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REPENSANDO OS POVOAMENTOS NO PLANALTO CENTRAL DO BRASIL A PARTIR DA REGIÃO DE SERRANÓPOLIS
2016/1 até 2023/2
ESCOLA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E HUMANIDADES
PATRIMÔNIO CULTURAL
Cultura Material e paisagem
SIBELI APARECIDA VIANA
Geral
Produzir dados científicos para ampliar o conhecimento acerca dos povoamentos humanos a partir do início do Holoceno da região sudoeste do Estado de Goiás, tendo como base a escavação do sítio arqueológico GO-Ja-01.
Específicos
- Aprimorar as modalidades de povoamentos da região, investigando os substratos não escavados, inferiores às camadas ocupacionais da fase Paranaíba, datados do Holoceno Inicial;
- Detalhar as escavações para melhor controle das decapagens transicionais da ocupação marcada pela fase Paranaíba para a Serranópolis, ocorrida no Holoceno Médio.
- Entender a formação das camadas ocupacionais do sítio GO-Ja-01, tendo por orientação os pressupostos da geoarqueologia;
- Caracterização dos aspectos geoarqueológicos da área onde se localiza o sítio;
- Ampliar e aprimorar o entendimento acerca do início do cultivo de plantas e sua domesticação na região;
- Colaborar com estudos de bioarqueologia em nível regional e nacional para a caracterização dos biótipos humanos presentes no Planalto Central brasileiro.
- Caracterizar os aspectos paleoambientais e ambientais relacionados às diferentes ocupações do sítio, ampliando e diversificando os modelos regionais;
- Ampliar os dados acerca das dietas alimentares, por meio do reconhecimento de almidones e fitólitos em vestígios cerâmicos e líticos;- Identificar os esquemas técnicos de produção e funcionamento dos instrumentos líticos lascados e polidos e compará-los às sequencias culturais presentes no sítio, identificando as estruturas técnicas e suas modificações ocorridas ao longo do tempo;
- Identificar os aspectos tecnológicos de produção e de utilização dos vasilhames cerâmicos;
- Alargar informações acerca da utilização dos recursos naturais, movimentação dos grupos e possíveis sistemas de assentamentos;
- Buscar relações culturais e espaciais entre os sítios da região de Serranópolis e outros da região Central do Brasil;
- Fomentar a pesquisa arqueológica no sudoeste de Goiás;
- Produzir novos dados referente a ocupação humana no Planalto Central Brasileiro e inseri-los no contexto das discussões referentes ao tema na América do Sul.
Na área arqueológica de Jataí, onde se insere o município de Serranópolis, foram localizados pelos primeiros arqueólogos que atuaram na região, cerca de 40 sítios arqueológicos em abrigos rochosos. Desde sua descoberta este complexo arqueológico é considerado referência para a pré-história brasileira.
Dentre os sítios identificados e escavados nesta região ressalta-se o Sítio Diogo Lemes (GO-Ja-01), considerado de singular importância para o entendimento da pré-história regional e nacional. Sua alta significância arqueológica se destaca em vários pontos, entre eles: o seu bom estado de preservação; apresenta uma sequência de camadas estratigráficas distintas entre si, ricas em vestígios arqueológicos, o que permitiu aos pesquisadores da época obter uma amostra expressiva de cultura material (SCHMITZ et al, 1989, 2004, SCHMITZ, 1980).
Tais dados reforçam a preservação do sítio e demonstram a sua longa e contínua ocupação; o sítio exibe igualmente, conjuntos diversos de culturas materiais relacionados aos distintos estratos ocupacionais, entre eles destaca-se uma indústria lítica bem particular e específica a cada horizonte cultural.
A variação dos conjuntos líticos, observada ao longo da série estratigráfica, serviu de base para a proposição de uma sequência cultural coerente que serve de referência para o Planalto Central, caracterizada pelas fases Paranaíba (Tradição Itaparica), Serranópolis (Tradição Serranópolis) e Jataí (Tradição Una). Tais evidências fizeram dessa região uma das mais conhecidas do Brasil, com relação especial ao período pré-cerâmico.
Em termos cronológicos o sítio GO-Ja-01, juntamente com os demais datados para a região, apresenta datações que vão de cerca de 11.500 AP até cerca de 1.000 AP.
Numa escala mais ampla, destaca-se a posição geográfica da região sudoeste de Goiás, considerada estratégica em relação às outras áreas arqueológicas do território brasileiro. Ela está inserida na bacia do Paraná/Prata e próxima a outras importantes bacias hidrográficas do país, como a bacias dos rios Tocantins/Araguaia, do Amazonas e do São Francisco, o que teria favorecido possíveis deslocamentos intergrupais.
O período ocupacional mais antigo, do início do Holoceno, se coaduna com outros sítios da região Central do Brasil, entre eles: sítios do Alto Sucuriu/MS, sítios AS4 e AS12 (KASHIMOTO; MARTIN, 2005), do município de Poxoréo/MT, sítio MT-SL-31 (WÜST, 1990), do município de Uruaçu/GO, sítio GO-NI-49 (SCHMITZ, 1978/1979), de Jangada/MT, sítio Santa Elina (VILHENA-VIALOU; VIALOU, 1989), sítios de Lajeado/TO (BUENO, 2007). Também há sítios em Minas Gerais, relacionados por Rodet et al (2011), localizados em Januária/MG (PROUS et al., 1984), em Buritizeiro (RODET et al., 2007); em Jequitaí (BASSI; RODET, 2011) e em Diamantina (ISNARDIS, 2009).
Em cronologia mais recuada, considerando os sítios do território brasileiro datados do final do Pleistoceno, todos se encontram no Planalto Central. Em sentido Oeste está o sítio Santa Elina (VILHENA VIALOU, 1994) e o sítio Gruta do Sol (MILLER, 1983), localizados no estado de Mato Grosso e no Nordeste estão os sítios Boqueirão da Pedra Furada (PARENTI, 2001), Vale da Pedra (BOËDA, et al 2014) e Tira Peia (LAHAYE et al. , 2013), no estado do Piauí.
A cultura material do sítio GO-Ja-01 e demais sítios da região foi intensamente estudada por Schmitz et al (1989; 2004) e, posteriormente por Fogaça e Lourdeau (2008) e Lourdeau (2010) (ver se a Jacqueline). Os estratos mais antigos do início do Holoceno foram caracterizados principalmente pelos materiais líticos, pertencentes a fase Paranaíba. Esta fase foi datada de 11.500 a 8.500 BP e assim caracterizada por apresentar, além de algumas poucas pontas bifaciais, uma centena de instrumentos unifaciais no conjunto lítico, denominados de “lesmas”. Esses instrumentos foram considerados como marcadores crono-culturais da Tradição Itaparica, pois ocorre de forma expressiva em todos os sítios da fase Paranaíba. Salientamos ainda que o sítio em questão alberga a maior coleção de plano-convexos já registrada em todo território nacional.
No que diz respeito aos instrumentos unifaciais (lesmas), trazemos Fogaça e Lourdeau (2008) e Lourdeau (2010) que, fundamentados numa perspectiva analítica tecnofuncional (BOEDA, 2001), definiram tais instrumentos enquanto peças portadoras de uma estrutura técnica comum, representada por façonagem unifacial, realizada a partir de uma superfície plana. Na maioria das vezes os suportes destes instrumentos provêm de lascas espessas com nervuras dorsais. Trata-se de instrumentos confeccionados sobre lascas grandes cujo volume é organizado com retiradas unifaciais na periferia inteira da peça, sempre realizadas à custa da face superior da lasca-suporte.
A partir da definição da estrutura técnica de tais instrumentos, os autores observaram ainda uma expressiva variabilidade tecnológica, própria da criatividade humana e das exigências funcionais destes instrumentos. Além desses artefatos, a indústria lítica compõe-se também de outros instrumentos, geralmente pouco descritos, mas dotados de esquemas técnicos particulares. Essa variabilidade também foi constataa por Fogaça (2003) para os instrumentos unifaciais de Minas Gerais.
Todos os sítios da Tradição Itaparica correspondem ao fim Pleistoceno e início do Holoceno. Ela foi definida no final da década de 1960 por Valentin Calderon (1969), após escavação no sítio Gruta do Padre, no estado de Pernambuco, tendo por parâmetros os referidos instrumentos unifaciais (“lesmas”). Os sítios desta Tradição ocorrem em áreas de cerrado e campo limpo, nos estados de Tocantins, de Goiás, de Mato Grosso, de Mato Grosso do Sul e de Minas Gerais, mas também em áreas recobertas pela caatinga como em Pernambuco (Bom Jardim) e no Piauí (São Raimundo Nonato), se estendendo por uma área de cerca de 2.000.000 km2.
Para o período de 8.500 a 6.500 AP (Holoceno Médio), Schmitz 1980 e Barbosa (1981/82) definiram outra sequência cultural, a fase Serranópolis. Ela foi caracterizada principalmente pela ausência de peças padronizadas, os instrumentos bifaciais (pontas) e os unifaciais “(lesmas”), os últimos, particularmente bem definidos na fase anterior. Nesta fase a indústria lítica compreende um complexo tecnológico onde instrumentos pouco elaborados e produzidos por outros esquemas técnicos, substituem os instrumentos líticos bem elaborados do período anterior, o que foi caracterizado como uma “simplificação”[1] em termos de tecnologia lítica (SCHMITZ, 1987, p. 73). Como matéria prima, além de quartzo e quartzito materiais conchíferos e os ósseos passam a ser utilizados.
Há uma recorrência da presença da fase Serranópolis em sítios ocupados anteriormente pela fase Paranaíba/Itaparica, porém essa situação não é regra, como exemplo trazemos alguns dos sítios da área arqueológica de Caiapônia, localizada a cerca de 300 km de distância de Serranópolis (SCHMITZ et al, 1986). Nesta região não foram encontrados sítios com datações relacionadas à Itaparica, as datações mais antigas estão em abrigos, com cerca de 4 mil anos. Os instrumentos unifaciais (lesmas) estão presentes em sítios abertos (GO-CP- 17 e GO-CP-34), denominados de campos de seixos e, em contextos de palimpsesto, parecem estar associados a conjuntos líticos pouco padronizados. As pesquisas atuais na região (VIANA, 2011; VIANA; BORGES, 2014; VIANA et al 2015) vêm trabalhando exaustivamente em tais sítios buscando possíveis conexões técnicas entre os instrumentos unifaciais de Palestina com aqueles de Serranópolis, bem como se voltado aos demais conjuntos líticos dos sítios abertos, buscando entender seus esquemas e coerência técnica com os sítios em abrigos e demais da região sudoeste de Goiás e Mato Grosso.
Nas sequências estratigráficas da fase de Serranópolis do sítio GO-Ja-01 constata-se também um aumento nas camadas de cinzas das fogueiras acesas no interior dos abrigos, explicado por Schmitz et al (1989) e Barbosa (1985), como indicação de maior tempo de ocupação ou maior número de pessoas. Nelas também há registro de vários sepultamentos, ausentes na fase anterior. Apesar de terem sido identificados sítios a céu aberto em Pernambuco, Bahia e São Paulo, em regiões inseridas na área identificada como pertencente ao tecno-complexo Itaparica (LOURDEAU, 2010), ainda não foram publicados informações sobre a presença de sítios abertos na região de Serranópolis (SCHMITZ, 2004).
Sobre o paleoambiente e os processos de adaptação, tem-se como referência o modelo apresentado por Schmitz (1984; 1987). Embora seja bastante difundido nas publicações regionais, atualmente tem sido considerado limitado (entre outros, KIPNIS; SCHEEL- YBERT, 2005), tendo em vista que à época de sua proposição os pesquisadores não dispunham de dados paleoambientais em escala regional. Dispunham como base, o modelo tradicional de Ab´Saber (1977), proposto em grande escala, para a América do Sul.
O modelo de Schmitz tem por base os sítios de Serranópolis, mas aplicado a todo o Planalto Central, está bem fundamentado num conjunto de aspectos bióticos e abióticos que favoreceram a ocupação na região.
Dentre os fatores abióticos Schmitz (1984, 1987) e Barbosa (1992) destacam a estabilidade climática do Planalto com dois ciclos definidos, que facilitaria às populações uma economia simples e a adoção de um planejamento homogêneo. Além disso, a presença de abrigos naturais permitia a esses grupos humanos se estabelecerem sistematicamente em determinadas épocas do ano. A ocorrência de blocos de quartzitos e de seixos de quartzo, sílex e quartzitos propiciaria a matéria prima necessária para a confecção de instrumentos.
Sobre os elementos bióticos são destacadas, no modelo de Schmitz e Barbosa, as diferentes fitofisionomias do bioma cerrado e a grande variedade de frutos comestíveis e de fauna relacionada à província zoogeográfica de vegetação aberta. Neste contexto, os caçadores coletores do Holoceno Inicial tinham uma dieta alimentar baseada na caça de animais maiores, como anta, veado, porco do mato, etc., suplementada por animais menores, como o tatu, tartarugas e roedores. Esses animais, altamente diversificados no cerrado, foram amplamente consumidos neste período, conforme atestado pelos vestígios faunísticos encontrados nos sítios. Assim, diferente dos caçadores coletores norte-americanos, especializados na megafauna, os grupos do Planalto Central brasileiro tiveram no ambiente de cerrado uma grande diversidade de recursos naturais, o que teria levado a uma variedade de métodos de abastecimento (BARBOSA, 1992).
No Holoceno Médio, com o aumento da umidade no Ótimo Climático, teria ocorrido um aumento na exploração de pequenos animais, incluindo muitos moluscos de água doce e terrestre, assim como o início do cultivo de plantas e sua introdução à dieta alimentar. No Planalto Central, partir de 6.500 AP as ocupações pré-históricas nas regiões anteriormente definidas para a fase Serranópolis mudaram completamente. Schmitz (1999) apresenta uma hipótese para esta mudança na sequência cultural, tendo por base os aspectos ambientais, ou seja, um aumento acentuado da temperatura e da umidade, que tornariam os abrigos demasiadamente úmidos e quentes ou pouco ventilados, ou provocaria uma mudança dos recursos nas proximidades dos mesmos.
Após um hiato de tempo considerável, novos complexos culturais se instalaram em áreas de cerrados do Planalto Central brasileiro, o que levou os autores a supor que o extenso horizonte cultural da fase Serranópolis teria sido substituída lentamente por um mosaico de novas culturas diversas, que se desenvolveram segundo diferentes tradições locais, conhecedoras da tecnologia cerâmica.
Nos sítios de Serranópolis esta mudança ocorreu somente por volta de 1.500 AP e além da tecnologia da cerâmica, os conjuntos líticos lascados passaram a apresentar outros esquemas técnicos de produção de suportes (sistema de debitagem) e de confecção de instrumentos, como exemplo, destacamos a presença dos machados confeccionados a partir de lascamentos bifaciais e a introdução da técnica de polimento para confecção de instrumentos diversos. Estes materiais identificados nas camadas superiores dos abrigos foram classificados em Fase Jataí (WÜST; SCHMITZ, 1975), com datação que varia de 1.500 a 900 AP (AD 950 e 1.000) e está vinculada à Tradição Una. Segundo Schmitz et al (2015), há claras descontinuidades entre as camadas que registram a ocupação das culturas essencialmente líticas (fase Serranópolis e Paranaíba) e os grupos ceramistas, indicando um hiato bem marcado entre os dois tipos de ocupação.
A datação mais antiga para a Tradição Una, cuja datação mais antiga é em torno de 2 mil anos antes do presente. No Estado de Goiás, além de Serranópolis, ela está presente em abrigos de Caiapônia, com data aproximada de 1 mil anos antes do presente; na região leste do Estado foi denominada de fase Palma, com datas entre 720 a 1.210 AP (SIMONSEN et al, 1983/84), na região centro-norte de Goiás, de fase Pindorama, com datas a partir de 500 AP (BARBOSA, 1981/1982). Sítios da Tradição Una também ocorre no sudoeste da Bahia, com data ao redor de 1.000 AP (BARBOSA, 1985); material sem fase definida no norte mineiro (PROUS, JUNQUEIRA e MALTA, 1984); no noroeste de Minas Gerais, denominada de fase Unaí, com datas de quase 2.000 AP (1992). No Mato Grosso, por volta de 2.000 AP (VILHENA-VIALOU; VIALOU, 1989) e 1.000 AP (WÜST, 1990). Também está presente em sítios localizados em estados litorâneos.
Os traços marcantes desta Tradição foram identificados a partir da cultura material cerâmica que apresenta similaridades morfológicas e tecnológicas. Os vasilhames são predominantemente pequenos, tecnologicamente bem feitos, as paredes são finais, compactas, de textura boa e a coloração predominantemente é o castanho-escuro, negro ou chocolate. Nos abrigos de Serranópolis a cultura material lítica está bem representada por instrumentos polidos e lascados, dentre eles os machados lascados4. Há também pontas em madeira com armação óssea; vestígios em fibra e trançados simples. Registra-se ainda uma quantidade expressiva de vegetais diversos indícios de cultivo incipiente de milho, amendoim, leguminosas e, provavelmente, algodão e cucurbitáceas. Nos sítios desta região também foram identificadas práticas funerárias diversas, sendo que os enterramentos humanos localizavam-se ao lado das fogueiras. Há hipótese dos petroglifos presentes nos sítios de Serranópolis estarem relacionados a este momento mais recente (SCHMITZ et al, 2015; SCHMITZ et al, 2004; SCHMITZ et al, 1989; SCHMTIZ, 2005).
No que diz respeito aos aspectos físicos específicos da área onde se encontram os sítios arqueológicos de Serranópolis, trazemos dados inéditos de Rubin et al (2016b) acerca do relevo, que destacam os morros testemunhos de arenitos da Formação Botucatu, Cretaceo da Bacia Sedimentar do Paraná, onde o intemperismo esculpiu abrigos de dimensões variadas, os quais foram ocupados em diferentes períodos pretéritos. Acerca da geologia da área, os autores enfatizam o predomínio dos arenitos e basaltos o que resultou em uma paisagem formada por interflúvios mantidos por basaltos e arenitos silicificados e vales bem desenvolvidos, resultantes principalmente do intemperismo do arenito friável, do arenito silicificado por metamorfismo de contato e do basalto, neste último, favorecido pelas diaclases horizontais e verticais, além da presença de vesículas e amigdalas que favorecem a intemperização.
Destacam que a investigação arqueológica na área, principalmente em relação a preservação dos sítios, a inserção destes na paisagem e as características dos estratos arqueológicos apresenta uma profunda relação com as características das rochas mencionadas.
Em relação a paisagem, enfatizam que o bioma Cerrado, predominante na área, o fato de estar relacionado a um clima com duas estações bem definidas, inverno seco de abril a setembro e verão úmido de outubro a maio, favorece o desenvolvimento de processos geomorfogenéticos que modelaram e ainda modelam a paisagem, principalmente em relação ao recuo das vertentes na ausência de precipitações e no aprofundamento dos vales nos períodos de precipitações.
Considerando esta realidade, principalmente no período do Holoceno, as abordagens relacionadas com a inserção dos sítios na paisagem apresentam um grau de dificuldade acentuado, visto que a mesma tem se modificado ao longo do tempo, conforme atestam os processos erosivos como sulcos, calhas, ravinas e voçorocas, os campos de seixos (denominação local para depósitos de blocos, grânulos e seixos de arenitos silicificados e basaltos), as mudanças de traçado de canais fluviais e os relatos orais.
Diante do exposto, estamos cientes da expressiva contribuição das informações científicas de Serranópolis até então obtidas, para o crescimento da arqueologia regional e sulamericana. Todavia, passados cerca de 20 anos dos primeiros resultados e considerando o crescimento das pesquisas arqueológicas no país, o aumento dos estudos paleoambientais na região onde se encontra os sítios e o aprimoramento das metodologias e das técnicas de campo e de laboratório, entendemos que os sítios desta região, em especial do GO-Ja-01 tem potencial para colaborar ainda mais com as demandas científicas, presentes nos debates contemporâneos.
Dentre as problemáticas atuais está a questão das modalidades de povoamentos ocorridos no Planalto Central. Partindo de uma perspectiva que valoriza a pluralidade, assim, o povoamento não é uma modalidade única e fechada, mas ocorrida sistematicamente ao longo dos tempos. Podemos assim falar em “povoamentos”, reforçando a noção múltipla deste processo. Para tanto, é importante que se conheça a tecnogênese (BOËDA, 2013; LEMONNIER, 1993; INGOLD, 2008) da fase Paranaíba e, numa perspectiva mais ampla, da própria Tradição Itaparica e Serranópolis.
Para isso, é importante a investigação exaustiva da totalidade dos conjuntos líticos, no que se refere à gestão da matéria prima, buscando os elementos morfológicos e volumétricos que estimularam as suas escolhas. Considera-se igualmente importante identificar e entender os distintos esquemas técnicos que compõem os sistemas de debitagem, buscando inferências seguras acerca dos tipos de suportes procurados para os futuros instrumentos. Por instrumentos, estamos nos referindo não somente aos planos convexos unifaciais (lesmas) ou as pontas bifaciais, mas todo o instrumental contextualizado neste período. Se para os primeiros temos uma base bibliográfica atualizada, para os demais instrumentos, seus esquemas técnicos ainda requerem atenção. Importante ainda projetar pesquisas comparativas entre os diferentes conjuntos líticos da transição Pleistoceno/Holoceno presentes nos diversos.
sítios do Planalto Central. Esperamos, com isso, identificar a pluralidade técnica e assim criar condições para o reconhecimento das alteridades que acompanham o comportamento humano. Buscamos entender as estruturas que subjazem os esquemas técnicos de produção destes instrumentos, assim como estabelecer ou reforçar bases para compreender as mudanças ocorridas ao longo do tempo, em especial na transição para o Holoceno médio, com a denominada “fase Serranópolis”.
Sobre o “desaparecimento” do instrumental lítico característico da Tradição Itaparica, trazemos duas hipóteses de Schmitz et al (1989, 2004) e sintetizadas por Lourdeau (2006, p. 690):
- “Uma “aparição”, sem signo anunciador, de uma indústria elaborada, com instrumentos unifaciais típicos, distinta das que são encontradas em outras regiões do Brasil;
- Um desaparecimento rápido e generalizado dessa indústria, substituída por indústrias que parecem menos elaboradas. ”
Para este “desaparecimento” ou ruptura e “surgimento” dos conjuntos líticos de Serranópolis, outras duas hipóteses se configuram: a primeira, proposta por Schmitz (1999), se fundamenta numa explicação ambiental, associando a mudança cultural a uma modificação climática. Não obstante, essa hipótese tem sido questionada, pois, como já mencionado, os dados paleoambientais produzidos após o modelo de Ab´Saber (1977), têm demonstrado uma importante variabilidade climática nesta época no Planalto Central brasileiro; a segunda hipótese se baseia nos resultados da antropologia física (NEVES et al., 2004; PUCCIARELLI, 2004), quando se supõe que as culturas líticas Itaparica e Serranópolis estariam representadas por populações de origens distintas. Esta proposição se fundamenta no fato dos restos esqueletais humanos mais antigos na América do Sul (anterior a 8 mil anos) apresentar características físicas distintas dos indígenas atuais, sugerindo que os primeiros povoamentos teriam ocorrido por uma população de origem australo-melanésia (NEVES; HUBBE, 2008).
Para fundamentar esta questão, é latente a localização de enterramentos funerários vinculados à Itaparica, assim como o entendimento preciso acerca da formação do sítio a partir de uma perspectiva geoarqueológica, para definição mais acurada dos estratos e contextualização dos vestígios arqueológicos. Também trazemos no rol das demandas, a importância de investigação de estratos arqueológicos anteriores à fase Paranaíba. E, para tanto, o sítio GO-Ja-01 se apresenta oportuno, pois, segundo Schmitz (2004), a escavação neste sítio não atingiu a base estéril, portanto, apresenta potencialidade de investigação mais profunda do subsolo.
Todavia, entendemos que as problemáticas aqui apresentadas somente poderão ser substancialmente exploradas e se constituírem em caráter diferencial em relação às pesquisas antigas, se for apoiada concomitantemente em uma proposta de ampliação e aprimoramento dos modelos paleoambientais regionais. Para a região de Serranópolis, pesquisas em desenvolvimento, por membro do presente projeto, indicam variações na umidade e na temperatura com evidências de fases de clima mais frio e úmido do que o atual e, consequentemente, mudanças na cobertura vegetal no decorrer do Quaternário Tardio (Maira Barberi, comunicação pessoal)
Barberi et al (2014) constataram também importantes informações paleoambientais para a bacia do rio Meia Ponte, centro-sul do estado de Goiás, para a qual existem dezenas de sítios arqueológicos. Os referidos autores tratam de aspectos climáticos relacionados ao final do Pleistoceno e do estabelecimento do canal sub-atual e atual do rio Meia Ponte. Neste contexto, as análises palinológicas e as datações radiocarbônicas indicam oscilações na temperatura e na umidade a partir de 43.000 anos A.P., momento em que o rio já estaria instalado (Meia Ponte pré-holocênico). No Holoceno, sob um clima com oscilações climáticas menos extremadas, porém mais frequentes e temperaturas médias mais altas, instala-se o atual rio Meia Ponte, com um canal variando entre retilíneo e meandrante sobre um paleopavimento pliopleistocênico, erodindo parte dos depósitos anteriores. Os dados da palinologia indicam que na transição do Pleistoceno para o Holoceno a umidade nesta região teria aumentado gradativamente até em torno de 8.000 anos A.P. O canal instalado passa a erodir este pavimento e a formar pelo menos três gerações de planície de inundação, onde se constatou ocupações de grupos de agricultores ceramistas, permanecendo em aberto a presença de grupos caçadores-coletores do início do Holoceno, identificados na região sudoeste do estado.
Com o intuito de também demonstrar o crescimento dos estudos paleoambientais em escala regional trazemos ainda os dados de Ferraz-Vicentini, et al (1996) e Salgado-Labouriau et al (1998), reunidos em Lourdeau (2006), que detectaram para o fim do Pleistoceno no Estado de Goiás um clima mais seco do que o atual, enquanto Ledru (1993) constata para Minas Gerais um clima mais úmido.
Os estudos mencionados têm colaborado no entendimento de questões arqueológicas. Sua ampliação voltadas à contextos específicos, possibilitará identificar as variabilidades regionais e, ,deste modo, permitirá que as investigações relacionais entre ambientes, sociedades humanas e culturas materiais tenham cada vez mais coerência e sentido.
[1] Estudos iniciais acerca dos conjuntos líticos do Holoceno Médio (fase Serranópolis) têm observado que não se trata de “retrocesso”, mas de realidades técnicas distintas dotadas de uma lógica diferenciada da anterior (VIANA, et al, 2015).
Nome | Função no projeto | Função no Grupo | Tipo de Vínculo | Titulação Nível de Curso |
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ANDREIA WALKER DA SILVA MELO
Email: andreiawalker@hotmail.com |
Pesquisador | Estudante | [aluno] | [null] |
JULIO CEZAR RUBIN DE RUBIN
Email: rubin@pucgoias.edu.br |
Pesquisador | Pesquisador | [professor] | [doutor] |
KATHERINE GIOVANI DE OLIVEIRA
Email: Olive.kathe@gmail.com |
Pesquisador | Estudante | [externo] | [mestre] |
MAIRA BARBERI
Email: barberimaira@gmail.com |
Pesquisador | Pesquisador | [professor] | [doutor] |
MARCOS PAULO DE MELO RAMOS
Email: argonauta128@gmail.com |
Pesquisador | Pesquisador Externo | [externo] | [mestre] |
SIBELI APARECIDA VIANA
Email: sibeli@pucgoias.edu.br |
Coordenador | Líder | [professor] | [doutor] |