Detalhes do Projeto de Pesquisa

GÊNERO, RAÇA/ETNIA E DIVERSIDADE SEXUAL: CONTRIBUIÇÕES E DESAFIOS PARA AS MÍDIAS

Dados do Projeto

535

GÊNERO, RAÇA/ETNIA E DIVERSIDADE SEXUAL: CONTRIBUIÇÕES E DESAFIOS PARA AS MÍDIAS

2020/2 até 2026/2

ESCOLA DE CIÊNCIAS SOCIAIS E DA SAÚDE

CONSTRUÇÃO DE FATOS SOCIAIS

A construção de fatos sociais: caminhos para a compreensão de processos sociais implicados na produção de desigualdades sociais

LENISE SANTANA BORGES

Resumo do Projeto

As mídias têm sido reconhecidas como um lugar de destacada influência na produção e reprodução de valores e sentidos sobre a sexualidade, seja pela introdução de temáticas até então consideradas tabus para um amplo espectro de pessoas, seja, pela forma como elas têm abordado essas temáticas. Adotamos o termo mídia no plural, pois reconhecemos que atualmente elas podem existir a partir de diversas modalidades (rádio, televisão, jornal e a internet). Cada um desses veículos possui uma forma própria de apresentar e veicular seus discursos. A visibilidade conferida pelas mídias a temas e acontecimentos considerados tabus tem sido interpretada de diferentes maneiras. Como um lugar que promove e disponibiliza representações divergentes, alternativas, contraditórias bem como um lugar de reprodução e reiteração de identidades e práticas sociais hegemônicas na medida que silencia ou exclui outras identidades e práticas. Muitos dos fatos que viram notícias circularão entre leitores/ouvintes/telespectadores/internautas contribuindo na produção de saberes e formas específicas de comunicar o que é masculino e feminino, o que é uma identidade sexual legítima ou não, o que é uma violência de gênero, sexual, de raça ou não. Partindo desse quadro geral, o objetivo do presente estudo é compreender as diversas formas de se falar sobre os gêneros, a raça e as sexualidades nas mídias, em especial as narrativas produzidas sobre o universo LGBTI+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais e intersexuais) a partir de uma análise discursiva (textual e imagética). Pretende-se nesse estudo analisar as seguintes questões: Quais repertórios sobre o masculino e o feminino, sobre os sujeitos racializados, sobre os sujeitos LGBTI+ a mídia está produzindo e/ou divulgando? Que narrativas sobre esses sujeitos (quem fala, de onde fala, com quem fala, como fala) são privilegiadas? Que formas específicas a mídia utiliza para falar sobre esses sujetio? Elas legitimam ou desestabilizam normas sociais? Quais? Esta pesquisa tem como base teórico-metodológica o arcabouço teórico do construcionismo social (IBÁÑEZ, 1994; SPINK, 2004; IÑIGUEZ, 2002), e as interpretações contemporâneas para o gênero e a sexualidade a partir dos estudos feministas e os estudos gays/lésbicos (ou mais recentemente, os estudos Queer) (BUTLER, 1993; 1997; 1999). As mídias são compreendidas a partir dos escritos de Spink e colaboradores das teorizações de John Thompson (SPINK et al, 2001). O corpus da pesquisa é composto por diversos veículos, como jornais, filmes, novelas, e mídias sociais (como instagram, facebook, twiter). Palavras Chave: mídias, gênero, raça, sexualidade, LGBTI+

Objetivos

Objetivo geral: 


Partindo desse quadro geral, o objetivo do presente estudo é compreender as formas de se falar sobre as diversas formas de sexualidade na mídia, em especial as narrativas sobre o grupo LGBT a partir de uma análise discursiva (textual e imagética). Neste estudo, pretendo analisar as seguintes questões:

a) Quais repertórios sobre mulheres, negros e LGBTI+ a mídia está produzindo e/ou divulgando?

b) Que narrativas sobre mulheres, negros e LGBTI+  (quem fala, de onde fala, com quem fala, como fala) são privilegiadas?

c) Que formas específicas a mídia utiliza para falar sobre esses grupo? Elas legitimam ou desestabilizam normas sociais? Quais?


Objetivos específicos: 


 a) Mapear os discursos sobre o grupo de mulheres, negros e LGBTI+ na mídia

b) Investigar como são apresentadas as narrativas e as imagens cujo conteúdo se relaciona com esses grupos

c) Identificar quais são as vozes autorizadas a discutir as temáticas ligadas à gênero, raças e diversidade sexual na mídia

d) Promover ações concretas de combate aos preconceitos sexismo, racismo e homofobia e subsidiar as mídias e processos educativos com informações e conhecimentos estratégicos para o enfrentamento de preconceitos.

Justificativa


A mídia faz parte de uma rede de saberes – ciência, movimentos sociais, Estado, igrejas, entre outros – que, de forma distinta, produz e conforma idéias sobre assuntos diversificados, tais como as identidades e suas marcas como: gênero, raça/etnia, sexualidade, etc. Ela é também um ator social significativo na construção e circulação de repertórios sobre as diversas identidades na era atual e, por isso, constitui-se como objeto das reflexões do presente estudo.

O destaque obtido pela mídia nos últimos anos está diretamente relacionado ao contexto que a circunda, a modernidade tardia. Giddens (2002) e Beck (1995) apontam os avanços na esfera da informação e da comunicação, mais especificamente o desenvolvimento da mídia eletrônica, como elementos centrais para o entendimento das transformações ocorridas nas relações sociais e íntimas. O imperativo da sociedade contemporânea é inegavelmente a informação e as novas tecnologias que se utilizam de redes interligadas para fazer a circulação de suas mensagens.

No entanto, mais do que somente veicular informação, o uso dos meios de comunicação na atualidade têm contribuído fundamentalmente para a transformação da organização espacial e temporal, possibilitando novas formas de interação, ação e novas formas de exercer o poder, trazendo implicações para a vida social e política, antes impensáveis. Seu papel tem sido fundamental na construção e circulação de repertórios sobre as sexualidades, atuando como mediadora no acesso e na legitimação de modelos plurais de posição de pessoa[1] para uma grande variedade de destinatários.

Humberto Eco (2004) distingue duas posições distintas entre teóricos e profissionais ligados aos estudos da comunicação: os chamados “apocalípticos” que criticam a indústria cultural, e por conseqüência a mídia, como um lugar superficial e alienante, e os “integrados” que percebem a indústria cultural como uma nova forma de interação, possibilitadora de acesso do grande público a diferentes bens culturais.

De forma muito simplificada, a polêmica que envolve a mídia pode ser sintetizada na seguinte questão: a mídia tem poder sobre sua audiência, ou são as audiências que detém poder sobre a mídia? Segundo Gauntlett (2002), Theodor Adorno e John Fisk são os expoentes clássicos desta discussão. Adorno defende que é a mídia quem detém poder sobre a população, poder este que ele percebe como muito prejudicial, já Fiske argumenta que é a audiência que detém o poder. De alguma forma parece que essa polarização tem sido importante para produzir leituras menos monolíticas e compreensivas do papel da interação entre essas duas instâncias, levando a conceber a mídia e suas audiências como integrantes de um processo de co-construção de sentidos mais amplo.

Uma das discussões importantes para se pensar as conseqüências do papel da mídia na sociedade contemporânea é travada por Thompson (2004) e Giddens (2002) que a percebem como protagonista na reformulação das fronteiras entre o espaço público e o privado, possibilitando que fatos antes invisíveis se tornassem visíveis para uma grande variedade de público. Segundo esses dois autores, a abertura ao grande público e o acesso à informação trouxeram também como conseqüência a possibilidade de influenciar o cotidiano das pessoas.

 Thompson (2004) apresenta uma visão mais positiva sobre a mídia e seu impacto no cotidiano das pessoas. Para o autor, a mídia exerce grande destaque na produção, armazenamento e circulação de informações, bem como de conteúdos simbólicos para uma grande pluralidade de destinatários. Ainda segundo ele, o desenvolvimento dos meios de comunicação propiciou o advento de outras formas de interação bastante diferentes das até então conhecidas como é o caso da interação “face a face”. As interações “mediadas” – cartas, conversas ao telefone - e as interações “quase mediadas” - livros, jornais, rádio, televisão -, criaram novas formas de ação e de interação dissociadas do ambiente físico. Dessa forma, a vida social no mundo moderno é cada vez mais mediada por formas de interação que não contêm um caráter imediato, revestindo, portanto, de importância outras fontes de conhecimento que extrapolam situações nas quais as informações são colhidas diretamente de pessoas com as quais se interage no cotidiano.

O redimensionamento do tempo e do espaço na era moderna é apontado por Thompson (2004) como a chave para o entendimento dessa reconfiguração público/privado. Com as inovações tecnológicas, as informações puderam então viajar num curtíssimo tempo, quase instantâneo, e acontecer de forma simultânea em diferentes lugares sem que houvesse qualquer impedimento.

Outra conseqüência da abertura ao grande público de fatos antes “invisíveis” foi o acesso da grande massa a assuntos antes restritos, bem como a possibilidade de influenciar as formas de pensar as práticas do cotidiano. O poder da mídia de modelar, transformar, influenciar o conhecimento, crenças, valores, relações sociais e identidades sociais é reconhecido por Fairclough (1995) como fator significativo para a compreensão dos processos de mudança social e cultural. Poder e ideologia, perpassam a mídia de maneira a representar coisas de formas particulares, no qual a linguagem tem um papel preponderante na forma de apresentar o mundo, relações sociais, identidades, etc. O autor identifica tensões e tendências no campo midiático ligadas às características pró-consumo presentes na sociedade atual. “Marketização” e “Conversacionalização” seriam estratégias utilizadas no discurso midiático para tornar seus produtos mais palatáveis e mais facilmente aceitos por diferentes audiências.

Uma concepção mais positiva da mídia é sustentada por Spink e Medrado (2000), psicólogos sociais que a compreendem como prática discursiva produtora de sentidos[2] que igualmente produz identidades individuais e sociais promovendo inclusões, exclusões e diferenças.

A mídia nessa abordagem é vista como um lugar privilegiado de circulação de discursos (entendidos não somente como textos), mas também, ações, seleções, escolhas, linguagens, contextos, propiciando novas configurações aos esforços de produção de sentidos. Os autores argumentam que o papel assumido pela mídia não se estabelece somente em torno da produção e circulação de repertórios, mas também tem um papel político, no sentido de possibilitar a reestruturação de conteúdos, propiciando novas produções de sentido, como pode ser constatado nesta citação:


A mídia assume um papel fundamental na compreensão da produção de sentidos, seja porque é pervasiva no mundo contemporâneo e, portanto, instrumental na conformação da consciência moderna, seja porque confere uma visibilidade sem precedentes aos acontecimentos, incluindo aí as novas informações e descobertas (SPINK; MEDRADO, 2000, p. 57)


Os repertórios interpretativos são considerados por esses autores como fundamentais para a análise das práticas discursivas, pois eles são os dispositivos lingüísticos utilizados para construir versões das ações, eventos e outros fenômenos situados num determinado contexto histórico e marcados por estilos gramaticais específicos ou speech genres.

No que concerne à análise do discurso os autores acima citados concordam que é fundamental que se analise texto e contextos do discurso. Para Fairclough (2001) a análise do discurso deve capturar as mediações entre os textos as práticas discursivas e as práticas sociais e, para isso, propõe uma análise tridimensional que leve em conta: análise do texto, análise dos processos discursivos de produção e interpretação textual – tipos e gêneros do discurso – e análise social do evento discursivo com o contexto da produção midiática, ou seja, a análise do texto deve estar combinada com outras análises.

A proposta de Thompson é que a mídia seja analisada em termos da intersecção dos diferentes planos de coordenadas espaço-temporais envolvendo os contextos de produção e os de recepção. Apesar de salientar que há uma menor participação dos receptores na definição dos conteúdos da quase-interação na mídia do que numa interação face a face o autor enfatiza a importância da oportunização de vias de comunicação que possibilitem o alargamento da interação entre produtores e receptores e conseqüentemente uma maior reflexibilidade e reciprocidade da mídia. A recepção na mídia é percebida por Thompson como processos que se estendem para além de uma ação responsiva direta aos produtores, englobando receptores secundários, outras mídias, outros contextos, outras mensagens entrelaçadas com aquelas inicialmente recebidas.

Incluir o monitoramento dos dados de recepção é uma tendência que cada vez mais vai sendo incorporada nos estudos de comunicação. Neste estudo, porém cabe esclarecer que a ênfase que proponho nesse projeto recai sobre a análise das práticas discursivas, ou seja, as formas de se falar sobre identidades e práticas sociais não convencionais (imagens e textos) apresentados na mídia. Parte-se do pressuposto que os produtos das mídias (jornal, revista, novela, filmes, facebook, instagram, twiter etc. constituem-se como uma co-construção que envolve diferentes elementos - autor, atores/atrizes, opinião pública, patrocinadores, produtores - e que os temas selecionados e a forma de abordá-los vão sendo definidos a partir da rede de confluência e negociação entre esses vários elementos. Assim, o processo de análise envolve tanto aspectos relacionados à produção de quanto as interações entre as dimensões da construção das mensagens e da recepção e apropriação.

A Psicologia Social de cunho construcionista, enquadre teórico-epistemológico que norteia este estudo, oferece inúmeras possibilidades de reflexão sobre o tema, na medida em que pressupõe que fenômenos sociais como as práticas sexuais não convencionais e sua respectiva formalização conceitual não são naturais, mas, sim, construções sociais fortemente influenciadas pela linguagem social e pelo contexto que os condiciona.

[1] O termo pessoa é utilizado na perspectiva do Construcionismo Social como uma noção que enfatiza o caráter relacional, ou seja, a dialogia implicada nos processos de produção de sentidos nas práticas discursivas.

[2] Entre alguns estudos sobre mídia que vem sendo desenvolvidos pelo Núcleo de Estudos e Práticas Discursivas e Produção de Sentidos – PUC/SP e pelo Grupo de estudos e pesquisas Construção de Fatos Sociais – PUC/GO, cito: Repertórios sobre feminicídio no jornal Folha de S. Paulo (DELAVI, 2019); A invenção do saudável: práticas discursiva midiáticas sobre os corpos das mulheres (SANTOS, 2018).

Equipe do Projeto

Nome Função no projeto Função no Grupo Tipo de Vínculo Titulação
Nível de Curso
LENISE SANTANA BORGES
Email: esinel@uol.com.br
Coordenador Líder [professor] [doutor]