413
O MÉTODO BOURDIEUSIANO COMO INSTRUMENTO DE ANÁLISE E CONSTITUIÇÃO DE UM PODER JUDICIÁRIO SOCIOAMBIENTAL
2019/2 até 2023/2
ESCOLA DE DIREITO, NEGÓCIOS E COMUNICAÇÃO
GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS
ESTADO E POLITICAS PUBLICAS
JOSÉ QUERINO TAVARES NETO
Analisar o campo Poder Judiciário à luz da teoria e método de Pierre Bourdieu, considerando e avaliando o socioambientalismo como forma de resistência e desconstrução do habitus no campo Poder Judiciário.
Objetivos específicos
Nesse contexto, a proposta da pesquisa é uma afirmação do socioambientalismo como paradigma emergente e forma bourdieusiana de luta por espaços privilegiados do poder jurídico, mas especificamente no âmbito do Poder Judiciário em suas resistentes e enrijecidas estruturas de violência simbólica. Para tanto, a proposta bourdieusiana consiste na interpretação daquilo “que as pessoas têm, das suas propriedades e das suas práticas, e, portanto, conhecer por um lado as condições em que se produzem os produtos oferecidos e por outro as condições em que se produzem os consumidores” (BOURDIEU, 2003, p. 174).
O que está em causa são os efeitos da judicialização da política em geral, tendo em vista suas implicações sobre o sistema constitucional brasileiro e como esse vem se reestruturando no que se refere ao socioambientalismo, já que existe um processo de judicialização da política como fator positivo, pelo menos do ponto de vista dos resultados de efetivação de políticas públicas, ainda que por via transversa, que não a política tradicional, podendo-se surtir efeitos numa dimensão mais possível de um Judiciário Socioambiental.
O conceito de um Poder Judiciário Socioambiental (BARBOSA, 2008) passa pela recomposição paradigmática da concepção de desenvolvimento estritamente focado no meio ambiente, e em consonância com a sustentabilidade social, ou seja, tomando essa conjunção como uma prospecção de políticas públicas, verificadas no processo decisório judicante, como indicador das “necessidades de resultados que se pretende deste Poder em cada sociedade, no seu tempo” (BARBOSA, 2008, p.85).
Numa sociedade complexa, cada vez mais sujeita ao fenômeno da judicialização da política e induzida ao descompasso dos poderes, como é o caso da brasileira, se faz urgente e necessária uma mudança do modelo de subserviência jurisdicional observado na realidade atual. Um dos caminhos possíveis para alterar esse quadro seria o diagnóstico e prospecção pelo qual as circunstâncias se dão no âmbito do Judiciário, sob a proposta metodológica de Pierre Bourdieu.
Pierre Bourdieu indica importante contribuição na discussão do poder, que transcende a reducionismos e a categorias estritas pela extensão das preocupações a estruturas (sistêmicas), como aos agentes (sujeito). Seu tratamento incide sobre as configurações da aquisição e perpetuação do poder, trazendo uma crítica contundente às formas de produção científica e aos modelos de dominação como um todo, sendo impossível a separação de valores e representações. Para Bourdieu, não há concessões do poder, mas estratégias e investimentos de aquisição, acúmulo e perpetuação do capital simbólico numa cadeia de legitimidade (BOURDIEU, 1994, 2000).
Os conceitos fundamentais que servem de base para sua teoria são: a ortodoxia, que representa os dominantes e detentores do capital simbólico autorreferente, fundada na autoridade e altamente provida de capital específico da violência simbólica; a heterodoxia ou dominados, que dispõe de pouco capital estruturado, e consequentemente, se aproxima da heresia e da subversão; a doxa, como o universo de pressupostos dos agentes e as estratégias dos que lutam no interior do campo; o campo, estruturado pelas posições sociais derivadas de leis e regras próprias, ou seja, estrutura de relações objetivas derivadas do poder simbólico invisível e provenientes da cumplicidade entre os que o exercem e os que a ele se submetem; e o habitus, como conjunto de esquemas de classificação da realidade que se interiorizam pelos mais distintos processos estruturados e estruturantes, relacionados às práticas e às regularidades de conduta (BOURDIEU1994, p.145-146).
Importante salientar que existe um conceito chave, o da violência simbólica, que permeia toda a estrutura do pensamento de Bourdieu, funcionando como elemento determinante, cimentar e equalizador das suas pesquisas, que nada mais é que a própria concepção da realidade e seu funcionamento, haja vista sua subsistência a todas as suas outras concepções e, mesmo prescindindo delas, nunca o contrário.
Este é um conceito fundamental nessa pesquisa em razão de que o Poder Judiciário se serve da violência simbólica com grande eficiência, uma vez que legitima seus atos por meio de princípios como o da legalidade e do Estado de Direito, elevados a Standards da justiça, mas, por outro lado, subtrai da sociedade ¿ movimentos sociais, comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas, redes socais, etc.,¿ o direito/dever de promover a democracia participativa e ativa, como no caso da delicada temática da reforma agrária e a tentativa constante de criminalização dos movimentos sociais.
Nesse sentido, numa proposta significante e inovadora, emerge o socioambientalismo como categoria de análise e movimento contra-hegemônico. O socioambientalismo surgiu no Brasil na década de 80, a partir das articulações políticas entre os movimentos sociais e ambientalistas (SANTILLI, 2005, p. 31), estas tornadas possíveis devido ao processo de democratização do país no início daquela década.
O socioambientalismo busca conciliar as dimensões do social e da sustentabilidade, mas vai além porque defende a necessidade de construção de um modelo de desenvolvimento que preserve os recursos naturais, proteja o meio ambiente, garanta a diversidade cultural, assegure os direitos das minorias, promova e distribua justiça social, possibilite condições de vida digna, promova valores democráticos e fortaleça a cidadania (BARBOSA, 2008).
Esse é um tema recorrente e central no socioambientalismo, haja vista sua (re)discussão e (re)configuração quanto às categorias de análise estabelecidas nas sociedades ocidentais. Essas categorias se constituíram e foram baseadas num modelo de exploração capitalista, além de acentuadas pelo neoliberalismo que ensejou ao final do século XX e início o XXI, uma ausência exacerbada de alteridade.
A alteridade foi e continua sendo um fator primordial, capaz de alterar a correlação de forças cada vez mais matizadas do binômio desenvolvimento/ecologia. A resposta, em lugar das posições excludentes dos movimentos que se proclamam representativos (Davos - FEM versus Porto Alegre - FSM) que, na realidade, funcionam como contraponto entre dominação hegemônica descendente e contra-hegemônica ascendente (FALK, 1999; SANTOS, 2006), está no envolvimento por meio da alteridade, ou seja, tomar-se como critério a urgência em se ouvir o outro como fator determinante e relacional, numa nova condição de sociedade posta e centrada na coletividade e interatividade.
Como indica Marés (2002, p. 26) sobre a natureza do conflito em sua origem e a compreensão da dificuldade de se estabelecer o que sejam direitos socioambientais, “O direito da modernidade foi assentado no indivíduo, como direito individual, responsabilidade individual, vontade individual e autonomia dessa vontade”.
Embora seja clara a emergência de grupos e movimentos em defesa de direitos específicos a determinados atores (mulheres, homossexuais, quilombolas, índios, consumidores, etc.), no contexto da diversidade e fragmentação da pós-modernidade fortalecem-se também, paradoxalmente, movimentos que têm como bandeira os direitos de caráter global, coletivos e difusos.
Como exemplos têm-se o eco-desenvolvimento de Sachs (2008), a ecologia profunda, defendida por Naess[1] e, em outra medida, o socioambientalismo propugnado por Marés (2002), em que, cada um a seu modo, tenta compreender e propor mudanças para enfrentar os desafios de uma sociedade de riscos (BECK, 2006) e em rede (CASTELLS, 2007), como a desse início de século, em que a temática das ações coletivas se insere num universo volátil e extremamente fértil pelo enfraquecimento ou crise da modernidade.
Considerando a natureza das ações coletivas, originalmente derivadas nos movimentos sociais dos anos sessenta de século XX, sobretudo sua aptidão como instrumento de protesto e reivindicação (OFFE, 1992), mesmo com sua mudança de perfil da perspectiva classista, baseada na mudança da ordem social estrutural, para novos movimentos sociais com características mais específicas e setorizadas como a ecologia, gênero, assim como a preocupação fulcral do socioambientalismo, que preconiza a relação dialogal entre meio ambiente e sociedade, é fato que os movimentos sociais ainda contribuem de maneira decisiva na defesa das minorias em face dos interesses hegemônicos do capital, sendo seus atores eficientes na defesa de bens socioambientais (coletividade como solidariedade).
Considerando ser o desenvolvimento sustentável[2] uma categoria de análise imprescindível para as sociedades contemporâneas, é imperativo estabelecer formas de interlocução entre o capital, altamente desenvolvimentista e predatório, e a sociedade que, além de ser o grande alvo do mercado, sofre de forma direta os efeitos do processo da exploração econômica dos recursos, assim como das pessoas.
Para isso, necessita-se de uma nova compreensão do que se propugna pela redefinição de desenvolvimento, privilegiando-se um olhar metadisciplinar[3] que, segundo Morin (2002, 2004), é preciso ““Ecologizar” as disciplinas, isto é, levar em conta tudo que lhes é contextual, inclusive as condições culturais e sociais”. Nesse sentido, acredita-se que a resposta esteja na assimilação de propostas como o (des)envolvimento de Virgílio Viana (1999), o desenvolvimento includente de Ygnacy Sachs (2008) e o socioambientalismo referido acima.
No fundo estamos diante de uma nova ordem de sociedades de risco, em mutação para um novo paradigma que não seja centrado na exploração autorreferente, contudo, orientados por um valor fundado na sustentabilidade (VEIGA, 2010) e no envolvimento dos interessados e atingidos pelo processo (VIANA, 1999; MARÉS, 2011).
Lamentavelmente, a colonização brasileira não preservou uma das virtudes interessantes de nossa cultura indígena e primórdios do socioambientalismo, qual seja, o manejo sustentado dos recursos naturais bem como integração social ao meio ambiente. Arruda (1999) nos indica a relevância desse modelo e a necessidade do envolvimento como ferramenta de reversão do processo exploratório por políticas públicas bem sucedidas (ARRUDA, 1999, p. 83).
O limite perverso que se observa na racionalidade de nossos dias é a transformação de propostas como as Áreas de Preservação Permanente (APP)[4] e Código Florestal Brasileiro (Lei 4.771 de 15/09/1965) – interessadas numa proposta de desenvolvimento sustentável, mas de riscos compensatórios e justificadores da perpetuação do modelo de reestruturação produtiva do agronegócio[5], que proporciona a criminalização e restrições à reprodução socioambiental das comunidades (ARRUDA, 1999, p. 84), sem desconsiderar os riscos da venda de créditos de carbono como uma versão sofisticada de racionalidade exploratória.[6]
Esta racionalização também pode ser verificada na Política Agrária brasileira, nos artigos 184 a 191 da Constituição Federal de 1988, que protege a pequena e média propriedade, mas não limita a propriedade. Na realidade essa política “penaliza” a propriedade que não produz, sujeitando a mesma à desapropriação, mas prevendo uma justa e prévia indenização, logo, uma atitude característica ao âmbito burguês. A única sanção é a desapropriação por interesse social, portanto, um bom negócio.
Por fim, deseja-se que o socioambientalismo nos ofereça uma alternativa como resistência na superação da violência simbólica, legitimada pelo direito que tem no Poder Judiciário, seu representante mais ilustre e resistente. Esta hipótese se sustenta pela pouca possibilidade, ao menos aparente, de arrefecimento do socioambientalismo, e também por sua probabilidade de desconstrução/reconstrução do habitus, fruto da condição reflexa da luta da heterodoxia (socioambientalismo).
[1] Segundo Naess, o homem é parte inseparável do ambiente em que vive e o ambiente deve ser preservado em razão de sua importância para o ser humano. Disponível em: < http://www.deepecology.org/movement.htm.> retirado em 10/01/2012.
[2] Desenvolvimento sustentável “é o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as futuras gerações satisfazerem as suas próprias necessidades”. (Relatório Brundtland, 1991, p. 9)
[3] Segundo Morin, meta significa ultrapassar e conservar.
[4] Este modelo, sustentado numa compensação, foi importado dos EUA e considerado um padrão no mundo todo. Na pesquisa iremos explorar um pouco mais dessa questão e suas implicações racionais compensatórias, além da criminalização dos movimentos exploratórios de APP (ARRUDA, 1999).
[5] Na pesquisa, se verificará as relações escusas de membros do Judiciário com o agronegócio. Disponível em: <http://www.idp.edu.br/imprensa/848-ministro-gilmar-mendes-prestigia-a-comemoracao-dos-60-anos-da-onfederacao-da-agricultura-e-pecuaria-do-brasil-cna>.
[6] Verificar-se-á aqui também a questão dos créditos de carbono e o risco de uma armadilha do pagamento pela exploração e justificativas desse processo. http://www.ecodebate.com.br/2012/03/21/o-golpe-da-venda-de-creditos-de-carbono-artigo-de-telma-monteiro/#.T2n6YGwK0YE.email. Ver também http://www.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=3156.
Nome | Função no projeto | Função no Grupo | Tipo de Vínculo | Titulação Nível de Curso |
---|---|---|---|---|
JOSÉ QUERINO TAVARES NETO
Email: josequerinotavares@gmail.com |
Coordenador | Pesquisador | [professor] | [doutor] |