425
HISTÓRIA E MEMÓRIAS DA EDUCAÇÃO E DA CULTURA ESCOLAR EM ESPAÇOS DE TRIJUNÇÃO (GOIÁS - MINAS GERAIS- TOCANTINS)
2016/1 até 2024/2
ESCOLA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E HUMANIDADES
EDUCAÇÃO, HISTÓRIA, MEMÓRIA E CULTURAS EM DIFERENTES ESPAÇOS SOCIAIS
Escola, História, Memória e Cultura Escolar
MARIA ZENEIDE CARNEIRO MAGALHÃES DE ALMEIDA
Objeto de estudo: a reconstrução das memórias e da cultura escolar, das histórias de vida e formação dos mestres pioneiros e suas práticas pedagógicas, que constituíram os diferentes processos de escolarização desenvolvidos nessa região em estudo do sertão goiano e mineiro, espaços de trijunção(1935 - 1975). A escola e os mestres sertanejos – objeto desse estudo e, o trabalho que eles desenvolveram em suas escolas ambulantes ou não, em espaços e tempos próprios, marcaram com seus discursos e suas práticas outros sujeitos, seus ex-alunos, cujas narrativas tornam-nos seus agentes, já que “a história real não tem atores tangíveis [...] Ninguém é autor ou criador da história da sua própria vida” (ARENDT, 1995, p. 97-8). A escola e a escolaridade representavam uma referência de educabilidade e civilidade para boa parte da população local, embora o único meio de sobrevivência fossem as atividades agropastoris, quase todas as famílias desejavam uma vida, um futuro diferente para seus filhos. Supõe-se, daí, que as famílias empreendiam esforços e providências para trazerem professores para suas propriedades para “educarem” os filhos e propiciarem-lhes “um futuro melhor e mais promissor”. Os mestres/professores, públicos ou particulares, por sua vez, também representavam uma referência com significado e importância social naquela coletividade. Eram-lhes outorgadas, por aquelas famílias, “credenciais” de autoridade e respeitabilidade. Relatos levam a supor que, apesar da severidade, exigências e até constrangimentos físicos e psíquico-emocionais, em muitos casos, senão a maioria dos alunos admirava e estimava seus mestres e guarda deles lembranças e boas referências de exemplo de vida. As práticas pedagógicas, nos anos 35/ 45no sertão goiano-mineiro, eram, de certo modo, guiadas por valores e princípios éticos e morais forjados na própria coletividade. Decorrentes, talvez, da influência da tradição oral e do senso comum e/ou veiculados pela igreja católica, principalmente pela herança educacional jesuítica, que criavam consensos em torno das práticas familiares e da cultura local. A partir de meados dos anos 50/65 e na transição para as décadas seguintes essas práticas pedagógicas passam a ser cada vez mais regidas e forjadas sob a ótica da modernização pedagógica e de ensino, ditadas pelas normas, leis e princípios oficiais. O que leva a supor que a influência e autoridade professoral sofrem uma perda de prestígio e de inserção no imaginário das pessoas da população local.
Objetivos Específicos:
Contribuir para ampliação da historiografia da educação brasileira e regional e para a memória da cultura escolar no período de 1935-1975, do sertão goiano e mineiro (região trijuntora); Espera-se que todo o acervo produzido pelo corpus da pesquisa seja sistematizado e organizado para publicações sobre as regiões estudadas, fortalecendo a produção historiográfica na região e no Brasil.
Contextualizar a educação brasileira e regional em relação às políticas educacionais implementadas nesse período e o seu impacto nos processos e formas escolares nessa região, no período proposto pelo estudo.
Sistematizar a história e a memória de mestres pioneiros processos de formação as experiências e práticas educativas, no contexto histórico, tempos e espaços do estudo, compreendendo a contribuição desses processos educativos para a formação da sociabilidade e da civilidade, num contexto de modernização e construção da identidade nacional/regional;
Compreender o impacto das políticas educacionais adotadas pelo governo brasileiro no período entre 1935-65, para o processo educativo regional, principalmente dos municípios e localidades da região em estudo, o papel e o significado daquelas escolas para seus ex-alunos/alunas e, para toda uma coletividade em seu tempo e espaço.
A reflexão de H.Arendt inscreve-se nessa incontida angústia e desconcertante solidão do homem contemporâneo, que busca no seu labor não apenas um significado transcendental para sua transitória existência, mas também superar seu isolamento, ser um igual na sociedade, tomar posse de um “lugar no mundo”, sair da sua privacidade para o espaço público. Hannah Arendt esclarece: “Todas as atividades humanas possuem um elemento de ação e, portanto de natalidade” (ARENDT,1995, p.17), que equivale à nãomortalidade, não perder por completo sua experiência humana, não viver em vão, condenado a vagar sem história, “sem passado e sem futuro” como também nos dirá Walter Benjamim (apud DIHEL,2002, p.122). Como já foi dito, muitos têm sido os estudos sobre escola na abordagem institucional, sejam inseridos no âmbito das políticas educacionais e legislativas, governamentais, sejam no âmbito das teorias da aprendizagem (fracasso escolar, evasão, dentre outros). Isto porque, como salientamos, os estudos sobre a escola e a educação no Brasil, têm se constituído, basicamente, sobre os sistemas oficiais de ensino enfatizando aspectos da legislação e das reformas ou projetos das autoridades governamentais para as instituições educacionais desde o período colonial até nossos dias, e/ou sobre modalidades desenvolvidas nos grandes centros urbanos ou voltadas para as elites. As contribuições teóricas que acredito sejam fundamentais para o tema estudado contemplam os conceitos de memória e identidade e a produção historiográfica de educação brasileira, articulados aos dois eixos do objeto de estudo: a escola , os mestres/professores articulados às memórias, que seus alunos construíram sobre suas práticas e a experiência de vida na escola. Como também aos conceitos de memória coletiva e identidade. O contexto histórico da educação brasileira servirá de palco para dar visibilidade às reflexões sobre a escola, a escolarização e as demandas sociais, no período em estudo – 1924-1964, em que ocorreram importantes acontecimentos que marcaram a história da educação no Brasil, tendo como ponto alto a criação da Associação Brasileira de Educação (1924), sob a liderança de educadores como Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Paschoal Lemme, só para citar alguns dos signatários do histórico “ Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova”, que inaugurou temas polêmicos para agenda das políticas educacionais no País(1932). “Nenhum problema é mais essencial do que a escola, pois ela efetivará o novo senso de consciência nacional e se afirmará a possibilidade de se fazer permanente e progressiva a grande mobilização do esforço brasileiro” (TEIXEIRA,1994:111).Assim, Anísio Teixeira defendia a relevância social da escola , nos anos de 1930. Esses debates arrefecem-se com a implantação da ditadura militar no Brasil – 1964. Período em que se inicia o processo de êxodo rural no sertão mineiro, decorrente tanto da construção de Brasília, como de fatores da política econômica e social, que dificultam a vida no campo, de um lado, e, colocam novas alternativas e possibilidades de sobrevivência nas cidades, de outro. Os estudos regionais sobre o sertão contribuirão, (embora não seja o foco central das discussões aqui propostas) para situar o estudo no tempo e no espaço. Espaço/tempo, nos quais, tanto os rememorizadores como seus personagens construíram suas experiências, produziram seu labor, dando visibilidade às suas feições e feitos: Quem foram eles e/ou elas? Como viviam, viveram e também sobreviveram? Como o espaço geográfico e o tempo em viveram influenciaram na construção das suas identidades e para as singularidades de suas práticas, idéias e ideais? Como podemos compreender a vida escolar e as práticas educativas dos nossos “personagens” - os mestres dos sertões mineiro? E, o significado dessas práticas em seu tempo e espaços? Em que contexto, o trabalho que realizaram se impôs como valor, necessidade e/ou demanda coletiva e social? Para compreendermos e elucidarmos esta, e outras questões similares é que propomos trazer a palco outros personagens desse estudo, cujos dados e informações sobre as origens do seu surgimento e organização social, serão fundamentais. Reconstruindo as trilhas e os caminhos percorridos pelos pioneiros e fundadores de lugarejos, povoados e cidades, localidades e espaços por onde também andaram os mestres com suas escolas, levando em suas bagagens saberes, ensinamentos, práticas , fatos e artefatos, seus projetos e histórias de vida – individual e coletiva.
As lembranças que guardamos dos tempos e dos espaços sempre habitarão nossas trajetórias. Sejam elas as nossas próprias histórias, sejam as histórias que ouvimos de nossos pais, mestres ou de nossos alunos, e, aqui, mesmo quando o quadro se inverte, continuamos ainda assim cativos da condição de aprendente e, será, por estarmos sempre nela é que, as lembranças da escola tornam-se nossas companheiras e conselheiras para sempre. A escola como lugar de lembranças e memórias também serão buscadas para a reflexão que a refere tanto como um espaço de estranhamento, como também aquele que guarda similaridades com o habitat familiar ou doméstico, principalmente no caso desse estudo, em que o espaço escolar coincide muitas vezes com o do lar; em que boa parte das narrativas se reporta ao ambiente familiar e, portanto, às construções identitárias e representativas sobre o mestre, as experiências e aprendizagens escolares, sejam elas pedagógicas ou de sociabilidade/civilidade. As identidades são também outro campo da pesquisa que ela pode contribuir para a construção de elementos de positividade que agregam, que possibilita adesão pelo seu forte componente de pertencimento, que concede ao indivíduo a compreensão das necessidades e valores do grupo ao qual pertence, do qual sente-se parte integrante, situando-o no espaço, no tempo, no social, no mundo, ou seja, no seu real, concreto, isso lhes concede reconhecimento social e subjetivo. “As identidades podem dar conta dos múltiplos recortes do social(...) elas agregam pessoas em torno de atributos e características valorizadas” (PESAVENTO, 2003, p. 91), como no caso dos mestres/professores, em que as representações sobre o saber, a autoridade, e o reconhecimento da coletividade sobre sua importância e função social apresenta “um capital simbólico de valorização positiva (...) de ir ao encontro das necessidades mais intrínsecas do ser humano de adaptar-se e ser reconhecido socialmente” (PESAVENTO, 2003, p. 91). Tal como Maurice Halbawchs (2004), que realça a importância da memória coletiva, plural, múltipla, mas também individuada, identitária de cada grupo social e dele emergida. (...) “Mas, entre o indivíduo e a nação, há muitos outros grupos, mais restritos do que esse que, também ele, tem sua memória, e cujas transformações atuam muito mais diretamente sobre a vida e o pensamento de seus membros” frisa ainda: “A história pode apresentar-se como a memória universal do gênero humano. Mas, não existe memória universal. Toda memória coletiva tem por suporte um grupo limitado no tempo e no espaço” (op.cit.: 90). Fundamentado em Walter Benjamin, Arthur Dihel (2002, p. 121-122), comenta: “Com a evocação da memória, o passado tornar-se-ia acessível ao homem, onde estão alojadas as lembranças e as esperanças. Essa busca permite identificar o caráter reconstitutivo da história. O historiador, nessa perspectiva, seria capaz de recuperar as virtualidades inibidas pelo desenvolvimento histórico linear e progressivo”. Em síntese, a intenção desse estudo em reconstruir a memória das diferentes formas de escolaridade e dos mestres sertanejos, reveste-se de significado histórico que aponta para a necessidade cada vez mais reconhecida por pesquisadores de diferentes áreas de que a história pode e deve enfocar todas as manifestações culturais, no caso, da educação, formais ou informais, contemplando as diferentes tentativas de organização do conhecimento e sua transmissão, sejam elas sistemáticas e/ou assistemáticas, mesmo porque os estudos nessa área até bem recentemente têm privilegiado a educação formal e sua organização/institucionalização, ainda que no “caso brasileiro, ainda seja um estudo incipiente” ( FARIA FILHO, 1999,P.9). Florestan Fernandes reforça essa argumentação:
“Muito pouco se conhece sobre o passado do processo de escolarização da população [...] e do problema educacional. A pesquisa histórico-sociológica é assim imprescindível num País em que a pesquisa não data de muitas décadas. É difícil confiar apenas em estudos teóricos sobre a educação.” (Fernandes, apud DEMARTINI, 1988, p. 45-46
Nesse sentido, concordando com Fernandes e Demartini, acreditamos que o estudo contribuirá, especialmente, para que outros projetos e estudos sejam construídos no sentido de sensibilizar autoridades, organizações e instituições em seus diferentes níveis, possibilitando patrocínio e apoio, que resultarão em maior visibilidade de segmentos sociais afastadas dos centros urbanos. Considerando que para muitos dos quais ainda não foram oportunizadas possibilidades de construírem informações que referenciem seu passado em suas diferentes manifestações; a não ser, pela tradição de persistentes narradores descendentes de velhos e bravos pioneiros e que, aos poucos, vão se esvanecendo, tragados pelos meios de comunicação de massa e pelo processo migratório observado naquelas regiões nas últimas décadas. Algumas dessas histórias ocorreram no transcorrer dos anos de 1930, em pleno debate sobre a Escola Nova e sobre os novos métodos de ensino, que influenciaram as reformas educacionais em diversos estados brasileiros liderados por Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo; debates, esses, polarizados entre conservadores e liberais em torno da Constituição de 1934 e posteriormente do Projeto de Lei do Ministro Clemente Mariani encaminhado ao Congresso Nacional em 1948 culminando na aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1961. Como essas discussões e essas mudanças foram (ou não) apreendidas ou mesmo “conhecidas” pelos professores de regiões longínquas do Brasil, como nos sertões de Goiás e Minas Gerais (por exemplo)? Como (e se) ocorreram, essas discussões no interior do País? Essas idéias e debates chegaram até os educadores ‘Brasil afora’? As teses de uma educação renovada, centrada no aluno, em seus interesses e motivações estariam chegando até esses educadores? E, se chegavam, alteravam de algum modo as suas práticas pedagógicas? Que princípios e práticas pedagógicas eram essas? Os estudos sobre a educação dessas regiões além de escassos tanto seus registros como sua memória correm o risco de se perderem. As escolas, grupos escolares e colégios pioneiros e tradicionais nessas regiões e que formaram várias gerações sertanejas passaram por várias mudanças ao longo desse percurso; seja pelas políticas governamentais, seja pelos fluxos migratórios, seja pelas configurações econômicas e sociais que redefiniram as demandas por essas Instituições. Interessa-nos recuperar como se constituíram as escolas nessa região, buscando responder e elucidar questões relativas à memória da educação que, suspeito, tenham traços comuns, tanto em relação à herança cultural portuguesa, como evidenciam as citações anteriores de Nóvoa, como também pelos estudos de Ferro, que constatam: (op.cit:12):
A história da educação escolar nos estados periféricos, em linhas gerais, parece ter as mesmas tendências e direções da educação brasileira como um todo e parece ter se processado como centros desenvolvidos, apesar de algumas diferenças peculiares.
Trata-se de uma memória a ser preservada e reconstruída, por fazer aparte da história cultural e social dessas regiões brasileiras. Do mesmo modo, os professores pioneiros que adentram os sertões educando e civilizando populações afastadas dos centros urbanos e que, de certo modo, negligenciados pelo poder público em relação às suas demandas sociais. Assim, aqueles mestres, particulares ou públicos desempenharam uma função social em seu tempo e lugares. O aporte teórico que dará embasamento às análises do estudo terá como referência as contribuições da História Cultural, que vem se constituindo num campo de trabalho, cujos princípios e pressupostos teóricos de análise possibilitaram a construção do conhecimento histórico sobre indivíduos e grupos, que dão sentido à sua visão de mundo, suas condutas e práticas sociais ao construírem suas representações sobre o real e traduzirem a experiência do vivido e não vivido. A reflexão que me proponho desenvolver privilegia a sistematização das contribuições da História Cultural para definição e compreensão dos estudos sobre memória e cultura escolar – um objeto que vem preocupando os educadores de diferentes áreas na tentativa de compreender melhor as práticas educativas realizadas pelos seus personagens: professores, alunos, gestores e diferentes agentes. Os estudos têm se intensificado à medida que a escola, uma instituição milenar, vem passando por uma série de desafios ao longo da história. Ora, aqueles que advogam a sua extinção, por desnecessária lhes parecer; ora aqueles que a lançaram na condição de “redentora” de mazelas sociais, políticas e econômicas.
Nome | Função no projeto | Função no Grupo | Tipo de Vínculo | Titulação Nível de Curso |
---|---|---|---|---|
MARIA ZENEIDE CARNEIRO MAGALHÃES DE ALMEIDA
Email: zeneide.cma@gmail.com |
Coordenador | Líder | [professor] | [doutor] |