Um olhar sobre os processos de reinvenção das cidades e como a atuação do arquiteto e urbanista foi ampliada à medida que o foco passou a ser a cidade e suas problemáticas é questão central dessa pesquisa. Para tanto, lançam-se olhares sobre a produção da arquitetura a partir das mudanças do final do século passado e a acelerada e intensa urbanização, escalas e relações entre arquitetura e cidade. Parte-se de posturas críticas dos anos 1980, que levaram a ampliação do campo de atuação do arquiteto e a revisitar o Movimento Moderno, destacando o arquiteto Rem Koolhaas (1944-). Seu protagonismo na cena arquitetônica ocorreu desde o concurso promovido pela Revista Casabella (1972), sua inusitada proposta para a Bienal de Veneza (1980), levando-o a se distanciar das visões pós-modernas vigentes à época e aproximando-o dos preceitos modernistas ao revisitar termos como destruição criativa e tábula rasa. A constituição da condição urbana contemporânea é o objeto de estudo visando a produção de um atlas urbano sobre a arquitetura na contemporaneidade, a partir das cidades, dos arquitetos, temas e escalas em diversas partes do globo. O desenvolvimento desse material considera: os discursos de revisão e crítica ao movimento moderno; a retomada do espaço público como objeto de projetação; as ações de patrimonialização das cidades e as intervenções em preexistências, além das experimentações formais e projetos escultóricos. Toma-se como ponto de partida, os discursos sobre as cidades que fomentaram a crise dos estudos urbanos nos anos 1960 e, posteriormente, as intervenções propostas em cidades europeias, tais como Paris, Berlim, Barcelona e Londres, nos anos 1970-90 relacionadas à valorização do patrimônio europeu, os concursos dessas propostas e os arquitetos que se destacaram nesse processo. Em seguida, a pesquisa centra-se em compreender as práticas arquitetônicas contemporâneas mediante o termo Regime ¥€$ (KOOLHAAS, 2004), período entre 1990-2003, fruto da queda do Muro de Berlim e o avanço da urbanização para leste, considerando cidades chinesas (factoring cities) e a espetacularização no Oriente Médio, além de projetos culturais no Leste Europeu. Esse período é marcado pela lógica do mercado financeiro, alicerçada pelo controle do espaço e pela produção de edifícios espetaculares que modificaram a própria compreensão de cidade. Há uma amplitude de escala em todas as dimensões: por um lado, cidades antigas e/ou globais buscando renovar-se, seja por intervenções histórico-culturais ou pela inserção de novos fragmentos em seus territórios; por outro, centenas de cidades sendo construídas com as soluções tecnológicas mais inovadoras para salvaguardar a vida de milhões de pessoas, entre outros slogans de promoção das cidades novas, agora nominadas por smart cities ou cidades inteligentes. Mediante essas questões, a pesquisa busca reflexões sobre a prática da arquitetura contemporânea, em suas mais diversas escalas, a partir de três fatores fundamentais para a modernização do século XXI: a globalização, culminando na urbanização acelerada de pontos estratégicos do planeta; as tecnologias de informação, em consonância com discursos de sustentabilidade; planejamento estratégico e de branding urbano. Esses são alguns termos regimentados pela ampliação do capitalismo, fomentando investimentos do mercado financeiro na produção desses espaços. Nas palavras de Rem Koolhaas esboçam-se diagramas que permitem verificar a ressignifcação dos termos destruição criativa e tábula rasa.

Essa pesquisa tem por objetivo refletir sobre as práticas arquitetônicas contemporâneas a fim de compreender a espacialização da globalização. Parte-se das relações entre edifício e cidade como resposta a diversas questões do campo disciplinar desde a crise urbana dos anos 1960 (ELLIN, 1999). Considera-se a título de análise, as cidades cujas intervenções urbanas estão vinculadas não apenas ao resgate histórico de suas partes, mas também à sua própria promoção, isto é, ao branding urbano. A pesquisa está alinhada às discussões de cidade global (SASKEN, 1991) e às estratégias espaciais que conformam cidades-mercadorias Sanchez (2001). A partir destas reflexões, será identificada a produção e a prática da arquitetura visando sistematizar e caracterizar os fenômenos urbanos na produção social de um continuum espacial a nível global, tendo por marcos: o Ano do Patrimônio Europeu e a Carta de Amsterdã (1975); os grandes projetos da era Mitterrand (1972-1994), a Queda do Muro de Berlim (1989), as Olímpiadas de Barcelona (1992), as Olímpiadas da China (2008), a Copa do Mundo (2014), as Olímpiadas do Rio de Janeiro (2016), os Jogos de Inverno (2014) e a Copa do Mundo da Rússia (2018) a Copa do Mundo do Qatar (2022), além da urbanização acelerada e globalizada verificada na China, em especial no Delta do Rio Pérola (PRD) e no Oriente Médio, com destaque às cidades de Dubai, Abu Dhabi, Jeddah e Riyahd, entre outras. Esses megaeventos e a produção de cidades pelos starchitects já havia sido objeto de discussão por Rem Koolhaas, mediante os termos generic city, junkspace, bigness e Regime ¥€$; além das questões abordadas por Muñoz (2008) urbanalización, em que trata da banalização e brandificação das cidades, além das pesquisas de Vàzquez (2004) e (2016) visando apreender as mudanças em curso e a caracterização das cidades globais desde meados dos anos 1970. Para efeitos da pesquisa, também tem-se as discussões de Soja (2000) quanto a espacialização do capital financeiro conforme os termos: The postfordist industrial metropolis e cosmomopolis: the globalization of cityspace e Exopolis: the restructuring of urban form e o de cidade-região e urbanização regional (2011). 

A partir destes autores e seus pares, as discussões relativas aos investimentos de fundos de investimento na produção de cidades, cujas arquiteturas em suas mais diversas escalas se evidenciam pela intensa atuação de um grupo seleto de arquitetos em projetos de grandes dimensões – bigness (KOOLHAAS, 1995). 

A aproximação desses autores é valida à medida que a contemporaneidade produz uma cidade em maior velocidade, mas menos densa do ponto de vista histórico e sociológico, exaltando a arquitetura como força motriz dessa trama de cidades que competem entre si por meio de imagens midiáticas de alta atratividade. 

Os edifícios são importantes elementos de regeneração urbana e propiciam também uma alavancagem econômica das cidades, tendo em vista, o investimento de capital privado associado às ações públicas. A partir desse momento, as cidades são modificadas e reinventadas, passando a agregar valores diferentes de épocas precedentes. Tornam-se comuns intervenções urbanas que visam fomentar a cultura, a circulação de capital nos grandes centros; nesse contexto, a arquitetura passa a ser um condicionante à reinvenção das cidades: por meio de formas inusitadas e exclusivas, a cidade se modifica e tem renda, tornando-se parte do circuito cultural a nível internacional, culminando na condição urbana contemporânea

3.1. OBJETIVO GERAL

Considerando essa dinâmica da contemporaneidade, objetiva-se sistematizar os dados por meio de características que permitam relacionar cidades, arquitetos e suas arquitetura. Entre os temas que dizem respeito às reflexões teórico-críticas tem-se, a princípio: a) globalização x regionalismo crítico e o discurso do Lugar; b) tectônica; c) alta tecnologia; d) desconstrução; e) ênfase formal e escultórica; f) discurso crítico e arquitetura: Peter Eisenman, Bernard Tschumi, Rem Koolhaas; g) materialidade e superfície – do minimalismo ao ornamento; h) design Digital e computação – novas ferramentas e processos de projeto; i) ativismo e discursos políticos em arquitetura: sustentabilidade e arquitetura ecológica ao projeto social; j) crise da teoria crítica: em defesa do pragmatismo ou do “realismo extremo”; k) sustentabilidade e arquitetura ecológica. Estes temas, por sua vez, estão correlacionados aos projetos urbanos ou arquitetônicos mais destacados entre as publicações especializadas na área, tais como: edifícios “sustentáveis”, arranha-céus, edifícios culturais, esportivos, de lazer, intervenções em preexistências, smart cities, novas cidades ex-nihilo e espaços públicos. As análises e compreensão do papel dessa arquitetura permitirá a elaboração de um atlas urbano sobre a prática e produção da arquitetura na contemporaneidade, tendo em vista os discursos críticos dos últimos quarenta anos, identificando os temas abordados, as escalas dos projetos, os arquitetos e as contingências históricas que os envolvem.

A sistematização de dados possibilita a compreender melhor o período de maior investimento em intervenções urbanas e projetos de arquitetura de grandes dimensões e como ocorrem as interrelações entre globalização, espetacularização das cidades e as inovações tecnológicas propostas pelo seleto grupo de arquitetos estrela, além de possibilitar um olhar crítico acerca da cultura arquitetônica contemporânea, avaliando suas dimensões e abrangências mediante a financeirização e festivalização das cidades e as influências políticas e econômicas na produção do espaço urbano. 

3.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS

A partir das questões mencionadas, a presente pesquisa possui os seguintes objetivos específicos:

1. Caracterização do campo ampliado da arquitetura e urbanismo;
2. Identificar os arquitetos de destaque em dois momentos: na formulação de discursos e aqueles que, por meio de sua prática arquitetônica, fomentam novos processos projetuais e posturas críticas;
3. Análise e cartografia dos principais cidades e/ou pontos do planeta que permitem afirmar a formação de um continuum espacial e as relações econômicas presentes;
4. Identificar e categorizar os projetos por localização, arquitetos, usos e tecnologias aplicadas;
5. Correlação entre branding urbano e Regime ¥€$;
6. Reflexões sobre os processos de reestruturação urbana e as relações entre destruição criativa e tábula rasa.

A pesquisa, vinculada ao ensino de arquitetura e urbanismo tanto na graduação quanto na pós-graduação, visa aprofundar o debate atual do campo disciplinar, tendo em vista que, grande parte das referências disponíveis encontram-se em língua estrangeira, além de buscar uma reflexão crítica acerca das mudanças da arquitetura e urbanismo e seus desdobramentos na produção da arquitetura brasileira, mediante intervenções urbanas como aquelas ocorridas no Rio de Janeiro para as Olimpíadas de 2016 e os investimentos em diversas cidades brasileiras, que, por vezes, buscam relacionar a marca do arquiteto ao sucesso comercial dos empreendimentos mais recentes. Ademais, a pesquisa contribui com o ensino de arquitetura e urbanismo à medida que trata de referências atuais e consonantes com a agenda de pesquisa do campo disciplinar.

A elaboração de um atlas acerca destas questões permite reflexões e a documentação sobre a produção da arquitetura contemporânea, além de fomentar pesquisas de teoria e história da arquitetura com ênfase à crítica no contexto da contemporaneidade. Muito mais do que identificar posturas discursivas, busca-se refletir acerca da produção arquitetônica contemporânea e a urbanização em diversas partes do globo, desde as intervenções em preexistências ou a cidade por partes dos anos 1970-90 aos edifícios mais recentes do Oriente Médio e da China. Ademais discutir como a lógica do capital financeiro se desdobra em novas formas urbanas que, por vezes, cingem o território brasileiro, conformando novos nós e pontos de conexão em escala planetária, perpassando as experiências a partir dos megaeventos no país.