Detalhes do Projeto de Pesquisa

PERFORMANCES CIBERNÉTICAS: O CIBORGUE E A CONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO SOBRE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Dados do Projeto

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PERFORMANCES CIBERNÉTICAS: O CIBORGUE E A CONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO SOBRE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

2019/1 até 2024/2

ESCOLA POLITÉCNICA E DE ARTES

DESIGN, ESTUDOS CRÍTICOS E PERFORMANCES

DESIGN: ESTUDOS CRÍTICOS E PERFORMANCES

ANA PAULA NERES DE SANTANA BANDEIRA

Resumo do Projeto

As mídias visuais possuem um vasto repertório quando se trata de representar imagens de pessoas com deficiências, seja por um apelo motivacional em campanhas publicitárias ou como representações de caridade em filmes dramáticos. Garland-Thomson (2008), discute os modos de se ver e representar a pessoa com deficiência na fotografia, por onde propõe uma taxonomia de quatro retóricas visuais que apresentam tais modos. A partir da avaliação desta taxonomia, insere-se uma quinta retórica, a Ciborgue. Um representante desta retórica é o atleta paralímpico, que por meio sua performatividade, encenada em algumas modalidades paralímpicas colabora com a construção do imaginário da pessoa com deficiência. Esse processo de interação entre a pessoa com deficiência, colocado aqui como performer e seu público, o que, de acordo com Hymes, não está restrito apenas ao espaço do palco, mas também a um comportamento social diante de observadores que integram e participam desta performance. Neste sentido, a pessoa com deficiência, passa a ser mais do que um mero usuário de uma prótese, sua configuração performática se dá pela conjunção entre o design da prótese e sua relação corporal. Esta pesquisa se propõe a discutir parâmetros de design e sua influência na construção do imaginário social sobre a pessoa com deficiência, avaliando as tecnologias assistivas numa perspectiva para além de uma dimensão funcional, mas também como elemento determinante na construção da perfomance destes corpos.

Objetivos

Objetivo Geral 

O Objetivo geral deste projeto é verificar como as relações entre o design de tecnologias assistivas orientadas não somente para a eficiência do atleta, mas também para sua caracterização estética em pessoas com deficiências, são determinantes na construção do imaginário sobre suas supereficiências a partir de suas performances.


Objetivos Específicos 

Como objetivos específicos, apresentam-se três caminhos:


1.    Mapear as pesquisas e desenvolvimentos de tecnologias assistivas nos Núcleos espalhados pelo país no que tangem aos seus aspectos funcionais e estéticos;

2.    Analisar as principais tecnologias assistivas disponíveis e seus potenciais estéticos junto às pessoas com deficiências;

3.    Identificar os fatores que caracterizam, na performance do atleta com deficiência no uso de Tecnologias Assistivas, sua imagem de supereficiência junto ao imaginário social e de que modo isso ultrapassa a condição do atleta para os demais usuários de tecnologias assistivas;

4.    Discutir as metodologias de desenvolvimento de projetos de tecnologias assistivas sob a perspectiva da estética da performance, para além de sua eficiência.

Justificativa

Com base nos dados do censo demográfico desenvolvido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010 estima-se que no Brasil tem-se em média 46 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência seja ela visual, auditiva, motora ou intelectual. As representações visuais que ainda se sustentam em grande parte pelas retóricas de superação, piedade, estranhamento e reconhecimento começam a ceder espaço para a construção de um imaginário que estabelece a pessoa com deficiência, no momento em que faz uso das tecnologias assistivas, como alguém que vai além da superação da deficiência, para um caminho de superação da própria "eficiência".

O estudo dos fatores que estabelecem esse imaginário tem grande relevância uma vez que torna possível a verificação e proposição das condições que geram um outro discurso sobre a pessoa com deficiência, resultando na construção de uma cultura de inclusão em vias de uma sociedade mais igualitária.

Além disso, a compreensão, advinda dessa discussão, de que a deficiência não está na pessoa, mas no ambiente que a acolhe, estabelece um cenário em que as questões referentes aos desenvolvimentos tecnológicos passam a ser direcionadas para além de uma orientação puramente funcional, mas que abre espaço para a percepção estética de suas implementações.

Em seu trabalho “The Politics of Staring: Visual Rhetorics of Disability in Popular Photography”, Garland-Thomson (2008) traça um panorama da percepção da pessoa com deficiência na chamada “fotografia popular”, que seria, para a autora, o repertório fotográfico que compõe parte da cultura visual sobre a pessoa com deficiência. No texto, a autora propõe categorizar quatro tipos de retóricas visuais dessa fotografia, que seriam os modos como se dão o tratamento a estes, a saber: maravilhoso, sentimental, exótico e realista.

Nas quatro retóricas, portanto, a autora representa tipos de relação de identificação com a pessoa com deficiência: superação, piedade, estranhamento e reconhecimento. No entanto, no contexto das atuais tecnologias, há um elemento que passa a se sobressair, ocasionando o que poderia ser reconhecido como uma quinta retórica: a design, que tem como seu maior representante o ciborgue.

Em sua definição etimológica, a palavra “ciborgue” é o resultado da junção de “cibernético” e “organismo”. O primeiro termo é referente ao conceito de “controle”, segundo Rocha (2014):


Nascido de uma metáfora, o termo cibernética deriva do grego Kubernetes, que significa timoneiro, governador. É, desde aí, uma comparação indireta entre a ciência que pretende minimizar a desordem - a entropia dos sistemas de informação - e o responsável pela condução do navio, por conduzir a nau em um mar – tanta informação sugere um mar, um mar de informação. É o controle dos elementos em meio a uma quantidade enorme de informações, metaforizada na forma de mar, que precisa de um timoneiro para controlar o timão ao longo dos caminhos trilhados. (ROCHA, 2014, p.24)


O segundo termo refere-se ao corpo orgânico, normalmente com alguma deficiência que será superada pela integração de um sistema maquínico com esse organismo. Embora seja uma definição simples, a compreensão sobre o que constitui de fato um ciborgue é passível de confusões, na medida em que o nível de integração organismo/sistema pode sofrer variações. Segundo Gray, Mentor e Figueroa-Sarriera (1995, p.3 apud VIUDES, 2009):

as tecnologias ciborguianas podem ser: 1. restauradoras: permitem restaurar funções e substituir órgãos e membros perdidos; 2. normalizadoras: retornam as criaturas a uma indiferente normalidade; 3. reconfiguradoras: criam criaturas pós-humanas que são iguais aos seres humanos e, ao mesmo tempo, diferentes deles; 4. melhoradoras: criam criaturas melhoradas, relativamente ao ser humano.


A partir desta taxionomia, o ciborgue supera a deficiência, sem necessariamente expô-la, na medida em que o sistema mecânico/eletrônico pode ser incorporado no organismo tornando-se invisível. Destaca-se aqui, no entanto, uma via que se enquadraria no terceiro tipo, a reconfiguradora, que se define pela exposição da deficiência, mas como algo desejável por conta de sua dimensão estética (figura 1 e 2). Trata-se de próteses especialmente desenvolvidas com um design que reforça sua dimensão tecnológica ou artística.

Figura 1 e 2. “Synchronised” e “Phantom limb”, produtos desenvolvidas pela designer Sophie Barata, do “Alternative Limb Project”. Próteses com design conceitual com o objetivo de ser exibido.



A representação cinematográfica desse tipo de ciborgue é bastante farta como aponta Haraway, “A ficção científica contemporânea está cheia de ciborgues – criaturas que são simultaneamente animal e máquina, que habitam mundos que são, de forma ambígua, tanto naturais quanto fabricados.” (HARAWAY, 2009, p.36).

Um exemplo marcante, é o filme “Robocop”, de 1987, que mostra um policial que tem grande parte de seu corpo reconstituído após um ataque de bandidos que fuzilam-no deixando-o completamente desabilitado. Um diferencial em relação ao exemplo anterior, é o fato de aqui o sistema tecnológico não somente estar exposto, mas caracterizar-se pelo visual futurista. Neste sentido, a visualidade do ciborgue visa despertar uma certo desejo do observador, na medida em que o resultado é de um ser evoluído, integrante de um pós-humanismo utópico.

Já em um ambiente menos artístico, tem-se desenvolvido ações e produtos que caminham na direção do ciborgue. As olimpíadas “Cybathlon 2016” , em Zurique, se propõem a revolucionar os conceitos de competição, uma vez que é composta por atletas com deficiência com próteses de alto desempenho tecnológico.

O que torna o Cybathlon digno de citação na presente discussão, é a forma como a tecnologia é apresentada no seu vídeo de apresentação (figura 3). Para além da superação do atleta, o que se torna evidente é todo o resultado da junção homem/máquina. Como os ciborgues dos filmes, os atletas são seres superpoderosos, acima da humanidade “normal”.


Figura 3. Imagens de divulgação Cybathlon, 2016.

O design mostra os atletas como ciborgues super-humanos.

Mesmo em se tratando de eventos esportivos mais conhecidos, como as paralimpíadas, a imagem dos atletas ultrapassa a busca pela superação de suas deficiências. Em vários casos, nota-se uma evidente superação das próprias "eficiências" do público que assiste às competições, uma vez que aqueles atletas alcançam metas que a maioria das pessoas sem deficiências não conseguem nem se aproximar. Tornou-se emblemática a imagem do atleta sul africano Oscar Pistorius competindo com os demais atletas tidos como "normais", não somente superando-os em seu desempenho como caracterizando-se, enquanto performance, como um outro tipo de competidor, o ciborgue (figura 4).

Figura 4. Nas olimpíadas de 2012, o atleta Oscar Pistorius gerou polêmica ao competir com suas próteses, onde foi acusado de ser "privilegiado" pela tecnologia.


Uma parte significativa desses desempenhos é consequência das pesquisas em tecnologias assistivas. No entanto, enquanto investem em pesquisas com foco no desenvolvimento de tecnologias mais avançadas em termos funcionais, observando-se a eficiência e eficácia dos produtos, os Núcleos de Tecnologias Assistivas muitas vezes acabam por ignorar as consequências em termos da representação dessas tecnologias nos corpos das pessoas com deficiência. Enquanto os atletas paralímpicos são super-humanos em suas competições, a pessoa com deficiência "não atleta" também pode alcançar essa imagem de "supereficiência".

Portanto, a pesquisa elege como problema questionar quais são os fatores que determinam a construção de um imaginário de supereficiência das pessoas com deficiência a partir das tecnologias assistivas desenvolvidas pelos NTAs e em que medida a orientação estética das próteses interfere na construção desse imaginário.

Equipe do Projeto

Nome Função no projeto Função no Grupo Tipo de Vínculo Titulação
Nível de Curso
ANA PAULA NERES DE SANTANA BANDEIRA
Email: annabandeira@gmail.com
Coordenador Pesquisador [professor] [mestre]