Detalhes do Projeto de Pesquisa

O REGIME PUNITIVO DO EDUCAR (II): MONITORAMENTO DO SISTEMA BRASILEIRO DE SOCIOEDUCAÇÃO

Dados do Projeto

429

O REGIME PUNITIVO DO EDUCAR (II): MONITORAMENTO DO SISTEMA BRASILEIRO DE SOCIOEDUCAÇÃO

2016/2 até 2020/1

ESCOLA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E HUMANIDADES

GRUPO DE PESQUISA EM HISTÓRIA DA LOUCURA

Loucura, crime e história do direito

EDUARDO SUGIZAKI

Resumo do Projeto

O presente projeto visa o aprofundamento do conhecimento teórico de tradições críticas da sociologia e da filosofia que evidenciam o caráter classista do criminalizar e do punir por meio da prisão para, supostamente, educar e socializar. Tais tradições críticas visam a nossa modernidade ocidental e essa pesquisa quer conhecer, discutir e monitorar a situação do Brasil e dos Estados brasileiros em relação ao Ocidente. Particularmente, interessa o modo como o nosso país penaliza as suas juventudes empobrecidas através das suas medidas socioeducativas de restrição e privação de liberdade.

Objetivos

Objetivo Geral:

Busca-se o aprofundamento teórico da herança crítica dos trabalhos de Georg Rusche e Otto Kirchheimer, Erving Goffman e Michel Foucault sobre o modo moderno de punir para, supostamente, educar: a prisão e o reformatório. Simultaneamente, objetiva-se compreender: a) o modo como o Brasil insere-se nesta história moderna do Ocidente e b) como, na atualidade, ocorrem as mudanças legislativas e normativas de punição criminal das juventudes, através das medidas socioeducativas, nos Estados brasileiros. 

Objetivos Específicos:

1 – Aprofundamento da pesquisa anterior: “O regime punitivo do educar: avaliação pedagógica do sistema brasileiro de governança da população juvenil judicialmente processada”, que teve o apoio do CNPq (Edital Ciências Sociais, Humanas Aplicadas, Projeto N° 409449/2013-0, vigente entre fevereiro de 2015 e fevereiro de 2016);

2 – Aprofundamento do conhecimento das heranças constituídas a partir das obras de Georg Rusche e Otto Kirchheimer (Punição e Estrutura Social, 1939), Erving Goffman (Manicômios, Prisões e Conventos, 1961) e Michel Foucault (Vigiar e Punir, 1974) e sua relação com o campo da educação;

3 – Monitoramento da atividade legislativa nacional sobre a socioeducação; da atividade normalizadora da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos sobre a socioeducação; das atividades do Ministério da Educação para a socioeducação; do Conselho Nacional de Justiça – Ministério da Justiça no que diz respeito a socioeducação;

4 – Aprofundamento do conhecimento da situação do sistema socioeducativo dos Estados brasileiros sobre os quais já se debruçou nossa primeira pesquisa: Distrito Federal, Goiás e Rio Grande do Sul;

5 – Alargamento da base de conhecimento dos modos de execução do sistema socioeducativo para os Estados de Tocantins, Rio Grande do Norte, Pernambuco e São Paulo.

Justificativa

Dados brasileiros corroboram e mostram como são atuais as análises de Georg Rusche e Otto Kirchheimer em Punição e Estrutura Social e Foucault em Vigiar e Punir que convergem na tese de que o crime visado pelas sociedades ocidentais, deixou de ser o crime de sangue para concentrar-se no crime contra a propriedade e o patrimônio e punir criminalmente tornou-se o mesmo que punir os pobres. 

Não poucos autores acreditaram e ainda acreditam:

  • que a Constituição Federal de 1988[1] e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) teriam marcado uma nova época porque o regime punitivo, foi integrado à “Doutrina de Proteção Integral da Criança e do Adolescente”;
  • que aquele que era visto como "menor em situação irregular" (Código de Menores, de 1979 art. 2º),[2] tornou-se “sujeito de direitos”;
  • que trocar o estigmatizante tratamento “menor infrator”[3] pelo dignificante tratamento “pessoa em momento peculiar de desenvolvimento” constituiria um avanço social;
  • que se desenhara um novo tratamento, um que é educativo para aquele que cometeu não mais uma “infração penal”, mas "um ato infracional", e receberá não mais uma sanção penal, mas uma “medida socioeducativa”; 

Este projeto pretende problematizar estas crenças e participar do movimento intelectual internacional e brasileiro que está construindo uma revisão crítica delas.

No presente projeto, não se trata apenas de apresentar nossas observações que corroborar o que os estudos bem mais amplos e capazes de englobar toda a socioeducação brasileira estão a mostrar. Por exemplo, como estudo intitulado Um olhar mais atento às unidades de internação e semiliberdade para adolescentes, levado a cabo pelo Conselho Nacional do Ministério Público (2013, p. 5), permitiu a conclusão de que “os espaços que deveriam ser de ressocialização mais se assemelham a presídios e penitenciárias, com [...] pouquíssimas oportunidades de formação educacional e profissional”.

Se nosso olhar apenas corrobora o levantamento de realidade feito por este estudo, não nos parece que se possa mais ter, com ele, suas ilusões sobre o dever ser, tais como as expressas na formulação logo acima citada “os espaços que deveriam ser de ressocialização”. Acredita-se, aí, que o sistema punitivo do ECA representa um dever ser para o sistema realmente existente, no sentido de que se a lei estivesse sendo plenamente executada, tudo estaria indo bem. A autora do Prefácio do estudo acima citado, Taís Schilling Ferraz (2013, p. 5), move-se neste terreno, ao perguntar: “[...] podemos afirmar que o modelo ressocializador do ECA fracassou, se considerarmos que ele sequer foi implantado dentro das unidades de internação e semiliberdade?”, “Em que medida o ECA é apenas um ideal no papel?”.

Quando observamos as práticas punitivas chamadas 'medidas socioeducativas', percebe-se que a lei (ECA) criou eufemismos para 'sanção penal' e 'crime'. No lugar de pensar o ECA como ideal inconcluso, de um modelo ainda em implantação, como já foi dito a presente pesquisa pretende estudar o complexo de práticas que o ECA reforma e reconfigura como uma continuidade do longo percurso ocidental, iniciado pelas primeiras casas de correção de crianças, adolescentes e jovens do século XVIII. Nessa continuidade histórica, os adolescentes brasileiros internados por medidas socioeducativas vivem como presidiários comuns.

A hipótese crítica deste trabalho é que tudo o que se considerou como avanço histórico do ECA em relação ao tema específico da relação entre Estado e ato infracional não passou de mais uma reforma da prisão que, em nome de torná-la mais educativa, oferece mais prisão como solução aos defeitos da prisão, um processo histórico ocidental muito bem caracterizado por Foucault, em Vigiar e Punir.

Documentos publicados recentemente explicitam como o sistema socioeducativo é similar ao sistema prisional:

a) A Nota Técnica “O Adolescente em conflito com a lei e o debate sobre a Redução da Maioridade Penal: esclarecimentos necessários” (2015), assinado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), atentou para aspectos da desigualdade social e econômica de milhares de jovens brasileiros e elenca a seletividade racial, a massificação do encarceramento, a superlotação e os assassinatos dentro das instituições como similaridade entre os sistemas socioeducativo e prisional. b) As publicações: “Mapa da Violência” (2013) e o “Índice de Homicídio na Adolescência no Brasil – IHA” (2014) indicam que o caminho de combate à violência e a criminalidade entre os jovens, sendo eles mais vítimas que autores de atos violentos, é a promoção e o acesso aos direitos sociais. Mas isso já havia sido sociologicamente indicado por Georg Rusche e Otto Kirchheimer (Punição e Estrutura Social, 1939).

c) A publicação “Mapa do encarceramento: os jovens no Brasil” (2015) concluiu que o encarceramento no Brasil, entre 2005 e 2012 cresceu 74% e o perfil desta população é majoritariamente de homens jovens (abaixo de 29 anos), negros, com ensino fundamental incompleto e acusados por crimes patrimoniais (BRASIL, 2015).


[1] A Constituição Federal estabeleceu, no seu Art. 227, “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010). O ECA é uma legislação supostamente decorrente deste princípio constitucional.

[2] O Código de Menores, conforme o seu art. 1º., “dispõe sobre a assistência, proteção e vigilância a menores: até dezoito anos de idade, que estejam em situação irregular”. Por “situação irregular” o Código, conforme seu art. 2º., compreende o menor “privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória”; “com desvio de conduta” e “autor de infração penal” (BRASIL, 1979, p. 1).

[3] Para Adorno, o “termo ‘menor’, de larga utilização no senso comum, tanto na imprensa como na pesquisa científica, tem origem pouco nobre. Cunhado no Brasil pela medicina legal e reconhecido pelo direito público para divisar a população entre responsáveis e irresponsáveis, segundo critério de discernimento moral e do desenvolvimento psicológico, seu emprego generalizou-se para designar um tipo específico de criança, aquela procedente das classes populares, em situação de miséria absoluta, expulsa da escola desde tenra idade, que faz da rua seu habitat e lugar privilegiado de reprodução do cotidiano. Trata-se da criança cuja existência social e pessoal é colocada na condição de menoridade, passível, por conseguinte, de intervenção saneadora das instituições policiais de repressão e das instituições de assistência e de reparação social” (ADORNO, 1993, p. 183-4).

Equipe do Projeto

Nome Função no projeto Função no Grupo Tipo de Vínculo Titulação
Nível de Curso
EDUARDO SUGIZAKI
Email: eduardosugizaki@gmail.com
Coordenador Líder [professor] [doutor]
FABIANE ASQUIDAMINI
Email: fasquidamini@gmail.com
Pesquisador Pesquisador Externo [externo] [mestre]