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ENSINO DE QUÍMICA E O ALUNO COM DEFICIÊNCIA, RUMO A UMA EDUCAÇÃO INCLUSIVA: O USO DA LINGUAGEM LATEX NA INCLUSÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL
2018/2 até 2021/1
ESCOLA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E HUMANIDADES
GRUPO DE PESQUISA EM FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS EXATAS E EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
Processos Pedagógicos no Ensino de Ciências e Matemática
JULIO CESAR QUEIROZ DE CARVALHO
Objetivo Geral
Investigar as possibilidades de se introduzir a linguagem LaTeX, associada a ferramentas de interface auditiva, na mediação de processos ativos de ensino e aprendizagem de Química, por meio do computador.
Objetivos Específicos (ou secundários)
O grande desafio ao se ensinar Química para alunos com deficiência visual é sem dúvida quando inserimos a linguagem matemática e/ou simbólica. Karshmer e Bledsoe (2007) diferenciam a leitura e escrita matemática da leitura e escrita de um texto, levando em consideração sua representação gráfica. Enquanto um texto é naturalmente representado de forma linear, por meio da combinação de um número limitado de caracteres, entre letras, números, sinais representativos de pontuação e alguns caracteres especiais, a linguagem matemática é representada de forma bidimensional (sobrescritos, subscritos, frações, sinais representativos de operações como radiciação, somatório, integral, dentre outros) e pode conter todos os elementos de um texto mais um grande número de símbolos especiais, como letras gregas, por exemplo.
Essa forma de representação da linguagem matemática, bidimensional e essencialmente simbólica, é própria de uma “cultura de videntes”. Na linguagem Braille, por exemplo, tanto o texto quanto a matemática são lineares e partilham do mesmo sistema de representação, “six-dots”, por exemplo. Outra diferença entre alunos sem e com deficiência visual pode ser percebida na dinâmica de resolução de um problema que envolve notação matemática. Segundo Tato (2009) os alunos videntes, ao resolverem um problema, podem perceber todas as constantes e variáveis envolvidas com uma simples “varredura” com os olhos. De modo que podem planejar, traçar estratégias de resolução e de como proceder do início ao fim do exercício, além de poder rapidamente retomar a qualquer informação anterior. Já para os alunos com deficiência visual, usuários do Sistema Braille, por exemplo, a leitura e escrita é feita caractere a caractere, que para Parry (1997), ao serem simplificadas para a leitura sequencial, principalmente equações fracionárias, dificultam o entendimento do todo e a retomada de alguma parcela da equação.
A dificuldade encontrada por Tato (2009) estava no uso, por parte da maioria dos alunos, de uma ferramenta convencional de escrita em Braille, a reglete com punção, devido ao alto custo na aquisição e manutenção de uma máquina Braille. Conhecida como “reglete negativa”, com esta ferramenta a escrita era feita de um lado da folha, da direita para a esquerda, para que a leitura pudesse ser feita da esquerda para a direita, no verso da folha. Com isso o aluno com deficiência visual não conseguia escrever e ler concomitantemente enquanto resolvia um exercício, além de muitas vezes acarretar em erro, devido ao fato de escrever de forma invertida. Sua proposta consistiu no desenvolvimento de um sistema de equacionamento tátil para facilitar a construção e manipulação de equações por parte de alunos com deficiência visual. O sistema permitiu a leitura e escrita simultaneamente. O material compunha-se de uma placa metálica e objetos com símbolos em Braille colados a imãs, de forma a possibilitar autonomia ao usuário em não somente montar as equações, mas retomá-las, similarmente aos alunos videntes (Ver figura 1.1).
Figura 1.1 – Material de equacionamento tátil, proposto por Tato (2009). Consiste de objetos em Braille impressos em uma chapa de metal e colados a imãs, permitindo que os alunos com deficiência visual montem equações em uma lousa metálica da mesma forma que um aluno vidente o faz.
Fonte: Tato (2009)
Ainda com relação à escrita Braille, outra iniciativa importante (contornando uma das problemáticas levantadas por Tato (2009)) partiu de uma indústria brasileira, a Tece, apoiada pelo Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, que desenvolveu uma tecnologia revolucionária. Batizada de “reglete positiva” (figura 1.2), aparentemente parece uma reglete comum, composta de duas placas paralelas presas em uma extremidade por uma dobradiça, sendo a placa superior vazada no formato de celas e a placa inferior formada por “esferas” em relevo. Ao encaixar uma folha de papel entre as duas placas, o usuário, com o auxílio de uma punção, pode escrever em Braille.
Figura 1.2 – Desenho esquemático do processo de escrita Braille com o auxílio de uma reglete positiva. Foi batizada com este nome, pois com as regletes convencionais a escrita é feita da direita para a esquerda de um lado do papel para que a leitura possa ser feita no verso do papel da esquerda para a direita (inversa ou de forma “negativa” em relação a forma natural de leitura e escrita). Com esta nova reglete a escrita e a leitura são feitas do mesmo lado do papel, ambas da esquerda para a direita (positiva).
Fonte: Tece (2014)
A inovação está na placa inferior, que ao invés de esferas em baixo relevo (reglete convencional) foram desenvolvidas em alto relevo, e a extremidade da punção, que ao invés de ser abaulada, possui uma cava. Dessa forma o usuário pode escrever da esquerda para a direita e a leitura também poderá ser feita da esquerda para a direita do mesmo lado do papel e não de forma invertida, como as regletes convencionais. Por isso que a nova reglete foi batizada de “reglete positiva” (ALISSON, 2013).
Para o acesso de pessoas com deficiência visual a conteúdos imagéticos, uma técnica que tem sido bastante difundida é a “audiodescrição” (MOTTA, ROMEU FILHO, 2010). Na TV, no cinema ou no teatro, é utilizada na descrição de cenas com pouco ou sem diálogo e no fornecimento de informações adicionais importantes para o melhor entendimento das mesmas. No caso de obras de arte, fotografias e gravuras, pode ser utilizada para uma descrição. Na área de ensino podemos utilizar na descrição de figuras e gráficos (SANT’ANNA, 2010; VILARONGA, 2010).
Com o advento do computador e o desenvolvimento de ferramentas de interface auditiva, tornou-se possível o acesso de pessoas com deficiência visual ao mundo da informática e o computador passou a ser mais um aliado na transposição das barreiras da acessibilidade. Dentre as ferramentas de interface auditiva mais utilizadas atualmente temos o NVDA, o JAWS, o VIRTUAL VISION, o ORCA e o DosVox.
Neste sentido temos iniciativas como a de um grupo de pesquisadores da Unicamp que desenvolveu um software para ajudar crianças entre 6 e 8 anos a aprender matemática. Batizado de MiniMatecaVox, encontra-se em fase experimental e é composto por 20 aulas com 300 atividades, podendo ser inicializado pela plataforma DosVox, permitindo a realização de diversas tarefas por meio de um dispositivo de voz (TEIXEIRA, 2014)
Ferreira e Freitas (2006) desenvolveram um pacote de ferramentas computacionais denominado “AudioMath”, capazes de “falar fórmulas matemáticas”. Neste caso, analisam, interpretam e convertem fórmulas matemáticas do formato MathML (Mathematical Markup Language) em uma forma de texto por extenso. Do mesmo modo, Meira et. al. (2008) apresentaram a proposta de uma ferramenta de autoria em que o professor pode digitar um texto, incluindo expressões matemáticas e o software permite que ele salve em dois formatos diferentes: um formato acessível aos leitores de tela e outro arquivo em formato XHTML, com conteúdo MathML, para alunos videntes.
Porém, quando pensamos no uso do computador no ensino de Química para alunos com deficiência visual, não somente para o acesso a materiais didáticos, mas também como um instrumento de autoria, no que se refere à produção de textos, como notas de aula, relatórios, pesquisa e na resolução de problemas, trabalhos como os anteriormente citados deixam uma lacuna, pois embora representem um passo importante na transposição das barreiras da acessibilidade, resolvem apenas uma das vias do processo, o da leitura.
Baldwin (2011), um professor de Tecnologia da Informação de Austin, nos Estados Unidos, nos chamou a atenção para uma metodologia interessante. Enquanto lecionava a disciplina de programação em JAVA que contemplava uma aluna com deficiência visual, se voluntariou para acompanhá-la em suas disciplinas de Física, em outro departamento. Foi então que percebeu uma das maiores barreiras enfrentada pela aluna: A versão eletrônica de seu livro-texto não era acessível (tanto a versão .pdf, quanto a versão .doc) aos softwares ledores de tela, nem a linha Braille. Dentre os principais elementos que dificultavam o acesso por meio das ferramentas citadas acima, o autor destacou: O grande número de figuras e diagramas presentes no livro-texto, que em sua maioria continham pouca ou nenhuma explicação; Uso de caracteres especiais como letras gregas, subscrito, sobrescrito, notação vetorial, dentre outros e o formato da linguagem matemática presente nas inúmeras equações contidas em um texto de Física. Sendo assim, Baldwin se propôs a desenvolver um curso de Física em módulos (contemplando alguns dos principais conceitos físicos), todo baseado em JavaScript, uma linguagem de programação. Embora não estivesse entre as preferidas por Baldwin, segundo ele se tratava da linguagem mais acessível aos alunos com deficiência visual.
Veja que o problema central enfrentado por Baldwin (2011) foi a linguagem matemática, vendo em uma linguagem de programação, o JAVA, uma alternativa para à linguagem matemática convencional. Neste caso, ao invés de se pensar em novas ferramentas que garantam a leitura de expressões matemáticas, sua preocupação estava em propor uma linguagem que permitisse não somente à leitura, por meio de um software de interface auditiva, mas que desse autonomia aos alunos.
Partindo do mesmo problema central de Baldwin, mas discordando quando afirma que o JAVA seria a linguagem mais acessível aos alunos com deficiência visual, nosso objetivo é o de chamar a atenção para uma linguagem de programação bastante difundida no meio acadêmico, principalmente na Química, Física e Matemática, a Linguagem LaTeX, na diminuição de barreiras no uso do computador por alunos com deficiência visual em aulas de Química. Diferentemente da linguagem JAVA e até mesmo do MathML, a linguagem LaTeX possui uma sintaxe mais intuitiva e própria para a escrita de textos que envolvam expressões matemáticas.
Primeiramente, na década de 70, Donald Knuth (1984) desenvolveu o TeX, um sofisticado programa de escrita de textos de alto padrão de qualidade tipográfica. Segundo Paes e Ferreira (2008) o TeX “é popular no meio acadêmico, principalmente entre os físicos, matemáticos e cientistas da computação, devido a sua capacidade de produzir fórmulas e símbolos matemáticos de uma maneira elegante”. O LaTeX foi desenvolvido por Leslie Lamport (1994), na década de 80. Trata-se não de um processador de textos, mas uma linguagem que permite preparar automaticamente um documento de forma profissional e de alta qualidade. Neste caso, só precisamos editar o texto e alguns comandos, o LaTeX se encarrega de compilá-lo (FLORES & BORBÓN, 2009).
Em outras palavras, o LaTeX é uma linguagem de marcação de texto, uma sintaxe na qual você escreve os conteúdos já com as indicações da formatação final. Seu processamento é feito em duas etapas distintas: 1. O texto a ser impresso e os comandos de formatação são escritos em um arquivo fonte com o uso de um software de edição; 2. Em seguida o arquivo fonte é submetido a um software formatador, neste caso o LaTeX, que gera um arquivo de saída, que pode ser impresso ou visualizado na tela (SANTOS, 2011).
Nome | Função no projeto | Função no Grupo | Tipo de Vínculo | Titulação Nível de Curso |
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JULIO CESAR QUEIROZ DE CARVALHO
Email: jcqcarvalho@gmail.com |
Coordenador | Pesquisador | [professor] | [doutor] |