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O AGGIORNAMENTO EM UMA ARQUIDIOCESE SERTANEJA: A HERMENÊUTICA DO CONCÍLIO VATICANO II EM GOIÁS (1962-1973)
2020/1 até 2021/1
ESCOLA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E HUMANIDADES
CULTURA, PODER E REPRESENTAÇÕES
Poder e representações
EDUARDO GUSMÃO DE QUADROS
- Mapear as demandas do catolicismo goiano levadas ao evento conciliar e como elas criaram um horizonte de expectativa em relação ás decisões tomadas;
- Analisar as contribuições da arquidiocese de Goiânia nos debates ocorridos durante e após o Concílio através dos escritos de seu arcebispo, Dom Fernando Gomes dos Santos;
- Ressaltar os filtros interpretativos aplicados aos documentos conciliares, os conceitos centrais aplicados e como modificaram as ações eclesiásticas;
- Demonstrar como o conceito teológico-político de Justiça se tornou central na região, modalizando as intervenções discursivas e práticas na sociedade goiana.
- Dialogar criticamente com a historiografia a respeito do tema, propondo novas perspectivas e linhas de análise.
Quando alguém se propõe a investigar as transformações que acompanharam o Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965) e seu impacto na sociedade brasileira se sente relativamente perdido. Não pela falta de fontes, análises e informações, mas justamente pelo contrário: seu excesso. A herança conciliar permanece viva, disputada, gerando eventos e publicações em cada data comemorativa. Isso multiplica os olhares e perspectivas, além da documentação publicada, que cresce a cada dia.
O processo conciliar foi grandioso, com dimensões internacionais, envolvendo os cinco continentes. Naqueles quatro anos, reuniram-se no Vaticano mais de dois mil bispos, com assessores e peritos, para debater os rumos do cristianismo e, quiçá, do mundo. Destarte, não foi apenas um evento católico romano no sentido estrito do termo, mas uma assembleia que incluia além dos representantes de outras confissões religiosas, um grande grupo de observadores leigos e líderes (ALBERIGO, 2006).
O que foi gerado deste longo e custoso trabalho, com tantos debates e controvérsias? Textos, a maioria de pequena dimensão até. Foram dezesseis ao todo: quatro constituições, dez decretos e uma declaração. Isso não é pouco na verdade, pois precisamos compreender a instituição eclesiástica dentro da economia escriturística da sociedade contemporânea.
Isso não é tão comum nos estudos. Infelizmente, a maioria dos pesquisadores trabalha com escrituras sem se perguntar pelo lugar, a produção ou os efeitos da produção e circulação de um texto. Michel de Certeau aponta como esta prática é fundamental na sociedade ocidental, pois remete a seu principal “estatuto de verdade”. Por isso, escrever pode ser definido como “a atividade concreta que consiste, sobre um espaço próprio, a página, em construir um texto que tem poder sobre a exterioridade, da qual foi previamente isolado” (CERTEAU, 1996, p.225). A produção escriturística está, deste modo, além da comunicação e da relação emissor – receptor, pois envolve complexas operações de deciframento (Ex. a língua, formas de leitura); técnicas de registro impresso (Ex. a pontuação, a inserção de subtítulos); principalmente a eficácia social do escrito (Ex. autoridade manifesta, expectativas instituídas).
Somente dentro desta economia escriturária, gerada e difundida pela Igreja católica, podemos compreender os intensos debates registrados acerca de uma única palavra em um documento. Uma vírgula, afinal, pode modificar todo o sentido de uma frase e os emitidos pelas autoridades eclesiásticas costumam ser eivados delas (sem entrar na questão das traduções, que levaria a outra problemática).
Outro ponto geral que não é enfatizado nos estudos acerca do movimento conciliar, ou na historiografia acerca do catolicismo no Brasil, é o que podemos denominar de maneira geral por espiritualidade. Normalmente nosso referencial teórico é voltado para captar as relações da experiência religiosa com os movimentos sociais e políticos. Então, a nossa problemática trata de elementos que não compõem o núcleo da fé dos sujeitos, ou seja, pergunta-se aos fenômenos religiosos o que eles não são ou não tem muito a dizer.
Isso é válido especialmente para o nosso tema, pois os estudos acerca do impacto do Concílio Vaticano II no Brasil buscam identificar o que seriam os primórdios do Cristianismo da Libertação (v.g.LOWY, 2016), as transformações ocorridas na relação com o Estado (v.g. SILVA, 2018), a inserção do catolicismo nos movimentos sociais da época ou na luta pelos direitos humanos (v.g. WANDERLEY, 2008).
Todas essas questões são muito importantes, obviamente. As análises fornecem uma abordagem rigorosa da instituição católica na rede de tensões que compõem uma configuração social. Ademais, a conjuntura antes e depois do golpe civil-militar de 1964 demarcou tanto as questões pastorais levadas a Roma pelo episcopado brasileiro quanto a implantação das decisões conciliares. Contudo, um dos elementos que mais se destacou para o grupo de pessoas que formavam e frequentavam as igrejas locais foi a mudança promovida nas celebrações litúrgicas.
A celebração é uma parte muito especial dos movimentos religiosos, mas foram poucos autores clássicos deram a ênfase merecida. Destaca-se Joachim Wach (1990) quando ele aponta três modalidades básicas da experiência religiosa ser expressa pelos sujeitos. A primeira seria a visão teórica ou doutrinária da experiência com o sagrado, moldada pela linguagem mítica, pelas narrativas arquetípicas e pelos dogmas. A segunda é a expressão prática, manifesta exatamente pela adoração, pelos rituais e pelos símbolos. Somente a terceira forma de expressão atingiria a dimensão sócio-política, quando envolve os princípios éticos, comportamentais e a sociedade de forma geral (1990, p.30-49). Tal perspectiva, integrando os três aspectos, sem hierarquizar, ajuda a entender melhor o processo de execução do Concílio bem como os disputados debates acerca de pontos que parecem inócuos à maioria dos historiadores.
Aplicamos esta perspectiva analítica para compreender os meandros da implantação do Concílio Vaticano em Goiás, focando especificamente na liderança do arcebispo Dom Fernando Gomes dos Santos. Ele esteva nas quatro sessões conciliares[1], fez cartas pastorais abordando o concílio bem como intervenções orais e escritas neste grande evento eclesiástico. Uma hermenêutica entre as demandas levadas, o processo de estabelecimento dos textos conciliares e a recepção, evidentemente, seletiva destes é o nosso tema de estudo.
[1] Conforme o levantamento de Beozzo (2005, p.436-37), o arcebispo de Goiás realizou seis intervenções durante as quatro secções do Concílio (1962-1965). Além disso, ele explicava a importância das decisões tomadas regulamente em noticias enviadas de Roma para a Rádio Difusora.
Nome | Função no projeto | Função no Grupo | Tipo de Vínculo | Titulação Nível de Curso |
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EDUARDO GUSMÃO DE QUADROS
Email: eduardo.hgs@hotmail.com |
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