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RECONTAR A VIDA: MULHERES EM NARRATIVAS
2018/2 até 2022/2
ESCOLA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E HUMANIDADES
CULTURA, PODER E REPRESENTAÇÕES
CULTURA E LINGUAGENS
MARIA DO ESPIRITO SANTO ROSA CAVALCANTE RIBEIRO
Objetivos Gerais:
3.1 - Historicizar o recontar a vida de mulheres através de suas experiências e de seus lugares de sociabilidades.
3.2- Empreender um estudo a partir da categoria mulheres como viés de leitura dessas experiências pessoais, legítimas e legitimadoras do tempo e do lugar em que seus protagonismos as tornam visíveis.
3.3- Contribuir para os usos das histórias de vidas, pela perspectiva da experiência de vida das mulheres, enquanto referências deslegitimadoras dos saberes históricos construídos a partir de um sujeito único.
3.1 – Objetivos específico
3.1.1- Considerar que as mulheres que viveram os mesmos períodos históricos, ainda que muito próximos, não são contemporânesas pois, ‘o critério de sexo,a idade, a categoria social, o local geográfico, a tradição, ou a cultura”, (Corbin, 2005) que cada mulher vivenciou não mensura a singularidade de sentir o seu mundo e as múltiplas possibilidades de expressá-lo.
3.1.2- Considerar essa complexidade e simultaneidade de experiências de vida muito diferentes entre as mulheres, que se inserem num mesmo tempo e lugar geográfico, como pressuposto do campo das sensibilidades.
3.1.3- Legitimar o campo das sensibilidades como a via possível de apreensão do passado pelos sentidos, o que exclui qualquer tentativa de construção de narrativa histórica homogênea reduzida, portanto, a um sentido único.
3.1.4-Constatar que as categorias espaço e tempo , “não estão presentes no mundo empírico como um dado, mas como um produto mental, sob a forma de representações.”(Pesavento, 2004)
3.1.5-Historicizar as representações que estas mulheres constroem a partir do recontar a vida, são portadoras de sentidos que se constroem nos limites de suas experiências de vida no âmbito do espaço doméstico e de suas relações de grupo.
3.1.6- Aplicar os usos dos conceitos e categorias metodológicas “em termos de fronteira e de contato”(Perro,1998:357) considerando sempre o lugar de onde falam estas mulheres, como falam e para quem falam.
3.1.7- Comprovar que fazer história na perspectiva da subjetividade, pressupõe o diálogo constante entre as fontes do campo das representações(a oralidade, a literatura, as imagens e outras) e o campo das práticas sociais.
3.1.8- Contribuir para pensar as subjetividades como o campo da pesquisa histórica que lida com o imensurável, a vida privada e suas sutilezas e formas de revelar, de exorcizar ou esconder as emoções guardadas e que podem ser recontadas ou esquecidas.
3.1.9- Contribuir para os usos da memória na pesquisa histórica e a relação necessária e indispensável que esta estabelece com “as fontes escritas, os objetos e a arqueologia do cotidiano.”(Perrot,1998:358)
Por considerarmos que as mulheres têm vidas inteiras que merecem ser ditas e ouvidas, este projeto propõe pesquisar as práticas sociais que intersectam o cotidiano dessas mulheres, seja o trabalho, seja a religiosidade, seja a sexualidade, considerando os lugares em que elas estão historicamente inseridas. As categorias narrativas e mulheres remetem esta pesquisa ao campo das sensibilidades. E por esta perspectiva, pressupõe-se estar “ diante de um infindável acervo de vestígios do passado que ficaram á margem da pesquisa, sem interpretação. Acervo que demanda uma nova leitura, mais cuidadosa, observação sensível e inédita dos acontecimentos anteriormente relatados em perspectiva estritamente econômica, social e político- institucional.” (Langue, 2006:24). Um recorte que imputa a/o historiador/a “de tomar como ponto de partida a maneira como as pessoas que se estuda representavam-se, e de entender a coerência de suas representações.” (Corbin, 2005) Quais lembranças do tempo e de si são possíveis serem recontadas? De se construírem narrativas históricas? Considerando que “ao se falar dos sentimentos, paixões, dos sentidos como ponta de partida da análise das “paisagens mentais”, a apreensão pelo sentido não pode ser homogeneizada, reduzida a um sentido único.”(Langue,2007:28), constatação que remete a questão específica do campo das sensibilidades, isto é, “... de certa forma os indivíduos que vivem um mesmo período não são contemporâneos (...) não se sente as mesmas coisas, segundo uma série de critérios: o sexo, a idade, a categoria social, o local geográfico, a tradição, ou a cultura que se recebeu. O historiador da cultura deve sempre tentar entender essa complexidade, essa simultaneidade de atitudes muito diferentes segundo os indivíduos e segundo os grupos.”( Corbin,2005)
A categoria mulheres tem sido amplamente discutida em diferentes linhas de pesquisa e diferentes metodologias. Se parecia natural seu uso em si tratando de compreender as relações generalizantes pelas quais se constituíam hierarquias de poder entre os sexos (Scott, 1995), ou ainda, como sujeito outro em relação ao masculino numa perspectiva em que assume um sentido de periferia identitária (Hall,2001; Costa, 2002), passou a ser questionada em trabalhos como o de Judith Butler (2003) em que a subversão das identidades é colocada como atitude política necessária ao avanço da plataforma feminista.(Cassimiro,2007)
Nesse trabalho, entretanto, é utilizada para referenciar corpos socialmente generalizados como sendo de mulheres. Não significa que se ignora o fato desta categoria encerrar a própria relação de hierarquização e dominação a que se busca, como pretexto de pesquisa, desconstruir. Longe disso, considera-se como Louro (apud Muniz, 20004: 1050) que a identidade e o sujeito compreendem construções no seio de configurações sociais. No entanto, a partir da compreensão de uma história em que este grupo social pode ser considerado sujeito, percebe-se já o descentramento(Burke, 1992) em relação ao masculino por reconhecer uma história a quem julgavam, nessas interpretações centralizantes/masculinizantes, não possuir história (Costa, 2002).
Partindo desses pressupostos pretende-se construir narrativas outras, numa leitura que reivindica a categoria mulheres como narradoras de suas histórias de vida, da auto imagem que constroem de si como protagonistas.
Quando se propõe conhecer e reconhecer os diferentes tempos e lugares, cifrados como sociabilidades femininas, têm-se como referência o deslocamento do poder das instituições para a esfera da vida privada, do cotidiano, das subjetividades, das sensibilidades. É esse viés que interessa a proposta dessa pesquisa ,isto é, questionar as representações já naturalizadas e cristalizadas sobre as mulheres para “ recuperar diferentes verdades e sensações; promover a descentralização dos sujeitos e permitir a descoberta das novas experiências, procurando articular experiências e aspirações de agentes aos quais se negou lugar e voz dentro das análises convencionais.”(Matos,2002: 1049)
Perspectiva que traz ao debate as possibilidades de recuperar as representações que estas mulheres constroem de si, até que ponto suas histórias recontadas, irão objetivar uma leitura que articula o lugar, as histórias de vida e as novas abordagens conceituais da pesquisa histórica, que referenciam os estudos, para além de uma perspectiva espacial e totalizante, para perscrutar o indefinido, o híbrido, as singularidades e, identificar estes lugares de cultura desde a segunda metade do séc. XIX, e algumas décadas do séc. XX, no Brasil.
É oportuna a leitura do Certeau(1982: 77) quando diz:
O gesto que liga as idéias aos lugares, é precisamente um gesto do historiador.Levar a sério seu lugar não é ainda explicar a história. Mas é a condição para que alguma coisa possa ser dita sem ser legendária( ou edificante), nem a-tópica ( sem pertinência). (...) Bem mais do que isto, instalando o discurso em não – lugar, proíbe a história de falar da sociedade e da morte,quer dizer, proíbe-a de ser a história.
Não é novidade que a questão do lugar social das mulheres, até bem pouco tempo, em algumas abordagens totalizantes da história, era demarcado como o espaço do privado,aqui entendido, como o lar, a família, a maternidade, como o espaço natural da “ realização das potencialidades femininas” , em oposição ao espaço público, que é histórico e portando, provido da cultura gestada pelos homens. ( Matos, 2002: 1055)
Conhecer os lugares de onde falam estas mulheres, é reconhecê-las para além de um espaço delimitado, pois, este “não se reduz mais a espacialidade”. Só é possível identificá-lo “onde estão atualizados os seus postulados culturais.” Reconhecimento que aponta para,
o fato de que não existe o sertão, existem , no entanto, os sertões circunstanciais, pequenos, rendilhados, no campo, na cidade interiorana, na cidade grande, cruzados e delimitados pelas estradas de rodagem, pelos povoados, pelas pequenas cidades cobertas de antenas – “o sertão, ah, o sertão está em toda parte”; “ o sertão está dentro de nós”; “o sertão é o que não tem fim” ; “ o sertão é o sertão”; “o sertão tem muitos nomes”. O sertão é o que atualiza categorias de uma cultura historicamente diferenciada ( e que se diferencia historicamente a cada dia) mediante estruturas sócio- políticas e econômicas (...)De um lado, portanto, há as categorias que historicamente definem o que é o sertão, indicam seus dados culturais principais desde sua remota aparição, generalizam-se como regionais de Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste, Norte e, de outro, as atualizações de múltiplos sertões, pequenos, rendilhados, recortados, diferentes das totalidades, e que recriam essas categorias acumulativa, dialética e diferencialmente a partir de seus dados culturais. ( Vicentini, 2000:6)
Corbin(2005) em uma de suas entrevistas recomenda que “ seria preciso fazer estudos sobre a origem geográfica dos historiadores.” Pois, ele mesmo, reconhece o seu prazer pela história por ser “ oriundo do campo, do Bocage normando, cuja paisagem formiga de igrejas, de abadias, de testemunhos do passado...” E reconhece: “ É possível que esta inclinação para o passado da região na qual eu cresci tenha favorecido o interesse pelo passado.”
Ao deparar-me com este momento da entrevista, comecei a indagar: porque propor um projeto de pesquisa cujo eixo de preocupação é recontar a vida de mulheres através das narrativas que constroem de si? E porque mulheres e não homens, também? Por serem mulheres podem construir uma narrativa diferente? - Ah ! O lugar de onde começo a falar como historiadora é o lugar de minha origem, dos meus antepassados, avós maternos ! É o lugar onde ouvi muitas histórias de mulheres corajosas, que se fizeram diferentes , estavam em atividades que eram por “natureza” dos homens: administrando, vendendo, comprando e cavalgando, nas fazendas de criar gado. Outras, que vivendo nos lugares que para elas estavam culturalmente determinados, enquanto amamentavam, costuravam, rezavam, encontravam intervalos para estudar, lecionar, sonhar e sobreviveram !! São mulheres portadoras de lembranças pessoais e de histórias que se cruzam, em alguns momentos, nos 40, 50, 60 e 70 no Norte de Goiás.
Ao buscar estas origens busco, com certeza, conhecer a minha própria origem. Saber das experiências de outras mulheres que antecederam o meu tempo, é poder reconhecer que sobre os ombros dessas mulheres minha experiência também se apóia. E relembro o questionamento: “ Até que ponto você é um e a tese que você escreve é outra?” , pergunta que o prof. Orlando P. Miranda, de teoria da identidade de Sociologia da USP, lançava aos/as alunos/as como um desafio a escrita da tese de doutorado, já a caminho naquele ano de 1996. Não há como escapar das subjetividades, que evidenciam-se em nossas delimitações de pesquisa, como bem reconhece Visentini(1997) “Quando o historiador volta para o passado ele não opta por um tema, mas porque este tema tem a ver com as lutas “políticas” que são traçadas em seu interior.” E ai, fica a pergunta: o que a escolha de um tema como esse, tem a ver com as inquietações e lutas internas da própria autora?
Narrativizar as múltiplas vozes é também, “ relembrar coisas que muita gente faz questão de esquecer”, como bem pontua Hobsbawm(2003) e, recontar é acima de tudo necessário para não esquecer que os lugares que hoje ocupamos tem também, seu débito com as experiências destas mulheres que teceram em silêncio suas vidas. Nada foi gratuito. Completo com Betty Friedan que, em entrevista em 1995, deixa um recado para a geração de mulheres do séc. XXI: “Aproveite ao máximo o que os professores e a instituição tem a lhe oferecer, mas que também procure politizar-se e engajar-se na luta pelos direitos que foram conquistados ao longo do tempo e correm o risco de ser revogados. Desde cedo é preciso ter responsabilidade com a sociedade. Seja no movimento feminista ou em qualquer outro.”
Nome | Função no projeto | Função no Grupo | Tipo de Vínculo | Titulação Nível de Curso |
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MARIA DO ESPIRITO SANTO ROSA CAVALCANTE RIBEIRO
Email: mariarosacavalcante@gmail.com |
Coordenador | Pesquisador | [professor] | [doutor] |