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A POESIA ERÓTICA BRASILEIRA DE AUTORIA FEMININA
2019/2 até 2021/2
ESCOLA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E HUMANIDADES
ESTUDOS DA LITERATURA
CORRENTES CRÍTICAS CONTEMPORÂNEAS
PAULO ANTONIO VIEIRA JUNIOR
A autonomia e a independência moral e financeira da mulher, aliadas ao controle de seu próprio corpo, desencadeou mudanças nos usos, costumes e valores das sociedades ao ponto de os papeis de gênero sofrerem reformulações profundas. Os papeis desempenhados por homens e mulheres passaram gradativamente a se confundir. Esse é o contexto que propiciará o desenvolvimento de uma literatura erótica de autoria feminina.
Tal literatura surge contestando critérios estéticos da tradição literária, o que implica num modo de enfatizar a produção cultural da “marginalidade”. Interessante notar que, na literatura brasileira, o crescimento expressivo das autoras coincidiu com o que compreende justamente o período mais repressivo da ditadura militar (1964-1984). Algumas explicações podem ser aventadas para justificar essa coincidência. A primeira delas é o surgimento dos movimentos revolucionários, de contestação e reivindicação das liberdades, que encontraram como símbolo o ano de 1968, um Estado ditador propiciava condições políticas favoráveis à revolta, pois sem um governo opressivo de base patriarcal, não se teria contra o que se revoltar. A escrita erótica surgiu como meio de combate simbólico, nesse contexto. Além disso, o Brasil acabou refletindo progressos ocorridos nos principais países da Europa e nos Estados Unidos. Por fim, as formas encontradas pelas escritoras, ao questionar os critérios estéticos vigentes, figuravam como modelos que não agrediam diretamente o status quo ditatorial, porque estavam baseadas na reflexão do eu e da identidade feminina.
Não podemos desprezar, ainda, que nos anos 1970 houve uma confluência maciça de fatores políticos, culturais, econômicos e tecnológicos que prepararam terreno para o surgimento de novos comportamentos. Portanto, a emergência da literatura erótica de autoria feminina é resultante da modernização dos costumes, motivada, notadamente, pela revolução sexual.
A atitude revolucionária em torno da sexualidade e dos comportamentos morais alcançou a escrita literária de modo a tornar o corpo um tema central na literatura de autoria feminina. Ítalo Moriconi (1998, p. 15) observou que a produção literária brasileira da geração de 1970, no concernente ao aspecto estético, possui grande número de composições marcadas pela “circunstancialidade”, a exemplo dos poetas marginais, sinalizando “descrença em relação a grandes projetos, começando pelos literários”. Assim, a despeito de nos trinta anos finais do século XX não ocorrer ruptura categórica com o modernismo de 22 e as vanguardas, não se cultiva mais as ambições gloriosas das gerações precedentes, a exemplo do que se assistiu com o Modernismo, a geração de 30, a práxis e os concretistas. Nesse cenário desolador, carente de perspectivas, o corpo, (re)descoberto em 1968 pelos movimentos pioneiros de libertação sexual, figurou como o último empreendimento a despertar entusiasmos. Isso porque as reflexões de filósofos, feministas e artistas de diversos segmentos, já haviam questionado a condição do corpo e da identidade presas às relações de poder.
A literatura de autoria feminina dos anos 70 surge como busca da (re)constituição da identidade feminina. Para Angélica Soares (1999, p. 77), Eros atua positivamente “no processo de constituição da identidade humana”. Nesse processo de emancipação e afirmação de sua identidade, a mulher busca harmonizar-se com seus desejos e emoções. Fica claro no estudo de Soares, A paixão emancipatória, sobre as poetas do erotismo brasileiro, que não há inversão propriamente dita das posturas de dominador e dominado, porque se percebe de antemão que esse esforço seria baldado porque “a opressão também oprime o opressor” (SOARES, 1999, p. 147). Postula-se no erotismo da literatura feminina o relacionamento no qual ambos (homem e mulher) compartilham igualmente desejos e prazeres.
A presente proposta visa, desse modo, acessar e estudar obras de escritoras inseridas nesse contexto, notadamente a produção em verso das escritoras Gilka Machado, Olga Savary, Yêda Schmaltz, Myriam Fraga e Hilda Hilst. Busca-se aferir a particularidade da escrita de cada uma dessas autoras e assinalar a convergência entre suas produções, o que permitirá ressaltar algumas tendências para a tradição de autoria feminina.
Nosso estudo, desse modo, investe no processo de autoafirmação e valorização da produção em verso da literatura de autoria feminina. No contexto androcêntrico “são os valores masculinos que prevalecem” (WOOLF, 1985, p. 97), daí certas estratégias e escolhas discursivas das escritoras serem apontadas como “defeito”. Nossa proposta é elaborar outra mirada sobre a escrita das mulheres fugindo do paradigma logocêntrico. Norma Telles (2004, p. 337), por sua vez, lembra que o “discurso que naturalizou o feminino, colocou-o além ou aquém da cultura. Nesse âmbito, a criação foi definida como prerrogativa dos homens, cabendo às mulheres apenas a reprodução da espécie e sua nutrição”. A estudiosa nota, ainda, que o Romantismo do século XIX foi importante para oferecer impulso às mulheres para a desobediência, mas consolidou o ideal da femme fatale, musa ou criatura, porém nunca criadora. Repetidoras de um discurso alheio, a mulher ocupa um espaço na sociedade em que vive que lhe foi “reservado pela expectativa criada por uma ideologia autoritária patriarcal” (BRANDÃO, 2004, p. 50). Percebe-se que a subversão a esse modelo, quando a mulher se coloca em discurso e elabora a própria visão de si (o que historicamente foi realizado sob o olhar masculino), parece iniciar, sistemática e efetivamente, a partir dos anos 1960.
Portanto, desenvolver leitura crítica da poesia erótica de autoria feminina, justifica-se pela necessidade premente de perceber o lugar de fala da mulher, para incorporar esse discurso no repertório da tradição literária.
Nome | Função no projeto | Função no Grupo | Tipo de Vínculo | Titulação Nível de Curso |
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PAULO ANTONIO VIEIRA JUNIOR
Email: pauloantvie@hotmail.com |
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