Detalhes do Projeto de Pesquisa

RECONTAR A VIDA: MULHERES EM NARRATIVAS

Dados do Projeto

478

RECONTAR A VIDA: MULHERES EM NARRATIVAS

2018/2 até 2022/2

ESCOLA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E HUMANIDADES

CULTURA, PODER E REPRESENTAÇÕES

CULTURA E LINGUAGENS

MARIA DO ESPIRITO SANTO ROSA CAVALCANTE RIBEIRO

Resumo do Projeto

O projeto tem como objetivo evidenciar as experiências de mulheres do final do Séc. XIX até as primeiras décadas do Séc. XX, através de fontes que privilegiem a escrita de si, tais como, livros de memórias, cartas e autobiografias. A intenção é perceber através de suas narrativas os debates políticos e sociais que traduzem os protagonismos de mulheres em seus diferentes tempos e lugares. O ponto alto dessa pesquisa é evidenciar a autoimagem que as mulheres constroem a partir de suas experiências recontadas, e até que ponto essas narrativas são legitimadoras dos seus protagonismos como práticas de emponderamento. Palavras chave: Recontar.Vida . Mulheres. Narrativas

Objetivos

Objetivos Gerais:
3.1 -  Historicizar   o  recontar a vida  de mulheres    através  de suas experiências  e   de seus lugares de sociabilidades.
3.2- Empreender um estudo a partir da categoria mulheres  como viés de leitura dessas experiências  pessoais, legítimas e legitimadoras do tempo  e do lugar  em que seus protagonismos as   tornam visíveis.
3.3- Contribuir para os usos  das histórias de vidas,  pela perspectiva da experiência de vida das mulheres,  enquanto referências  deslegitimadoras  dos saberes históricos  construídos a partir de um sujeito único.

3.1 – Objetivos específico
3.1.1- Considerar    que as mulheres  que viveram os mesmos períodos históricos, ainda que muito próximos,    não são contemporânesas pois, ‘o critério de sexo,a idade, a categoria social,  o local geográfico,  a tradição, ou a cultura”, (Corbin, 2005) que cada mulher  vivenciou  não   mensura a singularidade de sentir o seu mundo e  as  múltiplas  possibilidades de expressá-lo.
3.1.2- Considerar     essa  complexidade e simultaneidade  de experiências de vida  muito diferentes entre as  mulheres,  que se inserem num mesmo tempo e lugar geográfico, como pressuposto do campo das sensibilidades.
3.1.3- Legitimar  o campo das sensibilidades como a via possível de    apreensão  do passado pelos sentidos,  o que exclui qualquer tentativa  de construção  de narrativa histórica   homogênea reduzida, portanto, a um sentido único.
3.1.4-Constatar   que as  categorias espaço e tempo , “não estão presentes no mundo empírico como um dado, mas como um produto mental, sob a forma de representações.”(Pesavento, 2004)
3.1.5-Historicizar  as representações  que estas  mulheres constroem   a partir do recontar a vida, são  portadoras de sentidos que se constroem nos limites de suas experiências  de vida  no âmbito do espaço doméstico e de suas relações de grupo.
3.1.6- Aplicar os usos dos  conceitos e categorias metodológicas   “em termos de fronteira e de contato”(Perro,1998:357)  considerando sempre  o lugar de onde falam estas mulheres, como falam e para quem falam.
3.1.7- Comprovar  que fazer história  na perspectiva da subjetividade, pressupõe  o diálogo  constante entre as fontes  do campo das representações(a oralidade, a literatura, as imagens  e outras) e o campo das práticas sociais.  
3.1.8- Contribuir para  pensar as subjetividades  como o campo  da pesquisa histórica  que   lida com o imensurável, a vida privada e suas sutilezas e formas de revelar, de exorcizar ou esconder  as emoções guardadas  e  que podem ser recontadas  ou esquecidas.
3.1.9- Contribuir  para  os usos da memória  na  pesquisa histórica e a relação  necessária  e indispensável  que esta  estabelece com “as fontes escritas, os objetos  e a arqueologia do cotidiano.”(Perrot,1998:358)

 

Justificativa

Por considerarmos que as mulheres têm vidas inteiras que merecem ser ditas e ouvidas, este projeto propõe pesquisar as práticas sociais  que intersectam o cotidiano dessas mulheres, seja o trabalho, seja a religiosidade, seja a sexualidade, considerando  os lugares em que  elas  estão historicamente inseridas. As categorias narrativas e  mulheres   remetem  esta pesquisa ao campo das sensibilidades.  E por esta perspectiva, pressupõe-se  estar “ diante de um infindável acervo de vestígios do passado que ficaram á margem da pesquisa, sem interpretação. Acervo que demanda uma nova leitura, mais cuidadosa, observação  sensível e inédita dos acontecimentos anteriormente relatados em perspectiva estritamente  econômica, social e político- institucional.” (Langue, 2006:24).        Um recorte que   imputa  a/o  historiador/a  “de tomar como ponto de partida a maneira como as pessoas que se estuda representavam-se, e de entender a coerência de suas representações.” (Corbin, 2005) Quais lembranças  do tempo e de si são possíveis serem recontadas? De se construírem narrativas históricas? Considerando que “ao se falar  dos sentimentos, paixões, dos sentidos como ponta de partida da análise das “paisagens mentais”,  a apreensão pelo sentido não pode ser homogeneizada, reduzida a um sentido único.”(Langue,2007:28), constatação que remete a  questão específica do campo das sensibilidades, isto é, “... de certa forma os indivíduos que vivem um mesmo período não são contemporâneos (...) não se sente as mesmas coisas, segundo uma série de critérios: o sexo, a idade, a categoria social, o local geográfico, a tradição, ou a cultura que se recebeu. O historiador da cultura deve sempre tentar entender essa complexidade, essa simultaneidade de atitudes muito diferentes segundo os indivíduos e segundo os grupos.”( Corbin,2005)
        A categoria mulheres tem sido amplamente discutida em diferentes linhas de pesquisa e diferentes metodologias. Se parecia natural seu uso em si tratando de compreender as relações generalizantes pelas quais se constituíam hierarquias de poder entre os sexos (Scott, 1995), ou ainda, como sujeito outro em relação ao masculino numa perspectiva em que assume um sentido de periferia identitária (Hall,2001; Costa, 2002), passou a ser questionada em trabalhos como o de Judith Butler (2003) em que a subversão das identidades é colocada como atitude política necessária ao avanço da plataforma feminista.(Cassimiro,2007)
Nesse trabalho, entretanto, é utilizada  para referenciar corpos socialmente generalizados como sendo de mulheres. Não significa que se ignora o fato desta categoria encerrar a própria relação de hierarquização e dominação a que se  busca, como pretexto de pesquisa, desconstruir. Longe disso, considera-se  como Louro (apud Muniz, 20004: 1050) que a identidade e o sujeito compreendem construções no seio de configurações sociais. No entanto, a partir da compreensão de uma história em que este grupo social pode ser considerado sujeito, percebe-se  já o descentramento(Burke, 1992) em relação ao masculino por reconhecer uma história a quem julgavam, nessas interpretações centralizantes/masculinizantes, não possuir história (Costa, 2002).
              Partindo desses  pressupostos pretende-se  construir narrativas outras, numa leitura que reivindica a categoria  mulheres como  narradoras de suas histórias  de vida,  da auto imagem que   constroem de si como protagonistas.
                Quando se propõe conhecer e reconhecer os  diferentes  tempos e lugares, cifrados como  sociabilidades femininas, têm-se como referência    o deslocamento do poder das instituições para a esfera da vida privada, do cotidiano, das subjetividades, das sensibilidades. É esse viés que interessa a proposta  dessa pesquisa ,isto é, questionar as representações já naturalizadas e cristalizadas sobre as mulheres  para “ recuperar diferentes  verdades e sensações; promover a descentralização dos sujeitos e permitir  a descoberta das novas experiências, procurando articular  experiências e aspirações  de agentes aos quais se negou lugar e voz dentro das análises convencionais.”(Matos,2002: 1049)
           Perspectiva que  traz ao debate as possibilidades de recuperar as representações que estas mulheres constroem  de si, até que ponto  suas  histórias recontadas, irão objetivar uma leitura que articula o lugar, as histórias de vida e  as novas abordagens conceituais  da pesquisa histórica,   que referenciam os estudos, para além de uma perspectiva espacial e totalizante, para perscrutar o indefinido, o híbrido, as singularidades e,  identificar  estes lugares de cultura desde a  segunda metade do  séc. XIX, e  algumas décadas do séc. XX,  no Brasil.
              É oportuna a leitura  do  Certeau(1982: 77)  quando diz:
O gesto que liga as idéias aos lugares, é precisamente um gesto do       historiador.Levar a sério seu lugar não é ainda explicar a história. Mas é a condição  para que alguma coisa possa ser dita sem ser legendária( ou edificante), nem a-tópica ( sem pertinência). (...) Bem mais  do que isto, instalando o discurso em não – lugar, proíbe a história de falar da sociedade e da morte,quer dizer, proíbe-a de ser a história.  
            Não é novidade que a questão do lugar social das mulheres, até bem pouco tempo, em algumas abordagens totalizantes da história, era demarcado  como o  espaço do privado,aqui entendido, como o lar,  a família, a maternidade, como o espaço natural da  “ realização das potencialidades femininas” , em oposição ao espaço público,  que  é histórico e portando,  provido da cultura  gestada pelos homens. ( Matos, 2002: 1055)
        Conhecer   os  lugares  de onde falam estas mulheres, é reconhecê-las para além de um espaço delimitado, pois, este “não se reduz mais a espacialidade”. Só é possível  identificá-lo “onde estão  atualizados os seus  postulados culturais.” Reconhecimento que aponta para,
o fato de que não existe o sertão, existem , no entanto, os sertões circunstanciais, pequenos, rendilhados, no campo, na cidade interiorana, na cidade grande, cruzados e delimitados pelas estradas de rodagem, pelos povoados, pelas pequenas cidades cobertas de antenas – “o sertão, ah, o sertão está em toda  parte”; “ o sertão está dentro de nós”;  “o sertão é o que não tem fim” ; “ o sertão é o sertão”; “o sertão tem muitos nomes”. O sertão é o que atualiza categorias de uma cultura historicamente diferenciada ( e que se diferencia historicamente a cada dia) mediante estruturas sócio- políticas e econômicas (...)De um lado, portanto, há as categorias que historicamente definem o que é o sertão, indicam seus dados culturais principais desde sua remota aparição, generalizam-se como regionais de Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste, Norte e, de outro, as atualizações de múltiplos sertões, pequenos, rendilhados, recortados, diferentes das totalidades, e  que recriam essas categorias acumulativa, dialética e diferencialmente a partir de seus dados culturais. ( Vicentini, 2000:6)
        Corbin(2005)  em uma de suas entrevistas recomenda que  “ seria preciso fazer estudos sobre a origem geográfica dos historiadores.” Pois, ele mesmo, reconhece o seu  prazer pela história  por ser “ oriundo do campo, do Bocage normando, cuja paisagem formiga de igrejas, de abadias, de testemunhos do passado...” E reconhece: “ É possível que esta inclinação para o passado da região na qual eu cresci tenha favorecido o interesse pelo passado.”
         Ao deparar-me com este momento da entrevista,  comecei a indagar: porque  propor um projeto de pesquisa cujo eixo de preocupação é  recontar a vida de   mulheres através das narrativas que constroem de si?  E porque mulheres e  não homens, também? Por serem  mulheres  podem construir uma narrativa  diferente?   -         Ah ! O lugar de onde   começo a falar como historiadora é o lugar de minha origem, dos meus antepassados, avós maternos ! É o lugar onde ouvi muitas histórias de mulheres  corajosas, que  se fizeram  diferentes , estavam em atividades que eram por “natureza” dos homens:  administrando, vendendo, comprando e cavalgando,  nas fazendas de criar gado.   Outras, que  vivendo nos lugares que para elas estavam culturalmente determinados,  enquanto amamentavam,  costuravam, rezavam, encontravam  intervalos para  estudar, lecionar, sonhar e sobreviveram !! São  mulheres   portadoras de lembranças pessoais e de histórias  que se cruzam, em alguns momentos, nos 40, 50, 60 e 70 no Norte de Goiás.
        Ao buscar  estas origens busco, com certeza,   conhecer a minha própria origem. Saber das experiências de outras mulheres que antecederam o meu tempo,  é poder reconhecer  que  sobre os ombros dessas mulheres  minha experiência também se apóia. E relembro  o questionamento: “ Até que ponto você é um e a tese  que você escreve é outra?” , pergunta que o prof. Orlando P. Miranda, de teoria da identidade de Sociologia da USP, lançava  aos/as alunos/as  como um  desafio  a escrita da tese de doutorado, já a caminho naquele ano de 1996.  Não há como escapar das  subjetividades, que  evidenciam-se em nossas delimitações  de pesquisa, como bem reconhece Visentini(1997) “Quando o historiador volta para o passado ele não opta por um tema, mas porque este tema tem a ver com as lutas “políticas” que são traçadas em seu interior.”  E ai, fica a pergunta: o que a escolha de um tema como esse, tem a ver com as inquietações e lutas internas  da  própria autora?
        Narrativizar   as  múltiplas  vozes é também, “ relembrar coisas que muita gente faz questão de esquecer”, como bem pontua  Hobsbawm(2003) e,   recontar  é acima de tudo necessário para não esquecer que os lugares que  hoje ocupamos tem também, seu débito  com as experiências destas mulheres  que   teceram em silêncio suas vidas. Nada foi gratuito. Completo com  Betty Friedan que,  em entrevista em 1995, deixa um recado para  a  geração de mulheres do séc. XXI: “Aproveite ao máximo o que os professores e a instituição tem a lhe oferecer, mas que também procure politizar-se e engajar-se na luta pelos direitos que foram conquistados ao longo do tempo e correm o risco de ser revogados. Desde cedo é preciso ter responsabilidade com a sociedade. Seja no movimento feminista ou em qualquer outro.”

Equipe do Projeto

Nome Função no projeto Função no Grupo Tipo de Vínculo Titulação
Nível de Curso
MARIA DO ESPIRITO SANTO ROSA CAVALCANTE RIBEIRO
Email: mariarosacavalcante@gmail.com
Coordenador Pesquisador [professor] [doutor]