Detalhes do Projeto de Pesquisa

PARA ONDE CAMINHA O CATOLICISMO BRASILEIRO

Dados do Projeto

342

PARA ONDE CAMINHA O CATOLICISMO BRASILEIRO

2018/2 até 2020/1

ESCOLA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E HUMANIDADES

GRUPO DE PESQUISA EM RELIGIÃO, CULTURA E SOCIEDADE

RELIGIÃO E MOVIMENTOS SOCIAIS

ALBERTO DA SILVA MOREIRA

Resumo do Projeto

O projeto investiga as principais correntes e tendências do catolicismo brasileiro contemporâneo e procura delinear em que direção elas se desenvolvem. Procura-se desenvolver uma perspectiva de análise sociológica em diálogo com autores das ciências humanas, principalmente ciências da religião, antropologia, história, filosofia e psicologia, que tratam do fenômeno religioso no país. Constata-se a necessidade de pensar o catolicismo na sua tensa composição interna de forma global, em contraste com estudos recentes que enfatizam aspectos particulares do catolicismo ou diferentes agrupamentos da Igreja Católica brasileira. Diante disso, procura-se recuperar o sentido da ação católica e de sua presença institucional na sociedade brasileira. O intuito é entender as confluências dos modos de ser católico no Brasil em um cenário de diversificação do cristianismo e do próprio catolicismo.

Objetivos

Específico:

Pesquisar os processos atuais de mudança no catolicismo brasileiro e na Igreja Católica.

Gerais:

1. Estudar o catolicismo em sua relação com as mudanças no campo religioso brasileiro e com os processos mais amplos de globalização econômica, sócio-cultural e religiosa.

2. Delinear as tendências marcantes presentes no catolicismo brasileiro, especialmente daqueles grupos herdeiros da Teologia da Libertação;

3. Manter ativo o Núcleo de Estudos Avançados em Religião e Globalização, com a interação de pesquisadores e inclusão de novos bolsistas de iniciação científica;

4. Influir de forma qualificada no debate público e atender as demandas da sociedade sobre o tema.

Justificativa

Aplicada ao campo das religiões, a globalização aparece como um processo de decomposição e recomposição de fronteiras e identidades religiosas (Pace, 1997) mestiçagens e bricolagens culturais e religiosas. Aparecem formas inusitadas de sincretismo que combinam sem problemas aparentes o arcaico mais tradicional com o hiper-moderno, a prática da magia com a eficiência das novas técnicas de administração empresarial, a estetização com a racionalidade do mercado. As fronteiras simbólicas às vezes se diluíram, outras vezes se fecharam; o processo de produção das identidades e das subjetividades se tornou muito mais complexo. Tais mudanças, além de outras oriundas da sua própria dinâmica interna, atingiram fortemente a Igreja Católica e o catolicismo no Brasil.

A Igreja Católica, há muitos séculos um global player, tanto contribuiu e se beneficiou, como tem sofrido os impactos (às vezes negativos) desse feixe de processos de transformação, conhecido como globalização cultural e religiosa. No caso específico do Brasil o catolicismo chegou ao mesmo tempo e em estreita sintonia com o projeto colonizador português (Hoonaert, 1977; Azzi, 2005; Hoonaert et alii, 1989 e 1990). O catolicismo, religião oficial do império português e posteriormente do império brasileiro, entrou para a própria formação da história, da sociedade e da cultura brasileiras, num processo complexo e conflitivo de confrontação, amálgama, imposição, negociação, re-significação e hibridação criativa seja com outras tradições religiosas, como as religiões dos africanos e dos povos indígenas, seja com a religiosidade ibérica trazida pelas camadas populares, moldando as vertentes oficial e popular do próprio catolicismo (Brandão, 1980), seja ainda pela interação, feita de resistências e re-apropriações, com as religiões trazidas pelos imigrantes, com o espiritismo, as religiões orientais e os diversos ramos do protestantismo, entre eles, por fim, o pentecostalismo. 

Assim, dever-se-ia falar não do catolicismo brasileiro, mas dos catolicismos no plural. Para dar-se conta das profundas transformações sofridas pelo catolicismo nos últimos quarenta anos basta mencionar sua enorme diversidade interna: catolicismo tradicionalista (TFP, Opus Dei), catolicismo crítico-social politizado (Teologia da Libertação, comunidades de base), catolicismo popular de base rural, catolicismo carismático de classe média urbana, catolicismo de IBGE ou herdado culturalmente (cada vez mais reduzido), novas comunidades de vida (Canção Nova, Shalom), catolicismo flutuante dos que buscam grandes centros de peregrinação, eventos de massa e santuários católicos.

Tal processo de transformação e reposição das fronteiras simbólicas do catolicismo continua em plena vigência, sobretudo hoje, quando as condições no interior do campo religioso (Bourdieu, 1974) são completamente diferentes de há quarenta anos. A perda pela primeira vez de católicos em números absolutos e o crescimento das igrejas pentecostais, dos espíritas e dos sem-religião, registrados pelo Censo de 2010 (Católicos 64%, Evangélicos 22%, Sem religião 8%, Espíritas 2%) apontam para um futuro de crescente pluralismo religioso. 

Uma visão sócio-histórica que ultrapasse a leitura superficial dos dados estatísticos evidencia que o catolicismo deixou de ser a “religião dos brasileiros”, apesar de ser ainda a “religião da maioria dos brasileiros” (TEIXEIRA, 2013). O Censo de 2010 apontou que, além da diminuição relativa na proporção de fiéis, houve pela primeira vez a diminuição absoluta no número católicos. Pesquisas parciais parecem indicar que em outubro de 2016 a proporção de católicos já estaria abaixo dos 55% da população (Datafolha, 2016).

A sociedade brasileira, em sua composição cultural é profundamente influenciada pela lógica cristã impressa pelo catolicismo popular, que soube aproveitar as trocas com as religiões de matriz africana e indígena, destacando-se no contexto histórico de construção da nação. Todavia, não é mais possível identificar automaticamente o “ser” católico com o “ser” brasileiro. Já nos anos 1990, Pierre Sanchis (1994) destacava que a Igreja Católica não tinha mais a hegemonia da verdade no campo religioso brasileiro. 

Ao pensar o caso do catolicismo no Brasil, esse novo contexto pode ser interpretado em relação à emergência do indivíduo e à crescente desinstitucionalização da experiência religiosa (TEIXEIRA, 2013); isto é, ocorre um processo de fragilização da tradição e fortalecimento da busca de alternativas individuais de salvação (ALMEIDA & BARBOSA, 2013). A consequência, seria um cenário religioso marcado pela “mutação sociocultural”, com a multiplicação das opções religiosas existentes, o enfraquecimento na intensidade da adesão religiosa, o processo de “desinstitucionalização” das religiões e o “esvaziamento das instituições religiosas tradicionais” (TEIXEIRA & MENEZES, 2006, p. 08).

Configura-se, portanto, o cenário descrito por Faustino Teixeira e Renata Menezes (2013, p.21): “A tendência em curso indica a afirmação ‘de uma visão cada vez mais pessoal da religião’, dispondo os sujeitos de ‘dispositivos de sentido’ singulares, seja pontuados pelo sincretismo ou pela bricolagem”. Tal contexto produz uma tensão entre a religião universal de conversão individual (o pentecostalismo) e a instituição social que representa a família, as origens, o berço da religião e da tradição (no caso brasileiro a Igreja Católica). A religião congregacional rompe com todos os laços familiares; é religião desfazendo laços de família, como afirma Pierucci (2006, p. 31). O autor, em diálogo com Max Weber, afirma que a “religiosidade soteriológica congregacional como criadora de uma ‘comunidade social nova’”, configura uma vida comunitária nova. Os laços sanguíneos que constituem a família são substituídos pelos laços religiosos, estabelecendo uma nova família formada pelos irmãos de fé.

É necessário considerar que no caso brasileiro, apesar da diminuição da capacidade da Igreja Católica de regular o mercado religioso, ainda é muito presente o peso dos custos sociais no processo de adesão às outras religiões. Além disso, o trânsito religioso e a atual multiplicidade de pertença religiosa, fenômeno estudado por Negrão (2009), continuam em conexão com o catolicismo popular e com sua típica duplicidade histórica de adesões, como católicos/afro-brasileiros, católicos/espíritas, católicos/pro­tes­tantes, católicos/outras religiões. Faz parte da “cultura católica” brasileira a duplicidade de adesões, o que demonstra que ela continua muito presente no contexto contemporâneo. 

Além disso, é preciso considerar que a queda no número de católicos não trouxe necessariamente uma diminuição na força do catolicismo em nossa sociedade. Tomemos, por exemplo, as romarias aos grandes santuários e as grandes festas populares católicas do país (Aparecida, Círio de Nazaré, Juazeiro do Norte, Trindade, Nova Trento, Bom Jesus da Lapa, São Francisco do Canindé, Muquém). Elas não perderam fiéis; ao contrário, parecem aumentar sua importância ano a ano, fusionando-se e tornando-se permeável ao novo perfil do peregrino-convertido-turista pós-moderno e mantendo, além da conexão com o passado, um certo potencial identitário da “cultura católica” para parte da população brasileira. O mesmo se pode dizer das comunidades de base e do catolicismo social crítico: apesar de não frequentar a mídia e de haver passado por muitas mudanças e percalços, as comunidades de base, os movimentos de cristãos pelos direitos humanos e as pastorais sociais seguem existindo ou até mesmo se recompondo. Todos esses fenômenos e tendências contribuem para compor um objeto de pesquisa multifacetado e exigente, não passível de leituras rápidas e simplificadoras.

Ainda que formalmente capitaneado pela instituição Igreja Católica, o processo de transformação do catolicismo brasileiro não depende ou não é conduzido apenas por ela. Muitos outros agentes, tanto religiosos, como igrejas e comunidades concorrentes, mas também instâncias sócio-culturais produtoras de sentido interferem nesse processo, como a cultura midiática e imagética, a Internet e o mundo da comunicação eletrônica, vinculados ao mercado. Na verdade não apenas uma Igreja está em processo de transformação, mas as próprias bases objetivas e subjetivas da religiosidade.

Assim, esse projeto de pesquisa se propõe: 1) analisar como a Igreja Católica no Brasil tem reagido às crises internas e externas e às transformações sócio-culturais mais amplas, em interação com sua central institucional romana, uma vez que tais mudanças não podem ser explicadas apenas por processos auto-referentes, mas precisam levar em conta políticas internas do Vaticano, a atuação do Papa, a presença global do catolicismo e o imaginário religioso mundial; 2) mapear e descrever, num recorte sociológico e histórico desde o pós-guerra, as formas recentes assumidas pelo catolicismo brasileiro, sobretudo aquelas formas históricas ligadas à Igreja dos Pobres e à Teologia da Libertação; 3) apontar desdobramentos para o futuro em relação à posição relativa da Igreja Católica no mutante campo religioso nacional, sobretudo em relação ao pentecostalismo; 4) investigar até que ponto a perda numérica e de visibilidade social desloca a Igreja Católica e o catolicismo de seu lugar tradicional de agente privilegiado no campo cultural brasileiro.

Algumas perguntas a serem respondidas por esse projeto de pesquisa são: qual o perfil dos catolicismos brasileiros no presente? Como a crise das mediações religiosas institucionais se reflete nas políticas internas da Igreja Católica? Quais são e que tendências se delineiam para os grupos e movimentos herdeiros da teologia da libertação e da chamada Igreja dos Pobres? Para onde caminha a Igreja Católica no Brasil?

Equipe do Projeto

Nome Função no projeto Função no Grupo Tipo de Vínculo Titulação
Nível de Curso
ALBERTO DA SILVA MOREIRA
Email: alberto-moreira@uol.com.br
Coordenador Pesquisador [professor] [doutor]