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ENTRE OCULTAÇÕES E ESQUECIMENTOS HISTORIOGRÁFICOS: MULHERES NEGRAS EM GOIÁS (GO)
2021/1 até 2023/2
ESCOLA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E HUMANIDADES
MEMÓRIA SOCIAL E SUBJETIVIDADE
Diversidade Cultural, Reconhecimento e subjetividade
THAIS ALVES MARINHO
Analisar indícios sobre a construção de ações coletivas de mulheres negras em Goiás nos séculos XVIII e XIX e XX, visando compreender as formas de subjetivação e resistências investidas nas relações de gênero, que escapam à violência colonizadora e que expõem a diferença colonial, em relação aos papeis femininos na família e em espaços sociais.
O feminismo tem sido enquadrado enquanto movimento social desde sua emergência, a partir das experiências europeias e norte-americanas, pela luta dos direitos civis, a partir da década de 1960. A primeira onda do feminismo, conhecido como sufragista, no fim do século XIX, também foi um movimento conhecido como sendo uma demanda das mulheres brancas, embora nos Estados Unidos Sojourne Truth, uma mulher negra, ex-escravizada que proferiu um discurso (conhecido como “Ain’t I a Woman?”) abolicionista e a favor dos direitos da mulheres em uma convenção em Akron, Ohio, em 1851, tenha tido uma passagem marcante, mas que também foi/é ocultada pela História Oficial. Assim, vemos que as análises sobre as ações coletivas de mulheres, conhecida como feminismo, se pautaram por uma herança nortecentrada construída sob uma base epistêmica discriminatória, que constroem não apenas hegemonias, mas silenciamentos e apagamentos.
O feminismo negro é fruto de reflexões que acreditam que o movimento feminista, nascido na década de 1960/70, mesmo com todas as suas nuances, não conseguia contemplar as necessidades, a indagação e o protagonismo das mulheres negras na construção histórica do Brasil. Assim, intelectuais negras, a exemplo de Angela Davis, Beatriz Nascimento, Sueli Carneiro, abriram discussões e teorias que denunciavam a condição da mulher negra nesse processo, e deixavam clara a necessidade de um recorte étnico para que a mulher negra fosse considerada enquanto sujeito histórico. Porém, mesmo que essas discussões tenham sido feitas a partir da década de 1950 nos Estados Unidos, seguindo pelo Brasil a partir de 1970, acreditamos que existe toda uma gama de ações de mulheres negras que escaparam à História das Mulheres de Goiás, em função da colonialidade de poder, do ser, do saber e do gênero.
Trajetória de mulheres negras de outros contextos, como a Iyalorisá Eugênia Ana dos Santos (Obá Biyí), em Salvador, que fundou na Bahia em 1910, o terreiro Ilê Opô Afonjá, atuando em distintos espaços sociais em prol do fim do racismo[1], e criando canais de comunicação[2] e sociabilidade para mulheres negras, nos inspiram a pensar que tal fenômeno pode ter ocorrido também no contexto goiano. Ademais, indícios na obra de Mary KArasch (2012) da atuação de mulheres negras na Irmandade em Goiás, também nos inspiram a perseguir essa hipótese. Além disso, a trajetória de mulheres negras como Chica Machado[3], Joanna Maria de Assunção[4] continua obscura e sem registros historiográficos.
Assim, acreditamos que o embrião das demandas feministas já haviam sido plantadas desde os “feminismos de terreiros” no Brasil. Nos terreiros, espaços de criação de laços sociais, que não se reduzem ao espaço religioso das religiões de matriz africana, como o candomblé, embora os inclua, as mulheres negras se organizavam para atender a demanda de salvaguardar os valores familiares, preservando (fragmentos) da cultura ancestral africana, por meio da reconstrução de laços de sociabilidade e espiritualidade, que formaliza a ação coletiva das mulheres negras, contra a opressão colonizadora, patriarcal, racista e de classe desde o advento da escravização.
Essa pesquisa possibilitará considerar o “feminismo de terreiro” como categoria conceitual, para que possamos realmente enegrecer o feminismo, considerando que a palavra “terreiro” aqui faz alusão a espaços sagrados, entre ele os terreiros de candomblé, espaços de convivências e vida coletiva. E a palavra feminismo, nesse contexto, faz alusão a um grupo de mulheres carregadas de ideologias ligadas ao bem comum: alicerçadas pela busca de direitos iguais; e que já praticavam equidade, aliando tradição religiosidade e igualdade de gênero. Assim, o “feminismo de terreiro” é uma categoria que se baseia em discursos e histórias de vida de mulheres, que impulsionava outras mulheres negras a serem protagonistas de suas próprias histórias.
Assim, enquanto os movimento feminista marca conceitualmente a luta das mulheres por reconhecimento de sua própria história, enquanto, sujeitos contributivos histórico, social, e cultural ao redor do mundo. Este conceito de feminismo não abarca as questões vivenciadas pelas mulheres negras, talvez porque o movimento nasceu dentro do espaço acadêmico (marcadamente, branco) que naquele período era ainda muito mais restrito às pessoas negras. O abismo entre o mundo das mulheres negras e brancas só se tornaria evidente para as feministas brancas, a partir da atuação do movimento negro na década de 1970 e 1980.
Apesar da ausência de reconhecimento das lutas perpetradas pelas mulheres negras desde a diáspora africana, pesquisadoras como De Souza (2004) e Del Priore (1997), que se dedicam a estudar o papel das mulheres negras, afirmam que os terreiros foram um espaço de resistência que abrigavam não apenas os cultos aos Orixás, mas, também instâncias abolicionistas. Foi ali que se construíam estratégias para superar as condições de subalternidades. Com os anos as reuniões ganharam roupagem de gênero, e ali aconteceram as primeiras reuniões do movimento de mulheres negras e de asé. A esse respeito, Roger Bastide (1989, 1973, 2001), seguido de Reginaldo Prandi (1995/1996), desde seus primeiros escritos sobre Candomblé afirmam a importância destas mulheres para os movimentos que buscavam a liberdade plena dos afrodescendentes. Tais figuras de sacerdotisas perpassavam as fronteiras do conhecimento religioso e suas ações as faziam transcender de mães místicas para grandes lideranças, como Obá Biyí Mãe Aninha.
Assim, esse projeto buscará responder: Quais espaços de atuação foram ocupados por mulheres negras durante o século XVIII, XIX e XX em Goiás? Como são construídas relações de poder, solidariedade e representações de gênero associados às mulheres negras em espaços sociais em Goiás no referido período? Quais canais de comunicação sócio-político foram construídos por elas? Quais estratégias de sobrevivência e resistência, conflitos e tensões estão presentes nas relações cotidianas dessas mulheres? Como a espiritualidade africana contribui para a organização coletiva das mulheres negras?
Buscaremos, portanto, contribuir para a história das mulheres em Goiás e no Brasil e para os estudos afro-brasileiros. Por outro lado, propomos também a superação de narrativas hegemônicas, universalistas que apagam as diferenças construídas desde a lógica colonial imposta, especialmente, em torno da noção de gênero. Assim, o presente trabalho contribuirá para uma maior aproximação da História com a perspectiva decolonial.
[1] Dando continuidade à consolidação do “prestígio protetor” do povo do Candomblé, ela aproveita o momento de se ter à frente do estado da Bahia um governador que era simpatizante com as tradições advindas da África, para lançar uma iniciativa que se transformou na segurança jurídica de culto a todo povo brasileiro. Em 1939 consegue que seja publicado o Decreto-Lei n° 1.202, de 8 de abril, no qual, dispondo sobre a administração de Estados e dos Municípios, o artigo 22, parágrafo terceiro, indica ser “vedado ao Estado e ao Município: estabelecer, subvencionar ou embargar o exercício de cultos religiosos” (MARINHO, SIMONI, 2020, no prelo).
[2] A partir de seu lugar de fala e diante do prestigio já conquistado, Obá Biyí sediava em seu terreiro o segundo congresso Afro brasileiro em 1937, congresso que reuniu grandes nomes da época: Artur Ramos, Edison Carneiro, Jorge Amado, Aydano do Couto Ferraz, Donald Pierson, Ruth Landes, E. Franklin Frazier e outros. Esse congresso teve como conferencista o Babalorisá Martiniano Eliseu do Bonfim (MARINHO, SIMONI, 2020, no prelo)
[3] Personagem do romance de Adélia Freitas.
[4] “Rainha pérpetua” da Irmandade dos Pretos de Goiás entre 1787 e 1800, conforme livros de mesa das Irmandades. Cuja história é desconhecida até os dias atuais.
Nome | Função no projeto | Função no Grupo | Tipo de Vínculo | Titulação Nível de Curso |
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ROSINALDA CORREA DA SILVA SIMONI
Email: rosinegra@gmail.com |
Pesquisador | Estudante | [] | [] |
THAIS ALVES MARINHO
Email: thais_marinho@hotmail.com |
Coordenador | Líder | [professor] | [doutor] |