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ESTAR NO MUNDO COMO TRABALHADOR/A, MULHER, PROFESSORA: CONFIGURAÇÃO HISTÓRICA E REALIZAÇÃO NAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS, E NOS CURSOS DE LICENCIATURA NA PUC GOIÁS, EM TEMPOS DE PRODUÇÃO FLEXÍVEL
2017/1 até 2022/2
ESCOLA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E HUMANIDADES
POLÍTICAS EDUCACIONAIS E GESTÃO ESCOLAR
Estado, Políticas e Instituições Educacionais
LUCIA HELENA RINCON AFONSO
Buscar compreender a história de vida das mulheres, as barreiras e desafios existentes para seu empoderamento no espaço público e no mundo do trabalho, particularmente na profissão de professores/as, identificando e interpretando como se apresenta a reconfiguração do sujeito/indivíduo/subjetividade nas relações sociais e na formação profissional, diante das particularidades da divisão social e sexual do trabalho existentes particularmente nos séculos XX e XXI, na lógica do livre mercado da produção flexível.
Específicos
Este é mais um projeto fruto de uma história concretizada em pesquisas que realizamos ao longo dos últimos anos na UCG/PUC e que materializou-se na pesquisa O /a Profissional Docente Formado /a pela UCG Frente às Demandas da Produção Flexível: Universo Simbólico e Práxis Pedagógica, bem como nesta que se encerra neste semestre, Observatório Século XXI – Professor@s formad@s na PUC Goiás em tempos de produção flexível e sociedade midiática: Configurações de Gênero e Representações profissionais.
Continuamos conscientes de que o problema então colocado, de investigar junto aos licenciandos dos cursos de Pedagogia e de História como representam, em sua práxis, a relação entre a formação recebida e sua prática de sala de aula exercida na lógica do livre mercado da produção flexível, apenas foi arranhado, e que neste último período nos aprofundamos na discussão das configurações profissionais no mundo do trabalho.
Orientou-nos, e continua nos orientando, o entendimento de que a formação de educadores/as para a efetivação de uma escola de qualidade, deve ser abordada na perspectiva de uma educação como direito social, orientada por um currículo que promova o respeito à diversidade e a busca de diálogos com as diferenças raciais, culturais, étnicas, de gêneros e outros.
É dentro da realidade vivida pelo conjunto dos/as trabalhadores/as a partir da década de 1970, com a introdução da produção flexível, que vêm sendo formadas pessoas e profissionais de todas as profissões, e os/as da Educação nos cursos superiores de licenciatura. A perspectiva preponderante é formar sujeitos/indivíduos/subjetividades, que atendam à conformação da produção material na lógica do livre mercado, contando com a participação cada vez mais interveniente dos meios de comunicação.
De nossas últimas pesquisas, consideramos importante registrar duas características que nos chamaram a atenção indicando algumas referencias para os estudos sobre a flexibilização no mundo do trabalho, que são o fato de que 47,83% dos/as pesquisados/as se sentem tranquilos quando mudam de trabalho e 8,7% dizem até sentir-se felizes quando isto acontece, e apenas 26,09% se dizem apreensivos. Estes dados parecem atestar questões que levantamos anteriormente de que as mudanças atuais vivenciadas na organização da produção passaram a execrar o planejamento de longo prazo, a carreira tradicional, as qualificações predeterminadas, os postos de trabalho, o ponderável, a repetição e a rotina e que “A ordem do dia passou a ser a redefinição constante, com a adoção da produção flexível e das políticas neoliberais”.
Devido à suas trajetórias determinadas estrutural e culturalmente, perguntamos como as mulheres construíram sua trajetória neste processo, como pessoas, como trabalhadoras, como profissionais da educação. Se pensarmos em personagens históricas, que são referências nas representações sociais sobre o que é ser mulher nas sociedades dos séculos XX e XXI, perguntamos se estas mudanças já podem ser percebidas em suas trajetórias. Uma das questões que nos instigam, e que orientam este projeto de investigação, está orientada por querer compreender como particularmente as mulheres tem construído sua história de vida na relação com o mundo do trabalho e nas relações com o poder, estejam ou não, empoderadas em qualquer espaço social.
Com os trabalhos a serem realizados a partir desta pesquisa, queremos investigar como esta realidade se realiza particularmente na vida das mulheres, das educadoras, na produção das políticas educacionais, nas matrizes curriculares e nos trabalhos de final de curso dos/as licenciandos/as da PUC Goiás.
No contexto das mudanças ocorridas na organização da produção ao longo do século XX e neste início de século XXI, as relações pessoais passam a ser de curto prazo e informais nas instituições modernas. A estabilidade é trocada pela instabilidade quando as organizações eliminam as camadas de burocracia e procuram se organizar em redes, ou seja, em organizações flexíveis. As modernas tecnologias, como o computador, substituem as emperradas comunicações postais e telefônicas e os malotes, que passam a se realizar de forma virtual e em tempo real. Tudo é fluido, superficial, momentâneo e imediato. Neste novo contexto, seres humanos excepcionais são aqueles que correm riscos, são obrigados a trabalhar sua ansiedade e se desenvolvem vivendo no limite.
Entendendo, que a formação deste novo sujeito/indivíduo/subjetividade vem para atender às demandas da produção flexível, que valoriza o ter e a sociabilidade do capital e esta é a concepção de indivíduo que prevalece na sociedade, como “retrato da mercantilização das relações sociais [que] impõem um novo papel para o homem, valorizado na sua condição subjetiva: ser portador da capacidade de adequação e consumo flexíveis,” (LANDINE; MONFREDINE, 2005, p. 56) procuramos então investigar elementos para conhecer as particularidades/subjetividades das mulheres.
Uma preocupação que tem nos acompanhado em todas as pesquisas que realizamos diz respeito à existência da compreensão sobre as diferenças de gênero e implicações sociais da situação diferenciada, de opressão, submissão e exploração, vivida pelas mulheres. Na última pesquisa que realizamos 8,7% dos/as participantes de nossa pesquisa demonstraram ter pouco envolvimento com esta discussão e 80% não respondeu se o fato de ser mulher dificultava a entrada no mercado de trabalho e 69,56% disseram que não dificultava fazer curso superior, 21,74% não responderam e apenas 8,7% disseram que sim. Já sobre as relações de gênero, ouviram falar na escola, na TV ou no rádio.
No processo da prática educativa, para que aconteça uma apropriação da realidade que contribua para a construção de individualidades para-si, existem condições de capacitação e historicização de homens e mulheres que ainda não são iguais, nem entre os sexos, nem entre as classes. E a história vivida pelas mulheres, de acesso à educação, ao conhecimento, à profissionalização, é bastante rica no período desta investigação, posto que o próprio movimento do capital exige mais mão de obra e cria as justificativas necessárias à incorporação das mulheres nas escolas e no mundo do trabalho no espaço público. O quadro que se configura hoje, (abaixo), da presença das mulheres nas diferentes profissões, deixa clara a correspondência entre o real e as representações construídas.
O processo de socialização vivido pelas mulheres tem especificidades de composição de gênero, que particularizam sua forma de inserção e interação com o mundo, de uma forma que as desvaloriza no conjunto das relações sociais. A subjetividade, as emoções, o mundo privado são fatores que, ao longo dos séculos, foram subvalorizados socialmente e constituíram-se em valores femininos. Melhor seria dizer que, a partir de determinado momento histórico a identidade entre estes valores e o “ser mulher” construíram-se de forma dialética chegando muitas vezes a confundir-se, substituir-se, fundir-se. O entender-se enquanto pessoa, enquanto profissional, e as representações construídas de uma e de outra, entrelaçam-se na construção que o sujeito faz de si mesmo com suas particularidades e com a realidade que o constitui. Já dizíamos em outras reflexões que existe uma “comunalidade” onde se pode perceber que o sujeito vive no mundo e o mesmo existe em relação aos outros, com a capacidade de se aproximar e de compreender mutuamente as suas vivências.
Moscovici (1984, p. 16) afirma:
Nos dois mundos, o da experiência individual, todos os comportamentos e todas as percepções são compreendidas como resultantes de processos íntimos, às vezes de natureza fisiológica. No outro mundo, o dos grupos, o das relações entre pessoas, tudo é explicado em função de interações, de estruturas, de trocas de poder [...]. Esses dois pontos de vista são claramente errôneos pelo simples motivo de que o conflito entre o individual e o coletivo não é somente do domínio da experiência de cada um, mas é igualmente realidade fundamental da vida social.
Assim, as representações constituem-se num instrumento para análise dos aspectos sociais, pois retratam a realidade, e de fato, uma forma de compreensão da relação cotidiano/sociedade e de valorização da participação do indivíduo e do coletivo na reelaboração de significados para os fenômenos da vida cotidiana.
Este é um trabalho que investiga também a formação de professores/as e entendemos que a formação de professores/as tem como uma das metas formar um/a educador/a que aborde de forma crítica, com seus/suas alunos/as, o conhecimento produzido, com perspectiva de intervir numa transformação social emancipatória. Nas palavras de Giroux,
O ensino para a transformação social significa educar os estudantes para assumir riscos e para lutar no interior das contínuas relações de poder, para serem capazes de alterar as bases sobre as quais se vive a vida. Atuar como intelectuais transformadores significa ajudar os estudantes a adquirir um conhecimento crítico sobre as estruturas sociais básicas, tais como a economia, o Estado, o mundo do trabalho e a cultura de massas, de modo que estas instituições possam abrir-se a uma transformação em potencial. Uma transformação, neste caso, dirigida à progressiva humanização da ordem social. (Apud: CONTRERAS, 1999, p. 118).
Esta humanização da ordem social – bem como as transformações que se queiram implementar no sistema educacional, na escola, na própria categoria de professores e no imaginário referente à profissão – abordará o fenômeno da feminização do magistério e a identificação construída entre esta profissão e o ser mulher
Homens e mulheres sentem e vivem a vida de forma diferente. Ocupando o mesmo universo social, familiar e escolar, tanto a sociedade como a família e a escola constituem universos nos quais a socialização se dá de forma diferente para ambos. A estruturação de habitus nestes mesmos espaços será diferente não só para cada indivíduo, segundo sua identidade própria, mas também para cada sujeito, conforme seu gênero, devido ao tratamento e aos papéis diferenciados que a sociedade atribui a um e a outro.
Também as condições de formação e apropriação do conhecimento são diferentes para homens e mulheres. A desigualdade entre homens e mulheres é permanentemente reafirmada na sociedade de forma explícita, bem como nos livros didáticos e nos materiais escolares, com a ausência da mulher no conteúdo das diferentes ciências ou com sua representação estereotipada; nas relações entre colegas e na distribuição dos postos de poder, pelo dito, ou, de forma implícita, pelo não-dito.
Enguita (1998) argumenta que, ao ignorar as modificações que vêm ocorrendo na sociedade e na família, que têm exigido alterações de papéis sexuais na execução das tarefas domésticas, a escola tem dificultado a retransmissão dos saberes que historicamente vêm sendo retransmitidos apenas pela via familiar, contribuindo, assim, para a manutenção das relações sociais de gênero já existentes dentro da família, espaço privilegiado de formação e a primeira instituição produtora/reprodutora das relações sexistas e discriminatórias. Ignorando as transformações ocorridas no trabalho doméstico em função do desenvolvimento tecnológico e das transformações sociais ocorridas, que implicaram também em alteração nos papéis desempenhados por homens e mulheres nos espaços públicos e privados, o que a escola faz é reproduzir normas de comportamento e valores que já não correspondem às relações sociais existentes.
Ainda refletindo com Enguita (1998) entendemos que existe uma construção entre realidade e representação fundadas no fato de que as próprias mulheres estabelecem com esta profissão, o magistério, uma dupla identificação, ou seja, identificam-se como mulher e como profissional. Ou seja,
devido à situação específica das mulheres na sociedade, aos papéis que lhes são atribuídos, às expectativas que se criam quanto à sua identidade, e ao habitus que adquirem estabelecem com a escola uma identificação expressiva – a escola em si mesma é um lugar onde a mulher se sente bem –, e uma identificação instrumental – confia que a escola vai ser um meio, um instrumento para conseguir atingir algum fim. De fato, é na escola que formalmente a mulher recebe um tratamento de igualdade. Aí estudam o mesmo conteúdo que os homens, são avaliadas com os mesmos instrumentos formais de avaliação, e é um espaço que as mulheres vêem como uma alternativa de dedicar-se a um tipo de trabalho que não esteja no espaço doméstico: ser professora é um trabalho no espaço público. (AFONSO, 2005, p. 196).
Assim, o universo simbólico que se cria, referente ao trabalho feminino, estará majoritariamente associado a um trabalho fácil, que não exige preparação especial, formal, estando associado às funções que a mulher exerce no espaço doméstico e a sua “aptidão natural”; um trabalho naturalizado, que não exige maior esforço nem investimento social.
No caso em análise, do trabalho/profissão de professor/a, esta situação se agrava ainda mais, posto que os saberes exigidos para este trabalho são atribuídos à mulher como “dons naturais”. O entendimento comum é de que a mulher, que nasce com o “dom da maternidade” e é a primeira responsável pela educação dos filhos, é a pessoa ideal para ser também a mãe dos filhos dos outros na escola/instituição que é considerada como uma “extensão do lar”. Nesta investigação indagamos se, e como esta realidade aparece na vida das pessoas, nas políticas públicas educacionais, nos processos de formação de profissionais para a educação.
A profissão de professor/a caracteriza-se também por ser um trabalho que pode ser exercido em tempo parcial, sendo em geral escolhido pelas mulheres, porque lhes permite conciliá-lo com sua outra jornada de trabalho, que são as tarefas domésticas. Como a mulher não é responsabilizada oficialmente pela manutenção do lar, seu salário é considerado apenas complementar e isto terá também a consequência de que a remuneração a ela destinada seja mínima, “parcial”. Esta realidade tem contribuído para a proletarização dos/as professores/as e também dificultado a profissionalização do setor, processo bem descrito por Enguita (1998).
Assim, formulamos algumas indagações:
Considerando o intenso processo de transformação na organização das forças produtivas no último século, como podem ser identificadas as histórias de empoderamento das mulheres inseridas naquele contexto histórico? Como se realizam as histórias de vida em sociedade e na profissão de professor@s?
Considerando os diferentes cursos de licenciatura da PUC Goiás, qual é a concepção de formação para a profissão de professor@s que aparece na formação acadêmica dess@s alun@s?
Esta concepção apresenta-se diferente para homens e para mulheres?
Como, e se aparecem nas políticas públicas e nas matrizes curriculares, a relação entre a realidade da profissão de professor@s e as particularidades da situação das mulheres no campo profissional?
Que representação est@s estudantes tem quanto ao poder constitutivo das relações sociais de gênero em sua profissão?
É possível percebem na história de vida, nas manifestações escritas ou nos depoimentos como as mulheres e @s profissionais da educação classificam as relações sociais de gênero que estabelecem na sociedade? De igualdade? De dominação? De opressão? De exploração? São capazes de identificar as desigualdades nas relações sociais de gênero nos espaços onde estão inserid@s? São capazes de fazer a crítica da situação de sua profissão na sociedade, do ponto de vista de classe, de gênero e da produção flexível?
Nome | Função no projeto | Função no Grupo | Tipo de Vínculo | Titulação Nível de Curso |
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LUCIA HELENA RINCON AFONSO
Email: luciarincon@gmail.com |
Coordenador | Líder Adjunto | [professor] | [doutor] |
MARIA CRISTINA DAS GRACAS DUTRA MESQUITA
Email: mcristinadm@yahoo.com.br |
Pesquisador | Pesquisador | [professor] | [doutor] |
MARIA ESPERANÇA FERNANDES CARNEIRO
Email: esperancacarneiro@outlook.com |
Pesquisador | Pesquisador | [professor] | [doutor] |
ORLEY OLAVO FILEMON
Email: orleyfilemon.filemon@hotmail.com |
Pesquisador | Estudante | [] | [] |
TERESA CRISTINA BARBO SIQUEIRA
Email: teresacbs@terra.com.br |
Pesquisador | Pesquisador | [professor] | [doutor] |