressupõem cooperação simples no processo produtivo da vida cotidiana e íntimos vínculos de parentesco e aliança. Esse regime de uso comum tem sido fundamental na consolidação dos territórios étnicos quilombolas (MALCHER, 2009, p. p. 410).
Assim, vemos que a territorialidade está ligada à coletividade, no entanto, há variáveis exógenas à comunidade que interferem nessa relação com o território, como as articulações institucionais e discursos elaborados de vários setores, desde a academia, a empresários e políticos. A própria integridade do território depende em grande medida das ações desses setores. Segundo Marinho (2019a).
O governo e seus órgãos exercem um papel fundamental não só de árbitro como também de mediador de políticas, não só para a demarcação de terras, mas também para o reconhecimento étnico, para a valorização étnica e cultural, para a conscientização do valor da terra, da cultura, da identidade quilombola, e ainda políticas de educação, de saúde e de integração, fatores que possibilitam maior coesão do grupo enquanto comunidade (MARINHO, 2019a, p. 27)
No caso da CRQ de Degredo, o território foi altamente impactado pelo rompimento de barragens na região, as situações enfrentadas com a contaminação da água e do solo, promoveram impedimentos em relação às principais atividades econômicas do grupo, que colocou em risco também a continuidade das tradições culturais, já que as celebrações requerem investimentos econômicos também. Assim, apesar das ressalvas de Gonçalves (1996) sobre a noção de perda cultural, nesse caso é salutar percebermos que houve um processo inexorável de destruição dos recursos que possibilitavam a continuidade das tradições culturais. A própria comunidade diante desse cenário, tanto dos impactos ambientais, quanto do reconhecimento do status de quilombolas, passa a promover processos inversos de permanência e recriação de suas particularidades e tradições, a partir de uma reorganização política, social, cultural e econômica. Este processo envolve as novas significações identitárias e políticas, as ações de lideranças jovens e da iniciativa de dar continuidade às lutas dos mais velhos e sábios, por espaços de diálogo, dentro e fora da comunidade permitindo maior articulação política e ampliação das lutas pela garantia de direitos.
O rompimento da barragem de Fundão comprometeu a realização da pesca, principal atividade produtiva exercida na comunidade, mas isso não afetou somente a economia da comunidade, teve impacto na territorialidade, visto que modificou a relação deles com o espaço e com as práticas culturais imbricadas da relação homem e natureza. Cabe destacar, ainda, que essa situação incide também sobre a “culturalidade” do grupo, considerando seus desdobramentos nos modos de vida vinculados ao seu território, que comprometem sobremaneira na reprodução de saberes e fazeres tradicionais do Degredo.
Segundo o PBAQ (Herkenhoff & Prates, p.23),
[as] expressões culturais, os festejos tradicionais, como o baile de forró, o Congo e a Folia de Reis, não são mais realizados ou acontecem com pouca participação dos membros do Degredo, sendo a falta de recursos financeiros e o baixo entusiasmo os principais motivos para sua interrupção. [além de outras manifestações culturais que também se encontram] enfraquecidas, como consequência direta ou indireta da “chegada da lama”. As percepções comunitárias acerca de impactos sobre a qualidade da água, por exemplo, têm impedido ou dificultado a realização de práticas culturais ligadas à religiosidade, especialmente aquelas cujo consumo do peixe constituía a base de sua prática.
Considerando que para cumprimento dos objetivos é necessária a imersão na comunidade, a Pesquisa Etnográfica é essencial, visto que esta possibilita “o emparelhamento da análise objetiva com o vivido” (MERLEAU-PONTY, 1984) pelos pesquisadores dentro da comunidade. Esse método requer a vivência do cotidiano local e a observação participativa nas práticas sociais da comunidade, lançando um olhar “de perto” e “de dentro”, mas a partir dos arranjos dos próprios atores sociais.
O processo de trabalho da equipe de pesquisa é de imersão na vida do grupo social do Degredo, observando e participando da movimentação social da população, por se tratar de uma etnografia, a proposta é que os pesquisadores entrem em contato com o universo dos moradores de Degredo, compartilhando seu horizonte, numa relação de troca, em que os significados dos nativos são comparados com o universo cultural dos próprios pesquisadores, a fim de produzir um modelo novo de entendimento sobre o grupo.
Esse conhecimento só se produz com a presença continuada e planejada (prática etnográfica), em campo e uma atitude de atenção viva, mesmo que o contato seja descontínuo e haja elementos imprevisíveis condizentes com a experiência etnográfica.
Nesse contexto, o reconhecimento do valor sociológico dos saberes das pessoas deve ser destacado e evidenciado, e a documentação dos referenciais culturais deve evidenciar os aspectos que a comunidade identifica e aponta como elementos fundamentais para a constituição de sua memória e identidade.
Considerando que o grande arcabouço cultural do Degredo é transmitido pela oralidade, as narrativas biográficas, as histórias orais serão centrais na composição dos conteúdos, para Documentação das Referências Culturais.
Em relação ao desenvolvimento das pesquisas, a equipe contará com várias estratégias para coleta de dados, como rodadas de conversas, observação, entrevistas e diários de campo que contribuirão para a produção da etnografia. No que se refere à participação da comunidade neste processo, serão importantes os guias locais, as lideranças, as organizações, associações e os arranjos familiares, bem como a interação direta com os moradores de Degredo, levando-se em consideração a importância dos diálogos com pessoas que representem as diversas faixas etárias, gênero, ocupações, papéis sociais desempenhados na comunidade, entre outros aspectos, que irão se definindo ao longo da própria pesquisa etnográfica.
As ações relacionadas a esta atividade serão contínuas e por período mínimo de 12 meses, com rotina de visitas às pessoas e entidades na identificação dos saberes e fazeres repetidos de forma oral para as gerações mais jovens e que precisam ser documentados, referendados e georreferenciados.
A equipe vai pactuar com a comunidade cronograma de pesquisa, períodos mensais de permanência no território do Degredo, para observação, interação e participação da vida da comunidade, especialmente os eventos culturais mais simbólicos para a comunidade, como os festejos e celebrações religiosas, que são anuais.
O diário de campo é ferramenta de grande relevância na pesquisa etnográfica pois reunirá os dados do cenário onde acontece a atividade ou ação, contextualizando o espaço, os personagens envolvidos, a descrição das atividades, a partir dos dados coletados e análise preliminar dos resultados alcançados ou não. Deste modo, todo o trabalho será registrado pela equipe, com produção textual dos técnicos e dos habitantes do Degredo, com fotografias e imagens das interações com a comunidade, relatos e entrevistas com os informantes, sempre destacando e privilegiando a participação autoral e o protagonismo dos membros da comunidade. No entanto, cabe aos pesquisadores apreenderem os elementos mínimos estruturantes que tornam a experiência étnica reconhecível em outros contextos, por meio da construção de categorias. Isso porque ações corriqueiras que fazem parte da vida cotidiana dos moradores, podem se tornar chaves de interpretação e inteligibilidade para os pesquisadores.
Nome | Função no projeto | Função no Grupo | Tipo de Vínculo | Titulação Nível de Curso |
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FELIPE SILVA DE FREITAS
Email: felipesilvadefreitas@hotmail.com |
Pesquisador | Estudante | [] | [] |
THAIS ALVES MARINHO
Email: thais_marinho@hotmail.com |
Coordenador | Líder | [professor] | [doutor] |