Detalhes do Projeto de Pesquisa

SAÚDE MENTAL E TRABALHO: DA PRECARIZAÇÃO AO TRABALHO DECENTE

Dados do Projeto

511

SAÚDE MENTAL E TRABALHO: DA PRECARIZAÇÃO AO TRABALHO DECENTE

2020/2 até 2028/2

ESCOLA DE CIÊNCIAS SOCIAIS E DA SAÚDE

PSICOLOGIA, ORGANIZAÇÕES, TRABALHO E SAÚDE

Psicodinâmica e clínica do trabalho

KATIA BARBOSA MACEDO

Resumo do Projeto

Tem como objetivo analisar como as mudanças no contexto de trabalho tem afetado a saúde dos trabalhadores. A OIT - Organização Internacional do Trabalho indica que o trabalho é a principal fonte de renda e sobrevivência para os trabalhadores no mundo. Com o processo de precarização das relações de trabalho e o aumento da intermediação das tecnologias de informatização nas relações de trabalho, tem havido um crescimento do número de doenças ocupacionais, conforme a OMS- Organização Mundial de Saúde. A psicodinâmica do trabalho é uma abordagem que busca analisar e compreender de que forma a organização do trabalho (que inclui as condições e relações de trabalho) impacta na subjetividade dos trabalhadores. Para isso, utiliza de um método de discussões coletivas com os trabalhadores visando levantar quais suas vivências de prazer e de sofrimento, quais estratégias utilizam para lidar com o sofrimento advindo do trabalho, e como surgem os sintomas e patologias relacionadas ao trabalho. Os subprojetos ligados a esse projeto guarda-chuva envolverão alunos de IC, alunos de Mestrado e doutorado, considerando diversos tipos de organizações, tanto do primeiro, segundo e terceiro setor. Como as tecnologias de informação tem sido cada vez mais utilizadas para a execução das tarefas, um dos enfoques do presente trabalho é também analisar e discutir até que ponto elas são utilizadas como suporte para a melhoria dos processos e produtividade, e em que medida podem se transformar em instrumentos para o aumento da precarização das relações de trabalho, alienação e adoecimento dos trabalhadores, contribuindo ainda a médio prazo para o aumento do desemprego e da desigualdade social. Conforme afirma Dejours (1994), o trabalho nunca é neutro quando se trata da saúde mental do trabalhador: ou contribui para manutenção da saúde ou se torna um fator de adoecimento. Dentre as funções do trabalho, tem-se a obtenção do sustento para a sobrevivência ; sendo também um fator de inclusão social e de constituição psíquica. Assim, trabalhar significa para o trabalhador uma forma de afirmar sua identidade por meio de atribuições individuais inseridas por ele na realização da tarefa. Para a Psicodinâmica do trabalho, o trabalhar é colocar-se à prova diante da realidade tal qual ela se apresenta no trabalho ordinário, tendo como contraponto as prescrições, procedimentos, materiais ou instrumentos a serem manipulados, bem como, o defrontar-se com pessoas no convívio social, pressupondo colaborar com uma hierarquia organizacional e com colegas. Portanto, a subjetividade é posta à prova tanto para a organização do trabalho quanto na condução das relações no coletivo de trabalho

Objetivos

Objetivo Geral

            Analisar, segundo a abordagem teórico-metodológica da Psicodinâmica do Trabalho, a organização do trabalho, as relações de trabalho e a mobilização subjetiva dos trabalhadores em diversos contextos e seu impacto na saúde mental dos mesmos.

           Objetivos Específicos

  1. Identificar o contexto, as políticas e regras de trabalho a que os trabalhadores estão submetidos em decorrência do desemprego.
  2. Identificar o contexto, as políticas e regras de trabalho a que os trabalhadores estão submetidos em decorrência da precarização do trabalho.
  3. Analisar como ocorre a organização do trabalho e as relações de trabalho a que os trabalhadores estão submetidos.
  4. Analisar a mobilização subjetiva dos trabalhadores, como indicadores de prazer e sofrimento relacionados ao trabalho ;
  5. Analisar as estratégias de enfrentamento utilizadas pelos trabalhadores para lidar com o sofrimento advindo do trabalho precarizado.
  6. Analisar as estratégias de enfrentamento utilizadas pelos trabalhadores para lidar com o sofrimento advindo do desemprego.


Justificativa

Contexto das relações de trabalho: desemprego, subemprego  e precarização

Em 2015, os Estados Membros das Nações Unidas, adotaram a Agenda 2030 para a sustentabilidade e desenvolvimento, que estabeleceu 17 objetivos, denominados Sustainable Development Goals (SDGs), sendo considerados pela própria ILO (International Labour Office) no relatório World Employment Social Outlook: Trends 2019 (WESO) como “um ambicioso plano de transformações estruturais, econômicas e sociais em todo o mundo” (ILO, 2019, p. 57). Tradicionalmente estas agendas propostas pela ILO são consideradas pelas diferentes economias do mundo como diretrizes de apoio às estratégias econômicas de norte a sul, mas especificamente as SDGs atenderam às preocupações de maior proximidade com a sociedade civil e grupos de direitos humanos visando estabelecer condições para a governança, o crescimento econômico, os direitos das mulheres, a degradação ambiental, o trabalho decente e as desigualdades dentro e entre sociedades. 

Os 17 objetivos refletem uma visão de futuro - à qual todos os países possam aspirar independentemente do seu nível de desenvolvimento – que se assenta nos seguintes pilares: pessoas (desenvolvimento humano), planeta (sustentabilidade ambiental), prosperidade (crescimento econômico inclusivo e transformação) e parceria (cooperação internacional). (ILO, 2019, p.57).

Assim, mercados de trabalho inclusivos e que funcionem bem são essenciais para a missão de oferecer trabalho e apoiar a justiça social, entendendo que o trabalho remunerado é a principal fonte de rendimento para a maior parte da população do mundo, e também porque assim se “pode reafirmar os princípios de igualdade, democracia, sustentabilidade e coesão social [grifo nosso]” (ILO, 2019, p.1).

Para o relatório WESO: Trends 2019 (ILO, 2019) existe a urgência de uma agenda centrada no ser humano com um foco renovado nas amplas capacidades das pessoas, bem como no potencial das instituições do mercado de trabalho, prioritariamente em atendimento a uma demanda de investimentos em áreas negligenciadas da economia nos países desenvolvidos e em desenvolvimento. As questões de igualdade, sustentabilidade e inclusão na apresentação e a análise de tendências do mercado de trabalho tornaram-se necessariamente o ponto central de atenção, “os novos dados globais coletados, apontam para alguns progressos, mas acima de tudo revelam a persistência de déficits significativos no trabalho decente, com as várias regiões enfrentando desafios de muitos tipos” (ILO, 2019, p.1). 

O relatório WESO: Trends 2019 (ILO, 2019) indica que nível de desenvolvimento de cada país e região é determinante para o grau de desafio e prioridade nas tratativas relacionadas à qualidade do trabalho, ao desemprego e a desigualdade de gênero. Quanto menos desenvolvidos os países, maiores as dificuldades encontradas; as condições de emprego em países de baixa renda, nem sequer propiciam às pessoas a escapar da pobreza. E considerando que o desenvolvimento da economia é que gera diminuição da pobreza, esta redução seria a garantia de conquistas do mercado de trabalho, como formalidade, acesso aos sistemas de seguridade social, segurança no trabalho, negociação coletiva e cumprimento das normas e direitos trabalhistas. Atualmente estas metas tornam-se inalcançáveis, em vários graus, para muitos países de baixa renda. Apesar das taxas de desemprego terem caído nos países de alta renda nos últimos anos, existe uma tendência a aumentarem em processo contínuo, e com a forte desaceleração econômica em vários países de renda média alta, houve uma inserção de grande parte da força de trabalho em condição de pobreza. Em agravamento deste cenário, as diversas possibilidades dos avanços propostos através dos modelos de negócios alicerçados por novas tecnologias inovadoras comprometem as relações de trabalho ora existentes. (ILO, 2019). 

Na Figura 1, a seguir, são apresentados cinco pontos de análise que segundo o WESO: Trends 2019 (ILO, 2019) apresentam maior relevância para o conceito de trabalho referente a esta pesquisa:























Figura 1. Pontos Críticos para as relações de trabalho no mundo.

Fonte: Livre adaptação e tradução de World Employment Social Outlook, 2019. pp. 1-2


            Conforme indicado na Figura 1, poder-se-ia admitir uma premência por ações de geração de emprego, por necessidade já que há uma previsão do aumento de pessoas desempregadas podendo chegar a 174 milhões até 2020, somadas aos 1,1 bilhão de trabalhadores por conta própria. Os jovens até 25 anos e as mulheres carecem de oportunidades em um contexto de exclusão ao novo e às diferenças de gênero, indicando, o empreendedorismo como uma forma de sobrevivência.

Para a América Latina e Caribe, a OIT (Organização Internacional do Trabalho, 2016, 2017e 2018) apresentou relatórios em que analisa de forma sintética a evolução econômica da região, bem como, a avaliação dos impactos desta evolução nos mercados de trabalho dos diferentes países que compõe a região e no seu conjunto. No Panorama Laboral 2016 (OIT, 2016) observou-se uma deterioração em praticamente todos os indicadores do mercado de trabalho, acompanhando a desaceleração econômica do período de 2011 a 2015, e a forte retração de 2016. Já no Panorama Laboral 2017 (OIT, 2017) houve uma ampla variação dos indicadores do mercado de trabalho, o que foi propiciado por um crescimento econômico, ainda que inexpressivo de 1,2%. A taxa média de desemprego regional aumentou pelo terceiro ano consecutivo de 7,9% em 2016 para 8,4% ao final de 2017 (taxa equivalente a cerca de 26,4 milhões de desempregados na região em números absolutos). Devido ao Brasil ser o país de maior representatividade econômica da América Latina e Caribe, e apresentar uma população economicamente ativa que representa 40% do total da região, se excluídos os dados concernentes à população desempregada no país, as taxas de desocupação para a região melhoram sensivelmente passando de 6,1% em 2016 para 5,8% em 2017 (resultados do terceiro trimestre). 

A situação apresentada pelo Panorama Laboral 2018 (OIT, 2018) revela dados ainda mais alarmantes relativos à taxa de desemprego juvenil para região que representaram uma sinalização negativa, indicando um crescimento de 18,9% em 2016, 19,5% em 2017 e 19, 6% em 2018, o que significa dizer que a cada cinco jovens em busca de emprego, um não consegue, e a falta de oportunidade gera neles desalento e frustração. Seguindo a tendência do quadro geral de desempregados, sinalizado acima, quando se desconsidera o Brasil, os números da taxa de desemprego juvenil reduzem significativamente de 13,7% em 2016 para 12,7% em 2017 e 12,2% em 2018, indicando um desenvolvimento positivo. O mesmo relatório de 2018 indicou que, se incluída a mão de obra agrícola e não agrícola, a taxa de informalidade chegou naquele ano a 53,8%, o que representou, em números absolutos, 140 milhões de pessoas em ocupações associadas a condições precárias, falta de direitos e desproteção social. Outro importante ponto de observação no relatório de 2018 foi a tendência da transferência da população ativa do setor formal assalariado para o trabalho por conta própria, sinalizando que enquanto o primeiro decresceu na casa de dois pontos percentuais – de 65,3% em 2013 para 63,4% em 2016 - o segundo evoluiu na mesma proporção – de 21,6% em 2013 para 23,6% em 2016. 

Conforme a Tabela 1, a seguir, são apresentados os dados relativos à população ocupada segundo ramo de atividade econômica, nota-se que no período de 2012 a 2017 há uma queda das oportunidades de trabalho no agronegócio, na indústria de extração e transformação ao mesmo tempo em que vemos o crescimento do número de pessoas envolvidas nas atividades voltadas ao comércio, a logística e na prestação de serviços, que concentram mais de um terço do emprego total. Esta movimentação evidencia os efeitos, para o mercado de trabalho, da aplicação da tecnologia tanto no setor primário (extrativista) quanto no secundário (a indústria de forma geral), indicando uma fuga dos trabalhadores para empreendedorismo e prestação de serviços.


Tabela1 

Estrutura da população ocupada segundo ramo de atividade econômica 2012, 2015-2017 na América Latina (percentuais).

Atividade Econômica

2012

2015

2016

2017

Tendência

Total de ocupados

100,0

100,0

100,0

100,0

100,0

Agropecuária, pesca e mineração

11,5

10,7

10,6

10,1

Eletricidade, gás e água

1,0

1,0

0,6

0,9

Indústria de transformação

13,3

13,1

12,5

12,5

Construção

8,2

7,9

7,9

7,4

Comércio

22,5

23,4

23,9

24,1

Logística

5,5

5,6

5,8

5,8

Estabelecimentos Financeiros

5,7

6,0

5,6

5,9

Serviços comunitários, sociais e pessoais

31,7

32,0

32,7

32,9

Atividades não especificadas

0,5

0,4

0,4

0,4

Nota. Fonte: Adaptação e tradução de OIT Panorama Laboral 2018, p. 42.

A migração é outro tema de grande relevância para a OIT, indicando que atualmente existem 164 milhões de trabalhadores migrantes. Durante os últimos dois anos a América Latina e Caribe tem vivido uma movimentação massiva de venezuelanos e outros povos em situações difíceis na América Central e na fronteira com os Estados Unidos. (OIT, 2018).

As taxas de crescimento econômico de 1,2% e de 2%, segundo os dados do Panorama laboral (OIT, 2018) são insuficientes para tirar as populações da situação de pobreza com a celeridade requerida, pois não indicam a resolução dos problemas da informalidade, do volume e qualidades do emprego. Da mesma forma essas taxas são insuficientes para satisfazer e financiar as demandas das classes médias em termos de serviços e empregos de qualidade. Um crescimento desejado para a obtenção de resultados positivos neste contexto deveria alcançar os índices de crescimento econômico de 5 a 6%.

No Brasil, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua/IBGE, 2019a), corrobora as tendências do mundo e para América Latina e Caribe indicando um pequeno crescimento no percentual da população ocupada (1,5%) no quarto trimestre de 2018 em comparação ao mesmo período de 2017, totalizando 91.861 milhões de pessoas com algum tipo de ocupação (com ou sem carteira assinada, incluso trabalhadores domésticos). O número de trabalhadores por conta própria (24,0 milhões de pessoas) foi recorde da série histórica e subiu 1% (mais 1.170 mil pessoas) frente ao mesmo período de 2018. Como indicado na Tabela 2, a taxa de desocupação entre 2016 e 2018 (12,17%) atinge cerca de 12.610 milhões de pessoas indicando estabilidade nos três últimos anos. A população fora da força de trabalho é de 65,269 milhões de pessoas. No primeiro trimestre de 2019 estima-se a população subutilizada tenha chegado a 28,5 milhões de pessoas, o que é recorde da série iniciada em 2012. 

Pode-se inferir à partir destes dados da PNAD Contínua e da migração da mão de obra apontada no Panorama Laboral de 2018 (OIT, 2018), que o Brasil pode apresentar um movimento ainda mais forte na transferência forçada para o empreendedorismo por necessidade.


Tabela 2

A população brasileira e empregabilidade 2012-2018

Nota. Fonte: Recuperado de “Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua – PNAD Contínua 2012 – 2018 (2019b)” file:///C:/Users/Maria%20Paula/Downloads/PNAD_continua_retrospectiva_2012_2018% 20(1).pdf. p.6

Diferentemente do que ocorreu no Brasil (PNAD Contínua/IBGE, 2019c), em Goiás a taxa de desocupação decresceu pelo segundo ano consecutivo, passando de 9,4% no último trimestre de 2017 para 8,2% no mesmo período de 2018, já a população ocupada estimada foi de 3.327 mil pessoas o que indicou uma taxa de ocupação de 59,9%, este número não apresentou variação significativa em relação ao mesmo trimestre do ano anterior (3.293 mil pessoas), denotando que apesar de um aumento na taxa de ocupação, esta não foi suficientemente significativa para absorção do volume de novos jovens participantes da força de trabalho.

A precariedade nas relações de trabalho e a saúde do trabalhador

O Mental Health Atlas 2017 (WHO, 2017) indica que menos da metade da população mundial recebe atualmente todos os serviços de saúde essenciais e, que em 2010 quase 100 milhões de pessoas foram levadas à pobreza extrema por terem que pagar pelos serviços de saúde. A situação relativa à saúde mental aparece ainda mais, apesar do progresso em alguns países relativo às políticas de implementação e planejamento de ações de saúde, existe uma carência de investimentos e de trabalhadores de saúde capacitados para lidar com a saúde mental; nos países de baixa renda esse número é menor que 2 por 100 000 pessoas sendo que nos países de alta renda ele é de 70 por 100 000, o que demonstra um grande contraste de necessidades, entendendo-se que a estimativa ideal estabelece 1 trabalhador para cada 10 pessoas com doenças mentais. 

O relatório Depression and Other Common Mental Disorders, Global Health Estimates (WHO, 2017) e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS, 2018) fizeram um alerta sobre a depressão. De acordo com estes documentos, a doença será o maior motivo de afastamento do trabalho no mundo até 2020, estima-se que atualmente 322 milhões de pessoas no mundo sofrem de depressão, 18% a mais do que há dez anos, este número representa 4,4% da população do mundo. Embora existam tratamentos eficazes conhecidos para depressão, menos da metade das pessoas afetadas no mundo (em muitos países, menos de 10%) recebe tais tratamentos. As principais dificuldades e obstáculos em relação ao tratamento da depressão incluem a falta de recursos, a falta de profissionais treinados e o estigma social associado aos transtornos mentais e a própria avaliação imprecisa dos profissionais de saúde. No Brasil a depressão atinge cerca de 5,8% da população, o que faz do país o campeão de casos na América Latina. Segundo informações publicadas no Anuário do Sistema Público de Emprego e Renda do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE, 2017) os casos de afastamento por doença do trabalho cresceram cerca de 25% entre 2005 e 2015, atingindo 181.608 pessoas. 

Apesar de um maior número de países que relataram possuir planos nacionais de estratégias de prevenção ao suicídio, estima-se que pouco menos de 800 000 pessoas morram por suicídio a cada ano, sendo essa a segunda principal causa de morte entre pessoas com idade entre 15 e 29 anos. Além da depressão, a OMS (2017) indica que no mundo, 264 milhões de pessoas sofrem com transtornos de ansiedade, uma média de 3,6%. O número representa uma alta de 15% em comparação a 2005. O impacto na economia mundial é de aproximadamente 1 trilhão de dólares por ano para o tratamento das doenças mentais. Os investimentos na prevenção e tratamento são ainda muito baixos, memo que, se tomadas por base as estimativas reportadas no Mental Health Atlas 2017 (WHO, 2018), a cada US$ 1 investido considerando em escala o tratamento de doenças mentais comuns, como depressão e ansiedade, a taxa de retorno é de US$ 4 em melhoria de saúde e capacidade de trabalho. 

Conforme os relatórios do World Economic Forum (WEF, 2018) e o Global Innovation Index - GII - (Cornell University, INSEAD and WIPO, 2018), desde a metade do século XX e, apesar da crise econômica global ter completado dez anos em 2018, as economias dos países desenvolvidos e em desenvolvimento vêm indicando crescimento econômico através do investimento em inovação tecnológica. Para Sousa, Gonçalves, Almeida & Sacamano (2017), esta situação está atrelada à criação de novas tecnologias e ao papel desempenhado pelas pequenas e médias organizações na geração de emprego e renda através do empreendedorismo e da inovação. Segundo eles a inovação seria um elemento novo na agenda das políticas públicas brasileiras, já que a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) foi implementada somente entre 2003-2006. 

Um dos principais marcos a aprovação da Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, denominada ‘Lei da Inovação’ que reflete a necessidade do país contar com dispositivos legais eficientes que contribuam para o delineamento de um cenário favorável ao desenvolvimento científico, tecnológico e ao incentivo à inovação (MCTI, 2012). Após esta iniciativa os governos estaduais também aprovaram leis de conteúdo semelhantes para permitir o uso de recursos públicos pelas organizações em projetos de inovação. Desde então, esta política pública consolidou-se fazendo parte de três planos de sucessivos do governo federal e de governos estaduais. (Souza et al., 2017, pp. 313-314).

Segundo Póvoa (2008), no Brasil assim como nos demais países em desenvolvimento o sistema de inovação diferencia-se por estar ancorado muito mais nas universidades do que nas organizações; nos países desenvolvidos participantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) o foco da inovação, principalmente, em áreas de alta tecnologia, está na agenda de prioridade das organizações. Ainda assim, no GII o Brasil estava na 69a posição entre 128 países participantes em 2014, tendo-se verificado um retrocesso significativo no GII 2018 passando a ocupar a 72ª posição entre os 140 participantes. (Cornell University, INSEAD and WIPO, 2014/2018).

Na Pesquisa de Inovação 2011 (IBGE/Pintec, 2013) verificou-se que a taxa de inovação da indústria no Brasil foi de 35,7%, considerando-se um universo de 128.699 organizações pesquisadas com dez ou mais pessoas ocupadas. No setor industrial houve maior predominância de organizações que inovaram apenas em processos (18,3%), já no setor de serviços predominaram aquelas que inovaram tanto em produto quanto em processo (21,8%). No setor de eletricidade e gás, o maior percentual de organizações inovou somente em processo (41,9%). No que diz respeito a recursos investidos em inovação, as organizações brasileiras investiram um total de R$ 64,9 bilhões em inovação, sendo 30,8% desse total (R$ 19,9 bilhões) gastos nas atividades internas de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), ainda que esse valor tenha representado apenas 0,76% do total das receitas no mesmo ano.

Diante deste cenário, considera-se que o desenvolvimento de atividades ligadas à inovação nas organizações brasileiras ainda é pequeno, indicando o papel preponderante que as incubadoras de organizações e parques tecnológicos possuem na estratégia de incentivo e promoção dos produtos e serviços inovadores. A velocidade de resposta às demandas do mercado (volume, custo e logística) e a capacidade de adaptação à inovação tornaram-se cruciais para sobrevivência dos negócios de qualquer país no mundo. Novas formas de produção de bens e serviços exigem informatização, automatização, robotização e a presença cada vez mais frequente da Inteligência Artificial. A mudança de vínculos universidade-organização de um modelo de inovação linear para um interativo possui indicativos históricos especialmente nas incubadoras de organizações ligadas às universidades. Transcendendo a produção e a disseminação da pesquisa, o conhecimento incubado está em busca de novos produtos e novas formas de organização. As incubadoras desenvolveram ideias de tecnologia e negócios em uma série de organizações e, com a finalidade de formar centros de pesquisa, estão tornando-se entidades de P&D heterogêneas. Esses desenvolvimentos, se apoiados por mudanças no ambiente regulatório e por programas de financiamento do governo, suportariam o tripé universidade-indústria-governo. (Etzkowirtz, 2002).


            O trabalho decente como estratégia e política para promoção de saúde 

Passaram-se 71 anos desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) (1948) que reconheceu ser a dignidade inerente à espécie humana, ratificando ainda que os direitos deveriam ser iguais e inalienáveis, se de fato se almejasse assegurar a liberdade, a justiça e a paz no mundo. Os 30 artigos que compõem a DUDH, um marco na história do mundo, deixa evidente o compromisso conjunto para com o respeito aos direitos humanos. Direitos esses que ultrapassam os direitos civis e políticos, até então mais valorados. Direitos econômicos, sociais e culturais, incluindo o trabalho, foram incluídos no conjunto de direitos indissociáveis a serem garantidos a todo ser humano. 

A Declaração de Viena (1993), elaborada por ocasião de uma conferência das Nações Unidas, mais de 40 anos depois da DUDH, reafirmou que os direitos seriam universais e não poderiam ser fraccionados ou hierarquizados a ponto de uns serem privilegiados em detrimento dos demais. A preocupação foi a de estimular e cobrar maior empenho da comunidade internacional e dos Estados-membros na observância de progressos sobre Direitos Humanos no mundo, forçando uma maior cooperação e solidariedade entre os países para a proteção desses direitos. 

            Conforme afirmam Rosenfield e Pauli (2012), o Brasil engajou-se nesta luta tardiamente. O processo de redemocratização ocorreu em 1985; a Constituição Federal foi promulgada em 1988; a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes se deu em 1989; e a adesão ao Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais ocorreu somente em 1996. 

No que tange ao trabalho, a constituição brasileira de 1988 passou a assegurar o trabalho digno, estendendo muitos direitos até então reservados a classes privilegiadas aos trabalhadores. No entanto, só mais tardiamente, em 2010 o governo brasileiro estabeleceu o Plano Nacional de Trabalho Decente, com o objetivo de combater a pobreza e as desigualdades sociais. 

O trabalho decente foi formalizado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1999 (https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-decente/lang--pt/index.htm). Está em alinhamento com a missão dessa entidade internacional de diminuir a desigualdade social, a pobreza, assegurando a governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável. Quatro objetivos estratégicos da OIT estariam relacionados ao trabalho decente: (i) o respeito aos direitos no trabalho (liberdade sindical, direito de negociação coletiva, eliminação da discriminação no emprego e erradicação do trabalho forçado e infantil); (ii) a promoção do emprego produtivo e de qualidade (dando sentido e significado do trabalho, grifo nosso); (iii) a ampliação da proteção social (familiares e desassistidos); e (iv) o fortalecimento do diálogo social (negociação como forma de superar conflitos). 

O último relatório sobre o trabalho decente no Brasil disponível no site da OIT Brasil data de 2009 e foi publicado sob a forma de livro, encontrando-se esgotado (https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-decente/WCMS_226245/lang--pt/index.htm). O resumo do relatório indica progressos no período estudado com destaque para o declínio do trabalho infantil e aumento dos trabalhadores com contrato formal, embora alerte para a disparidade salarial entre homens e mulheres, e entre trabalhadores negros e brancos, para o agravamento também do número de jovens que não estudam e nem trabalham (geração nem/nem), e para a persistente e inaceitável presença do trabalho forçado no Brasil. 

O trabalho digno é outro conceito definido pela OIT (https://www.ilo.org/lisbon/temas/WCMS_650867/lang--pt/index.htm), para dar conta de aspectos de natureza desenvolvimental, moral, econômica e social envolvidos nessa importante atividade humana de transformação. O trabalho digno é aquele que respeita as aspirações humanas no que tange a realizar um trabalho produtivo e com sentido, em condições de igualdade de oportunidades, de liberdade de expressão e segurança no trabalho, recebendo remuneração justa e proteção social. O trabalho digno é considerado um requisito fundamental para uma Globalização Justa. Estaria assim associado à Justiça Social, que permitiria garantir um desenvolvimento sustentável nas próximas décadas.

De que modo o trabalho digno estaria relacionado ao trabalho decente? Seriam dois conceitos antagônicos ou complementares? Na perspectiva de Rosenfield e Pauli (2012), o trabalho decente estaria vinculado aos Direitos de cidadania, do âmbito da Ordem jurídico-política de um país, estado ou constituição federal, ao passo que o trabalho digno, aos Direitos naturais, universais e históricos. No primeiro caso, a antítese do trabalho decente seria o trabalho precário (ver Mocelli, 2011), que vemos crescer assustadoramente no Brasil. No segundo caso, estaria em jogo o discernimento do que seria bom ou mau, certo ou errado. No entanto, seria possível um trabalho digno sem ser decente? 

Para esta discussão, as autoras supracitadas apoiaram-se em Gosdal (2006) que afirma que a dignidade no trabalho não poderia ser previamente definida, dada a variabilidade das condições econômicas, jurídicas e sociais que regem a atividade laboral humana. Em poucas palavras significa dizer que a dignidade é algo a ser conquistado em um processo contínuo de construção da sociedade. Gosdal (2006) em sua tese de doutoramento critica o conceito de dignidade na modernidade e argumenta que o trabalho decente seria um dos componentes da dignidade, em um esforço para recuperar o conceito de honra. A referida autora apoia-se em Rocha (2004) para quem o sentido de dignidade na atualidade se descolou da sua origem etimológica de mérito, louvor e decência, para concebê-la de modo mais amplo como um contínuo processo de aperfeiçoamento da vida, em termos de saúde, educação, segurança, cultura e de meio-ambiente equilibrado, usufruindo de todos os bens comuns a toda a humanidade. 

O direito à vida digna pode ser descrito em três esferas: (i) ter condições de alcançar os ideais pessoais e de realização plena; (ii) usufruir de liberdade de escolha e de expressão; e (iii) de não ser desrespeitado em suas diferenças dos demais. A existência digna se manifesta também no âmbito da ordem econômica e da justiça social, que consistem em ser remunerado de modo justo no trabalho que se realiza, sendo valorizado e reconhecido. Nesse sentido, o conceito de dignidade envolve também o de inclusão social, em que se repudia a toda e qualquer discriminação e tratamento desigual.

A proposta de articulação entre trabalho decente e trabalho digno feita por Rosenfield e Pauli (2012) baseia-se no conceito de reconhecimento social do modelo de Honneth (2003, 2010). O debate entre os modelos de reconhecimento propostos por Taylor, Honneth e Fraser foi objeto de análise de Mendonça (2006). Nessa análise crítica, Mendonça ressalta que os modelos de Taylor e Honneth se apoiaram em Hegel ao dar importância ao reconhecimento intersubjetivo para a autorrealização pessoal e a construção social, enquanto o modelo de Fraser o fez a partir da perspectiva de status social de Weber, neste caso enfatizando a relevância da distribuição de recursos. Para Taylor e Honneth os indivíduos lutam pelo mútuo reconhecimento no cotidiano, como via para alcançar a autorrealização e o desenvolvimento saudável e autônomo. 

O modelo de Taylor (1994), por sua vez, apoia-se em duas políticas: da dignidade universal (lutar pela não-discriminação) e da diferença (respeitar a diferença). O respeito e a valorização do diferente seriam princípios-guia. Honneth (2003) segue Taylor e afirma que a plena realização é obtida por meio do reconhecimento intersubjetivo negociado nas relações cotidianas. A proposta de Honneth (2010) coloca o reconhecimento social como uma categoria moral abrangente e fundamental para a sociedade. Esse reconhecimento, que estaria na base de uma conciliação entre a ética política e a moralidade social, dar-se-ia em três dimensões: (i) das relações sociais primárias (amor, respeito e amizade); (ii) jurídica (direitos do trabalhador); e (iii) valor social (solidariedade e estima social). No entendimento de Mendonça (2006), Honneth atualiza Hegel recorrendo ao interacionismo de George Mead, para quem o social está na base da construção da identidade e a evolução moral da sociedade é resultado da contínua busca pelo mútuo reconhecimento. Mead também veria o reconhecimento baseado em três tipos de relação: (i) amorosas (familiares afetivos), (ii) as pautadas nas leis (normas instituídas e regulamentadas) e (iii) as de trabalho (valorização da contribuição dos indivíduos para a coletividade). As primeiras contribuem para a autoconfiança, as segundas para o respeito à regra geral, e as terceiras para a estima social. O desrespeito, colocando o foco no trabalho, seria caraterizado por tudo aquilo que lesa a integridade corporal (minando a autoconfiança), que nega os direitos, fazendo com que as pessoas se percebam sem status social, e que desqualifica os valores de grupos e indivíduos, prejudicando sua autoestima.

Por último, o modelo de Fraser (1994) inclui, além da noção de reconhecimento, a redistribuição material, que diminuiria as diferenças. O não reconhecimento do ponto de vista de Fraser seria um problema de desvalorização cultural e de hierarquia social (subordinação) e menos de fragilização da identidade social, crítica que dirige ao modelo de Honneth. O reconhecimento para Fraser dar-se-ia pela participação dos desvalorizados (os de menor status social) em processos de diálogos na busca de solução para superar a subordinação social. 

A importância de se discutir na atualidade o trabalho decente e o trabalho digno e formas de assegurá-los tornou-se ainda mais urgente em decorrência da recente reforma trabalhista brasileira e das mudanças na política econômica dos últimos governos, que fizeram crescer a precariedade do trabalho no Brasil. Embora não seja um fenômeno apenas brasileiro, evidencia-se de modo avassalador o desmonte das bases que sustentavam direitos dos trabalhadores e controlavam o nível de exploração em termos de condições de trabalho e ataques à dignidade a que estavam expostos. Esse preocupante cenário brasileiro compele diversos organismos da sociedade civil e também pesquisadores e profissionais que se dedicam ao trabalho humano no Brasil, a atuarem para dar contribuições em seus respectivos domínios de conhecimento para diversos segmentos da sociedade. 

Urge também analisar essas configurações do trabalho na atualidade em diversos âmbitos do (a) trabalhador(a), considerando seus impactos na sua qualidade de vida, no seu bem-estar, no seu desempenho produtivo, nas relações com colegas, família e amigos e que infringem a decência no trabalho e colocam em risco a sua dignidade como pessoa humana. O conceito de configuração está sendo tomado emprestado de Norbert Elias (1994), para quem a configuração social é um padrão resultante da interdependência de ações de atores sociais. No sentido adotado nesta proposta, as configurações do mundo do trabalho atual são fruto de ações interdependentes de atores políticos que impõem uma condição aos demais que possuem menor poder de influência. Em resumo, é uma teia de diferenciações qualitativas em tensão. Ao se levar em conta esses graves aspectos o presente GT almeja planejar possíveis ações para monitorar e propor intervenções para fazer face a essa nova realidade do trabalho, do trabalhador e das organizações de trabalho.

Em recente artigo, Oliveira, Fialho, Reis, Franco e Santos (2018), autores de formação em Direito, propuseram-se a analisar a constitucionalização do Direito do Trabalho e os impactos da Reforma Trabalhista para a saúde do trabalhador. Baseando-se em Bonfim (2017), Carvalho (2017), Leite (2018) e Martinez (2016) argumentam que a Reforma Trabalhista de 2017 (Lei 13.467) trouxe grandes prejuízos à saúde do trabalhador. A referida Reforma foi levada a termo sob o pretexto de modernização, flexibilização e garantia de empregabilidade, mas a rigor violou a constituição, restringindo direitos ao trabalhador historicamente assegurados. Prejuízos relacionados à integridade física e mental (biológicos e psicológicos), à convivência familiar e à sociabilidade (sociais) e à queda brutal de rendimentos (econômicos) levariam o trabalhador a uma condição de grande risco à saúde e a uma vida digna. A redução por exemplo do tempo de repouso após 6 horas trabalhadas de 1 hora para 30 minutos reduz pela metade o tempo para o trabalhador alimentar-se e recuperar-se da jornada anterior. Outro aspecto que prejudica diretamente a saúde do trabalhador se refere à retirada da contagem da jornada de trabalho do tempo de deslocamento (casa-trabalho-casa), o que certamente leva o trabalhador a aumentar o número de horas dedicadas a atividades direta ou indiretamente relacionadas ao trabalho, retirando-o do convívio social (família e amigos).

No entendimento de Carvalho (2017), a reforma trabalhista de 2017 enfraquece o poder de barganha dos sindicatos e desobriga o trabalhador de contribuir para sua entidade de representação (fragilização institucional), institui o contrato precário (jornada parcial e trabalho intermitente), reduz o pagamento de horas extras e permite que o acordo sobre horas extras seja apenas verbal. A reforma prejudica seriamente o trabalhador, pois gera insegurança jurídica nas rescisões contratuais ao retirar a participação dos sindicatos, ao tempo que favorece os empregadores, ao reduzir de modo expressivo os custos das demissões para as empresas. 

A recente nota técnica do Dieese (número 215 de novembro de 2019) dá destaque ao novo desmonte dos direitos trabalhistas instituído pela recente medida provisória MP 905/2019 do presidente Jair Bolsonaro. De acordo com a referida nota, a MP retira mais direitos e pode ampliar a precarização que se encontra em andamento. A MP estimula o primeiro emprego de jovens (contrato verde e amarelo- VA), mas acaba ampliando a reforma trabalhista ao (i) criar a modalidade de contrato precário de trabalho; (ii) aumentar a jornada de trabalho; (iii) enfraquecer os mecanismos de registro, controle e punição a qualquer infração do empregador; (iv) ratificar a exclusão do sindicato do papel da negociação coletiva (contrariando a Convenção 144 da OIT); e (v) facilitar medidas demissionárias, reduzindo a possibilidade de o trabalhador e a trabalhadora reclamarem seus direitos. A nota técnica também menciona as variadas formas de precarização no Brasil ocorridas desde 2015: (i) informalidade (trabalhadores sem registro ou autônomos); (ii) subocupação por insuficiência de horas; (iii) contratos intermitentes ou por tempo parcial; e (iv) condições de instabilidade no emprego de carteira assinada. Inúmeras isenções fiscais para a empresas e retiradas de direitos do trabalhador jovem são previstas na MP como remuneração e gratificação de férias, 13o salário e FGTS. 

Dados recentes do PNADC/IBGE (Pesquisa Nacional de Amostras de Domicílio Contínua- Instituto Brasileiro de Geografia e estatística – jul/ago/set, 2019) indicam que 44% das pessoas ocupadas encontra-se na informalidade, 26% trabalhando por conta própria e 8% sub- ocupados (trabalham menos de 30 horas). Além da precariedade das condições de trabalho que sinalizam degradação, há nítidas evidências de desigualdades entre trabalhadores, homens e mulheres, trabalhadores negros e não negros. 

Técnicos do Dieese/Bahia analisaram os dados do PNADC 2019 sobre a inserção do negro no mercado de trabalho comparando trabalhadores negros e não negros. Embora a população brasileira negra (56,1%) seja representativamente maior do que a não negra (43,9%) há forte disparidade no mercado de trabalho. Quando se leva em conta cargos ou funções de ensino superior as vagas são principalmente ocupadas por não negros (68%) e a situação é pior quando se leva em conta o sexo. As mulheres negras estão em pior situação. Enquanto a taxa de desocupação de não negros homens é de 8,2% e de homens negros é 12 %, a taxa de desocupação de mulheres negras sobe para 16,7%, porcentagem bem acima dos 11% das mulheres não negras. 

Os índices de subocupados saltou de 5 milhões (3o e 4o trimestre de 2018) para 6,8 milhões no primeiro trimestre de 2019, sendo que 67% deles são negros (Boletim Dieese, 12/abril/maio de 2019). O Boletim sobre emprego também do Dieese (13 de agosto de 2019) alerta que em 2018 houve crescimento da proporção de recém-formados sem trabalho (13,84%) , quando comparado a 2014 (8,2%). Nesse mesmo ano de 2014, 51% dos jovens recém-formados que se encontravam trabalhando ocupavam postos de nível superior, ao passo que em 2018 esse número despencou para 35 %. Para os que estavam na faixa entre 30 e 44 anos a queda foi ainda maior chegando à cifra de 18%. O rendimento total também caiu de 3.326 reais (2014) para 2.637 reais (2018). 

Todos esses dados aqui relatados são preocupantes e desnudam um cenário que exige uma séria mobilização da comunidade científica e profissional para compreender a fundo a sua complexidade e propor ações para fazer frente a esse desmonte, cujos impactos são devastadores para a saúde, a qualidade de vida, o desempenho produtivo e o bem-estar do trabalhador, colocando em risco também a saúde e a sobrevivência das organizações de trabalho. Sendo um tema bastante complexo, o presente GT almeja se dedicar a mais estudos para amadurecer a proposta a ser discutida e elaborada para o próximo biênio durante o Simpósio em 2020. A preocupação é de fato vir a contribuir de modo efetivo para abordar essa configuração do mundo do trabalho atual que impõe inúmeros desafios.

            O Dieese mantém atualmente dois Observatórios de Trabalho, um em Salvador e outro em São Paulo. Conforme consta na página da entidade (https://www.dieese.org.br/materialinstitucional/obsApresentacao.html), a iniciativa de criar os observatórios resulta de demandas do poder público, e requer parceria com os governos dos Estados da federação e diversos atores sociais. A missão de tais observatórios é a de acompanhar e analisar diversos aspectos e indicadores (econômicos, ocupacionais, de rendimentos, de condições de trabalho em cada setor, etc.), gerando insumos para futuras intervenções conjuntas. Seu compromisso é claramente com a elaboração de políticas públicas de emprego, trabalho e renda. 

A Psicodinâmica do trabalho como base teórica e metodológica


Dentre as diversas abordagens que buscam refletir sobre as relações entre a saúde/doença mental e o trabalho destaca-se a Psicodinâmica do trabalho, por ser a abordagem que mais desenvolveu reflexões sobre os aspectos psíquicos e subjetivos mobilizados nas relações entre trabalhador e organização do trabalho.

Essa abordagem possibilita uma compreensão contemporânea sobre a subjetividade no trabalho, porque trouxe um novo olhar nas ciências do trabalho, ao propor a criação de espaços de discussões, onde os trabalhadores pudessem expressar sua voz, seus sentimentos, contradições do contexto do trabalho que respondem pela maioria das causas geradoras de prazer e de sofrimento (DEJOURS, 1992).

As clínicas do trabalho consideram que é a partir do diálogo entre os trabalhadores que e possível levantar as representações relacionadas ao seu trabalho; conhecer os indicadores de prazer e sofrimento advindos do trabalho, e ainda auxiliar a elaboração de estratégias de enfrentamento ao sofrimento no trabalho. Existem quatro abordagens teórico-metodológicas das clínicas do trabalho: a psicodinâmica do trabalho; a clínica da atividade; a psicossociologia e a ergologia. Destas, a que embasou teoricamente essa coletânea é a psicodinâmica do trabalho. 

A psicodinâmica trabalha com uma clínica embasada no uso da palavra, preferencialmente nos espaços de discussão coletivos, visando a ressignificação do sofrimento, a emancipação, a elaboração de estratégias coletivas e a mudança na organização do trabalho. Os pressupostos compartilhados por essa abordagem resumem-se a quatro pontos de convergência: o interesse pela ação no trabalho, o entendimento sobre o trabalho, a defesa de uma teoria do sujeito e a preocupação com o sujeito e com o coletivo em situações de vulnerabilidade no trabalho, conforme Bendassolli e Falcão(2015). 

A abordagem psicodinâmica do trabalho utiliza como base teórica os conceitos da Psicanálise, como disciplina, e se revela essencialmente multidisciplinar, já que integra também conceitos da Medicina do Trabalho, da Ergonomia e da Psicologia. 

A clínica do trabalho, baseada na abordagem da psicodinâmica do trabalho, presume uma análise compreensiva da dinâmica prazer-sofrimento no contexto de trabalho, enfatizando o coletivo de trabalho e as estratégias defensivas desenvolvidas pelo grupo para atuação nesse contexto, buscando a normalidade e evitando o adoecimento.

Principais elementos em Psicodinâmica do trabalho 


A abordagem da psicodinâmica e clínica do trabalho vem sendo utilizada para estudar a relação do homem com o trabalho no Brasil, desde a década de 1980. Essa teoria, preconizada por Christophe Dejours, enfoca a gênese e as alterações do sofrimento mental vinculadas à organização do trabalho. Esta seria a fonte geradora de tensões e constrangimentos capazes de desestruturar a vida psíquica do sujeito. A organização do trabalho refere-se a duas dimensões distintas (MOLINIER, 2013):

  1. a divisão técnica do trabalho dispõe sobre o que deve ser realizado e como deve ser feito (indicando modalidades, ferramentas, procedimentos, quais meio e máquinas, tipo de competências,.) etc;
  2. a divisão social e hierárquica do trabalho estabelece as normas de comando e de coordenação, os graus de responsabilidade e autonomia, e tudo o que se destaca na avaliação de trabalho.

 A maneira como essas dimensões são estabelecidas e se são elas rigidamente cumpridas em determinada organização podem definir se o trabalho irá favorecer a alienação, a construção de defesas patológicas, o sofrimento e o adoecimento, ou se possibilitará a emancipação, a construção de defesas de adaptação, a criatividade, o reconhecimento e o fortalecimento da identidade (FLEURY; MACÊDO, 2012).

Em 1992, Dejours apresentou uma metodologia para a psicodinâmica do trabalho, na época ainda nomeada de psicopatologia do trabalho, em que a criação de espaços de discussão coletivos é o caminho para a identificação das estratégias defensivas coletivas. Para o autor a análise da organização do trabalho, das relações do trabalho e das condições do trabalho, pode promover a mobilização subjetiva e possibilitar a ressignificação das vivências de sofrimento advindas dessas categorias. A constituição de espaços coletivos possibilita ampliar a percepção do trabalhador sobre ele mesmo, favorecendo o seu processo de emancipação e a consequente intervenção naquilo que o grupo identifica como necessário para melhorar a organização do trabalho.

Para orientar os trabalhos, teóricos e práticos desenvolvidos com base na abordagem da psicodinâmica do trabalho, alguns pressupostos são essenciais, e, dentre eles, Ferreira (2011) destaca:

  1. a centralidade do trabalho para o sujeito na constituição da sua subjetividade;
  2. a não neutralidade do trabalho em relação à saúde mental e à constituição da identidade do sujeito;
  3. a possibilidade de mudança das situações de trabalho tendo em vista que elas existem em função das decisões humanas e não por uma fatalidade;
  4. a direção dessas mudanças ocorre com uma modificação do trabalho e não com a adaptação dos trabalhadores ao trabalho existente. 

Com esses pressupostos, a psicodinâmica do trabalho desenvolve uma teoria que possibilite atender a eles. Trata-se de categorias de análise que orientam a investigação dos contextos de trabalho nas quais os trabalhadores estão inseridos. 

O quadro 1 apresenta os conceitos das principais categorias de análise para a Psicodinâmica do trabalho.

Quadro 1  Categorias de análise da Psicodinâmica do trabalho

Categoria

Elementos da categoria

Definição

Organização de trabalho

Organização de trabalho

“Divisão de tarefas entre os trabalhadores, repartição, cadência, e, enfim, o modo operatório prescrito e a divisão de pessoas: repartição das responsabilidades, hierarquia, comando, controle, etc” (DEJOURS, 2009, p. 125).

Relações de trabalho

Referem-se as relações com as chefias imediatas e superiores, com os membros da equipe de trabalho e as relações externas(clientes, fornecedores e fiscais (PIRES; MACÊDO, 2011).

Mobilização Subjetiva

Vivencias de prazer e sofrimento

Os indicadores para as vivências de prazer são o reconhecimento e a autonomia/liberdade.

Os indicadores de sofrimento são a sobrecarga e a falta de reconhecimento.


Estratégias de enfrentamento individuais e coletivas

A cooperação como estratégia de mobilização coletiva, representa uma maneira de agir de um grupo de trabalhadores para ressignificar o sofrimento, fazer a gestão das contradições do contexto de trabalho e transformar em fonte de prazer a organização do trabalho, a qual seria possível a sua realização a través do espaço público de discussão e pela cooperação entre os sujeitos (FERREIRA; MENDES, 2003). 

As estratégias de defesa têm como função adaptar o sujeito às pressões de trabalho com o objetivo de conjurar o sofrimento. Diferenciam-se dos mecanismos de defesa do ego por não serem interiorizados e persistirem com a presença de uma situação externa (ROSSI, 2008). 




A organização do trabalho, com suas prescrições, define os destinos que o sofrimento do trabalhador terá, podendo tornar-se criativo ou patogênico, dependendo da margem de negociação entre suas imposições e a realidade do trabalho.


            A constituição do espaço de discussão coletivo: a base da clínica do trabalho

A proposta da psicodinâmica do trabalho parte do pressuposto de que os espaços de discussão coletivos funcionam como um meio no qual reflexões e desconstruções possam tornar-se realidade nas organizações, e como tal, auxiliem a apropriação de uma nova concepção sobre o sofrimento psíquico no trabalho. Esse espaço, ao possibilitar o aparecimento das estratégias de defesa coletivas, proporciona uma maior consciência sobre a gestão organizacional e a análise da configuração da realidade e, por si só, pode fortalecer a identidade de cada trabalhador, o que contribui para sua saúde mental.

Os ajustes necessários para gerir a organização do trabalho requerem um espaço para discussão acerca do real do trabalho. No entanto, apenas um espaço e um grupo de trabalhadores não serão suficientes para garantir condições que permitam que a palavra viva ocorra. A confiança e a relação de equidade entre quem fala e quem escuta constituem as bases necessárias para que os trabalhadores cooperem entre si e assumam o risco de formular as suas vivências, as quais ainda podem estar em fase de elaboração. A inteligência no trabalho precede a sua elaboração. Os resultados do espaço de deliberação estão relacionados às condições construídas para uma palavra incerta, inacabada (DEJOURS, 2012).

 A intenção de falar para ser compreendido perpassa a percepção de que há uma disposição genuína de escuta. A fala pode ser estimulada pela expectativa de promoção de uma ação, do favorecimento de um consenso, da aproximação de pontos de vista, da formulação de decisões convenientes, etc. No entanto, ela também pode ser reprimida pelo risco de o trabalhador ser julgado, criticado e condenado com base em mentiras proferidas pela organização e pelas distorções comunicacionais que preenchem os espaços de deliberação, o que permite que seja manipulado. 

A apreensão da realidade do mundo das organizações, vivenciada pelos indivíduos em seu trabalho, deve ser feita com a utilização de uma metodologia que possibilite a compreensão das dinâmicas intra e intersubjetivas com que os sujeitos se defrontam em sua realização, sendo coerente com os pressupostos dessa abordagem e possibilitem o acesso às vivências relacionadas ao trabalho. Essa metodologia requer gestores que aceitem sua fragilidade como seres humanos, que são falíveis. A questão que se apresenta a eles é: como ouvir, ou permitir que os subordinados falem sobre seu trabalho, quando se pretendem serem onipotentes?

A apreensão da realidade no trabalho só é possível com base na palavra do trabalhador. O espaço de fala possibilita a expressão e a elaboração das vivências no trabalho. Desta forma, a pesquisa não pode se limitar a captar o estado instantâneo das coisas, mas a dinâmica da relação e a construção do sentido, do vivido no trabalho (ROSSI, 2008). Os pesquisadores respondem pela tarefa de uma escuta qualificada sobre o conteúdo das falas – consensos, contradições, expressões de sofrimento – acerca de diferentes temas relacionados à organização do trabalho. O objetivo dos grupos é promover uma reflexão e uma ação transformadora (HELOANI; LANCMAN, 2004). 



Equipe do Projeto

Nome Função no projeto Função no Grupo Tipo de Vínculo Titulação
Nível de Curso
CAROLINA MARTINS DOS SANTOS
Email: camasapsi@hotmail.com
Pesquisador Estudante [aluno] [null]
GABRIEL ARANTES BATISTA
Email: bbatistarantes@gmail.com
Pesquisador Estudante [aluno] [null]
ISABELLE ROCHA ARAO
Email: isabellearao@gmail.com
Pesquisador Estudante [aluno] [null]
KATIA BARBOSA MACEDO
Email: katiabarbosamacedo@gmail.com
Coordenador Pesquisador [professor] [doutor]
KEILA MARA DE OLIVEIRA FARIAS
Email: keilamara.ofarias@gmail.com
Pesquisador Estudante [aluno] [null]
LETICIA MORAES COSTA CRESPO
Email: leticia.mccrespo@gmail.com
Pesquisador Estudante [aluno] [null]
SIMONE MARIA MOURA MESQUITA
Email: sihoedu@yahoo.com.br
Pesquisador Pesquisador Externo [externo] [doutor]