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REPENSANDO OS POVOAMENTOS DO BRASIL A PARTIR DA REGIÃO CENTRAL: SERRANÓPOLIS E NIQUELÂNDIA
2025/1 até 2029/2
ESCOLA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E HUMANIDADES
PATRIMÔNIO CULTURAL
Cultura Material e paisagem
SIBELI APARECIDA VIANA
Produzir dados científicos para ampliar o conhecimento acerca dos povoamentos humanos no Planalto Central do Brasil, tendo como base a retomada das escavações dos sítios arqueológicos GO-JA-01, GO-JA-14 e GO-NI-49 e análise do material arqueológico gerado com a pesquisa.
Na área arqueológica de Jataí, onde se insere o município de Serranópolis, foram localizados pelos primeiros arqueólogos que atuaram na região cerca de 40 sítios arqueológicos em abrigos rochosos. Desde sua descoberta este complexo arqueológico é considerado referência para a história profunda do atual território brasileiro e crucial para o entendimento do povoamento no Brasil.
Dentre os sítios identificados e escavados nesta região ressalta-se o sítio Diogo Lemes (GO-JA-01) e o sítio Urubu (GO-JA-14), considerados de singular importância para o entendimento da ocupação pretérita regionale nacional. A alta significância arqueológica destes sítios se destaca em vários pontos, entre eles: o seu bom estado de preservação, apresentam sequências longas e contínuas de camadas estratigráficas que contextualizam uma quantidade e diversidade expressiva de vestígios arqueológicos (Schmitz et al., 1989, 2004, Schmitz, 1980). A variação dos conjuntos líticos, observada ao longo da série estratigráfica serviu de base para a proposição de uma sequência cultural coerente que serve de referência para o Planalto Central, caracterizada pelas fases Paranaíba (Tradição Itaparica), Serranópolis (Tradição Serranópolis) e Jataí (Tradição Una). Em termos cronológicos os sítios GO-JA-01 e GO-JA-14 apresentam datações que vão de cerca de 12.700 AP até cerca de 1.000 AP (calibradas). Tais evidências fizeram dessa região uma das mais conhecidas do Brasil e uma referência para a discussão das ocupações na porção central do país concernentes ao período pré-cerâmico.
O sítio GO-NI-49, por sua vez, também denominado “Manoel Alves Borges”, consiste em um abrigo-sob-rocha com 30 m de boca por 12 m de profundidade formado em um grande bloco testemunho escarpado. O sítio se localiza em uma cota de 770m e foi descrito como possuindo poucas áreas nas quais poderia ocorrer a deposição e manutenção de estratos sedimentares. Contudo, foi indicada a existência de outros abrigos nas proximidades, localizados no mesmo espigão da Serra Dourada no qual se insere o GO-NI-49 (Barbosa et al.,1976-77). Nosso objetivo para a região norte de Goiás será, além de retomar as escavações no sítio GO-NI-49, avançar na prospecção dos outros abrigos mencionados pelos pesquisadores pioneiros, avaliando a existência de áreas com potencial geomorfológico para formação e manutenção das camadas sedimentares de modo a identificar novos sítios arqueológicos na região.
Figura 1: em vermelho sítios pleistocênicos, em azul, sítios de Serranópolis e de Niquelândia
Os estratos mais antigos dos sítios GO-JA-01, GO-JA-14 e GO-NI-49 datados da transição do Pleistoceno para o Holoceno e início do Holoceno e foram caracterizados principalmente pela presença de materiais líticos pertencentes à fase Paranaíba. Esta fase foi caracterizada por Schmitz e equipe (1980) por apresentar, além de algumas poucas pontas bifaciais, uma grande expressão de instrumentos unifaciais (“lesmas”) no conjunto lítico. Tais instrumentos, como já mencionado, são considerados como marcadores crono-culturais da Tradição Itaparica. Vale a pena pontuar que o sítio GO-JA-01 alberga a maior coleção de plano-convexos já registrada em todo território nacional.
De acordo com Fogaça e Lourdeau (2008) e Lourdeau (2010), fundamentados numa perspectiva analítica tecno-funcional (Boëda, 2013), os instrumentos plano-convexos (“lesmas”) podem ser caracterizados enquanto peças portadoras de uma estrutura tecnicamente estável, representada pela modelação (façonnage) unifacial realizada a partir de uma superfície plana e sobre suportes provenientes, majoritariamente, de lascas espessas e alongadas com nervuras dorsais. Tratam-se de instrumentos confeccionados sobre lascas grandes cujo volume é organizado com retiradas unifaciais efetuadas através da totalidade da periferia da peça, sempre realizadas à custa da face superior da lasca-suporte. A partir da definição da estrutura técnica de tais instrumentos, os autores observam uma expressiva variabilidade tecnológica que se expressa de maneira cronológica e geográfica através de diversos sítios no Brasil Central. Além desses artefatos, a indústria lítica denominada como tecno-complexo Itaparica (Lourdeau, 2010) também é composta por outros instrumentos, geralmente pouco descritos por serem menos ou nada formais, mas dotados de esquemas técnicos particulares (Oliveira 2019 e 2023). Essa variabilidade também foi constatada por Fogaça (2003) para os instrumentos unifaciais de Minas Gerais.
O período ocupacional mais antigo proporcionado pelas datações obtidas nos sítios GO-JA-01, GO-JA-14 e GO-NI-49, referentes ao início da transição do Pleistoceno para o Holoceno e Holoceno inicial, coadunam com outros sítios da região Central do Brasil, dentre os quais podemos citar os sítios do Alto Sucuriu/MS: AS4 e AS12 (Kashimoto; Martin, 2005); do município de Poxoréo/MT: sítio MT-SL-31 (Wüst, 1990); de Jangada/MT: sítio Santa Elina (Vilhena-Vialou; Vialou, 1989); de Lajeado/TO: Capivara, Abrigo do Jon; Miracema do Tocantins e Mares) (Bueno, 2007); de Correntina: Morro Furado (Schmitz ). Também há sítios em Minas Gerais que forneceram datações relativas à transição Pleistoceno/Holoceno e ao Holoceno antigo que foram estudados por Rodet et al. (2011), localizados em Januária/MG (Prous; Junqueira., 1984); em Buritizeiro (Rodet et al., 2007); em Jequitaí (Bassi; Rodet, 2011); e em Diamantina (Linke; Isnardis, 2012).
Se considerarmos as cronologias mais recuadas já identificadas para o território brasileiro, todos os sítios do final do Pleistoceno se encontram nas periferias do Planalto Central. No extremo oeste estão localizados o sítio Santa Elina (Vialou et al., 2017) e o sítio Gruta do Sol (Miller, 1983) localizados no estado de Mato Grosso. No extremo norte do Brasil Central estão os sítios do Boqueirão da Pedra Furada (Parenti, 2001), Vale da Pedra (Boëda, et al., 2014), Sítio do Meio (Boëda et al., 2016) e Tira Peia (Lahaye, 2013), no estado do Piauí. Levando em consideração a profundidade temporal dessas ocupações nos limites da grande região do Brasil Central, seria prudente reavaliar – atualmente sem o peso limitante do paradigma Clovis First (Ramos, 2023) – se as colunas ocupacionais em sítios localizados no interior do Brasil Central também poderiam recuar ainda mais no tempo. Sem desconsiderarmos a complexidade e a significativa importância das evidências arqueológicas identificáveis em toda a coluna holocênica, colocamo-nos, à luz das recentes evidências das ocupações pleistocênicas já publicadas, a problemática sobre o terminus ad quem das ocupações na área do atual estado de Goiás. Entendemos que a retomada das escavações dos sítios GO-JA-01, GO-JA-14 e GO-NI-49 poderão lançar uma nova luz sobre a questão. Faz-se, assim, extremamente importante retomarmos as investigações de estratos arqueológicos anteriores à fase Paranaíba, especialmente no sítio GO-JA-01. Isso porque, segundo Schmitz (2004), a escavação neste sítio não atingiu a base rochosa, tendo sido guiada pelos pressupostos do paradigma Clovis First. Portanto, quando os pesquisadores atingiram camadas sedimentares datadas próximas a 12 mil anos AP, interromperam a intervenção, uma vez que estavam convencidos, baseados no modelo aceito à época, de que seria inócuo continuar com as escavações.
Desse modo, a questão das modalidades de povoamentos ocorridos no Planalto Central será central para o desenvolvimento desta pesquisa. Partindo de uma perspectiva que valoriza a pluralidade, consideramos que o povoamento não seja uma modalidade única e fechada, mas ocorrida sistematicamente ao longo do tempo. Entendemos que podemos, de fato, falar em “povoamentos”, reforçando a noção múltipla deste processo (Steeves, 2021). Para tanto, e considerando a forte presença dos conjuntos líticos na região, é importante que se conheça a tecnogênese (Boëda, 2013; Lemonnier, 1993) dos objetos identificados como pertencentes às tradições Itaparica, Serranópolis e Jataí. É importante que avancemos na investigação exaustiva dos conjuntos líticos, no que se refere à gestão da matéria-prima, buscando entender quais elementos morfológicos e volumétricos poderiam ter estimulado as escolhas por determinados volumes em detrimentos de outros (afordâncias). Consideraremos, igualmente, a identificação e o entendimento dos distintos esquemas técnicos que compõem os sistemas de debitagem, buscando inferências seguras acerca dos tipos de suportes procurados para os futuros instrumentos. Por instrumentos, estamos nos referindo não somente aos plano-convexos unifaciais (“lesmas”) ou às pontas bifaciais, mas a todo o instrumental contextualizado através de minucioso trabalho de escavação e avaliações estratigráficas. Se para os primeiros temos uma base bibliográfica atualizada, para os demais instrumentos – caracterizados como de baixa visibilidade (Ramos, 2023) –, seus esquemas técnicos ainda requerem atenção.
Uma outra problemática sobre a qual iremos nos debruçar diz respeito ao final (ruptura) da expressão cultural ligada ao tecno-complexo Itaparica. Para o período de 8.500 a 6.500 AP (Holoceno médio) nos sítios da área arqueológica de Serranópolis, Schmitz 1980 e Barbosa (1985) definiram uma sequência cultural que denominaram como fase Serranópolis. Ela foi caracterizada principalmente pela ausência de peças reconhecíveis como padronizadas, ou seja, os instrumentos bifaciais (“pontas de flecha”) e os unifaciais (“lesmas”). Nesta fase os conjuntos líticos compreendem um complexo tecnológico no qual os instrumentos foram julgados como sendo pouco elaborados, produzidos por outros esquemas técnicos. Esses substituem os instrumentos líticos interpretados como “bem elaborados” do período anterior (majoritariamente os plano-convexos), o que foi caracterizado por Schmitz (1987a, p. 73) como uma “simplificação”[1] em termos de tecnologia lítica. Não obstante, pela releitura dos objetos, sob enfoque tecno-funcional, Ramos (2016) e Ramos e Viana (2019) observaram que os conjuntos líticos dessa temporalidade apresentam esquemas técnicos diversos que guardam particularidades. Ocorrem, ao mesmo tempo, modos de produção com pouco controle das retiradas associados a modos caracterizados por exímio domínio de lascamento.
Para este “desaparecimento” ou ruptura e “surgimento” dos conjuntos líticos de Serranópolis, duas hipóteses foram aventadas pelos pesquisadores pioneiros. A primeira, proposta por Schmitz (1999), se fundamenta numa explicação ambiental, associando a mudança cultural a uma modificação climática. Não obstante, essa hipótese tem sido questionada, pois os dados paleoambientais produzidos sobre o modelo de Ab´Saber (1977), têm demonstrado uma importante variabilidade climática nesta época no Planalto Central brasileiro. A segunda hipótese se baseia nos resultados da antropologia física (Neves et al., 2004; Pucciarelli, 2004) e supõe que as culturas líticas Itaparica e Serranópolis estariam representadas por populações de origens distintas. Esta proposição se fundamenta no fato dos restos esqueletais humanos mais antigos na América do Sul (anterior a 8 mil anos) apresentar características físicas distintas dos indígenas atuais, sugerindo que os primeiros povoamentos teriam ocorrido por uma população de origem australo-melanésia (Neves; Hubbe, 2008).
Deriva daí que uma das problemáticas prementes para darmos respostas a estas questões é a localização de enterramentos funerários vinculados à Itaparica com potencial para fornecer dados sobre a morfologia física e o perfil biológico, assim como o entendimento preciso acerca da formação dos sítios a partir de uma perspectiva geoarqueológica, para definição mais acurada dos estratos e contextualização dos vestígios arqueológicos. A retomada das escavações nos sítios GO-JA-01, GO-JA-14 e GO-NI-49 irá fornecer novos subsídios para reavaliarmos a(s) história(s) cultural(is) que enquadraram o fenômeno de desaparecimento e/ou adaptação do tecno-complexo Itaparica durante o Holoceno médio.
Em acordo com a bibliografia corrente, podemos falar em uma terceira ruptura (ou fenômeno cultural significativo) que teria tido lugar após o período final do Holoceno médio e inicial do Holoceno recente. Embora Araujo et al... (2005) tenham proposto um "hiato ocupacional" para o Brasil Central, datações obtidas em pesquisas recentes em sítios arqueológicos de Goiás, como o sítio GO-CP-16 (Viana et al., no prelo) e o sítio GO-JA-02 (Rubin et al., 2020, 2023), constatam intensa presença humana nesta região nesse período. Não obstante, as evidências sugerem uma transformação cultural na ocupação humana da região. Nos sítios de Serranópolis esta mudança ocorreu por volta de 1.500 AP e além da tecnologia da cerâmica que passa a compor o registro arqueológico, os conjuntos líticos lascados começaram a apresentar outros esquemas técnicos de produção de suportes (sistema de debitagem) e de confecção de instrumentos. A exemplo, destacamos a presença dos machados confeccionados a partir delascamentos bifaciais e a introdução da técnica de polimento para confecção de instrumentos diversos. Estes materiais identificados nas camadas mais superiores dos abrigos foram classificados como pertencentes àquela que foi denominada Fase Jataí (Wüst; Schmitz, 1975), com datações que variam entre 1.500 a 900 AP (AD 950 e 1.000), sendo vinculada à Tradição cerâmica Una[2]. Como a capa sedimentar escavada no sítio GO-NI-49 não era muito espessa, esse sítio não forneceu uma coluna ocupacional que permitisse uma grande amplitude interpretativa em termos de processos arqueológicos diacrônicos.
Assim, levando em consideração o registro arqueológico dos sítios localizados em Serranópolis, Schmitz et al. (2015) e Rubin et al. (2020), sustentam que há claras descontinuidades entre as camadas que registram a ocupação das culturas essencialmente líticas (fase Serranópolis e Paranaíba) e os grupos ceramistas, indicando uma mudança cultural bem marcada entre os dois tipos de ocupação.
As evidências indicam que, com o tempo, novos complexos culturais se instalaram e/ou intensificaram em áreas de cerrados do Planalto Central brasileiro, o que levou Schmitz et al... (2015) a supor que o extenso horizonte cultural da fase Serranópolis (Holoceno médio) teria sido substituído por um mosaico de novas culturas diversas (Holoceno recente), que se desenvolveram segundo diferentes tradições locais, conhecedoras da tecnologia cerâmica. Reavaliar a efetividade de um “hiato ocupacional” ou mudanças culturais, sua extensão geográfica e eventual amplitude temporal, além do impacto comportamental e as possíveis causas de tal fenômeno se configura em mais uma das problemáticas que guiam nosso projeto de pesquisa. Para tanto, se faz necessário a produção de conhecimentos relativos aos paleoambientes nos quais os sítios se inseriam. Essa demanda nos leva a outra de nossas frentes de pesquisa.
No que diz respeito ao paleoambiente e aos processos de adaptação culturais através da história ocupacional no Brasil Central, tem-se como referência o modelo apresentado por Schmitz (1984; 1987B). Embora ele seja bastante difundido nas publicações regionais, atualmente tem sido considerado limitado (entre outros, Kipnis; Scheel- Ybert, 2005), tendo em vista que à época de sua proposição os pesquisadores não dispunham de dados paleoambientais em escala regional. Dispunham somente do modelo geral de Ab´Saber (1977), proposto em grande escala para a América do Sul. Cientes dessas limitações e considerando a multiplicação de estudos paleoambientais com foco regional para diversas áreas do Brasil nos últimos trinta anos (Ferraz-Vicentini, et al., 1996; Salgado-Labouriau et al. 1997; Ledru, 2002), propomo-nos avançar nos estudos paleoambientais para as regiões arqueológicas de Serranópolis e Niquelândia. Nesse sentido, já estão disponíveis algumas informações para as regiões de estudo e áreas adjacentes que deverão ser expandidas na esteira deste projeto de pesquisa. Para a região de Serranópolis, pesquisas em desenvolvimento, por membro do presente projeto, indicam variações na umidade e na temperatura com evidências de fases de clima mais frio e úmido do que o atual e, consequentemente, mudanças na cobertura vegetal no decorrer do Quaternário Tardio (Maira Barberi, comunicação pessoal).
Barberi et al. (2014) constataram também importantes informações paleoambientais para a bacia do rio Meia Ponte, centro-sul do estado de Goiás, região para a qual existem dezenas de sítios arqueológicos. Os referidos autores tratam de aspectos climáticos relacionados ao final do Pleistoceno e do estabelecimento do canal sub-atual e atual do rio Meia Ponte. Neste contexto, as análises palinológicas e as datações radiocarbônicas indicam oscilações na temperatura e na umidade a partir de 43.000 anos A.P., momento em que o rio Meia Ponte já estaria instalado (Meia Ponte pré-holocênico). No Holoceno, sob um clima com oscilações climáticas menos extremadas, porém mais frequentes e temperaturas médias mais altas, instala-se o atual rio Meia Ponte, com um canal variando entre retilíneo e meandrante sobre um paleopavimento pliopleistocênico, erodindo parte dos depósitos anteriores. Os dados da palinologia indicam que na transição do Pleistoceno para o Holoceno a umidade nesta região teria aumentado gradativamente até em torno de 8.000 anos A.P. O canal instalado passa a erodir este pavimento e a formar pelo menos três gerações de planície de inundação, onde se constatou ocupações de grupos de agricultores ceramistas, permanecendo em aberto a presença de grupos caçadores-coletores do início do Holoceno, identificados na região sudoeste do estado.
O desenvolvimento das pesquisas voltados à problemática da reconstrução das paisagens hidrológicas, fitofissionômicas, geomorfológicas, faunísticas e climatológicas será efetuado com o auxílio de especialistas nas áreas da geoarqueologia, bioarqueologia e palinologia que compõem a equipe deste projeto.
AMBIENTE - ASPECTOS FÍSICOS
No que tange aos aspectos físicos da área onde se situam os sítios arqueológicos de Serranópolis, Rubin et al. (2020, 2023) destacam os morros testemunhos compostos por arenitos da Formação Botucatu, datados do Cretáceo da Bacia Sedimentar do Paraná. O intemperismo modelou esses morros, criando abrigos de dimensões variadas, ocupados em diferentes períodos pretéritos. Os autores ressaltam o predomínio de arenitos e basaltos, resultando em uma paisagem caracterizada por interflúvios sustentados por basaltos e arenitos silicificados, bem como por vales bem desenvolvidos. Tais feições são consequência do intemperismo do arenito friável, do arenito silicificado por metamorfismo de contato e do basalto, cujo desgaste é facilitado pelas diaclases horizontais e verticais, além da presença de vesículas e amígdalas.
Os autores sublinham que a investigação arqueológica na área está profundamente conectada às características dessas rochas, especialmente no que diz respeito à preservação dos sítios, à inserção dos mesmos na paisagem e às particularidades dos estratos arqueológicos. Quanto à paisagem, o bioma Cerrado caracteriza a região com um clima marcado por duas estações bem definidas: um inverno seco, de abril a setembro, e um verão úmido, de outubro a maio. Esse regime climático favorece processos geomorfogenéticos que continuamente modelam a paisagem, promovendo o recuo das vertentes durante períodos de seca e o aprofundamento dos vales em períodos chuvosos.
No contexto do Holoceno, essas dinâmicas implicam desafios significativos para análises relacionadas à inserção dos sítios na paisagem, dado que a região sofreu alterações ao longo do tempo. Evidências disso incluem processos erosivos, como sulcos, calhas, ravinas e voçorocas; campos de seixos (formados por depósitos de blocos, grânulos e seixos de arenitos silicificados e basaltos); mudanças no traçado de canais fluviais; e relatos orais sobre transformações locais.
Considerando essas características, torna-se evidente que as informações disponíveis sobre a geologia e a geomorfologia da área desempenham um papel crucial no entendimento das dinâmicas de ocupação humana em Serranópolis. Contudo, a reconstituição do paleoambiente ainda apresenta lacunas significativas, especialmente no que diz respeito à análise de pólen e outros indicadores paleobotânicos, que são essenciais para compreender as variações climáticas e a vegetação do passado.
A ausência de estudos detalhados sobre pólen na região limita a possibilidade de correlacionar mudanças paleoambientais com os padrões de ocupação humana e com as adaptações culturais registradas nos sítios arqueológicos. Investigações focadas em registros palinológicos podem oferecer informações valiosas sobre a composição da vegetação ao longo do tempo, permitindo reconstruir a paisagem do Cerrado em períodos pretéritos. Avançar nesse campo é fundamental para preencher as lacunas existentes e fortalecer as análises interdisciplinares que integram geologia, arqueologia e paleoecologia, contribuindo para um entendimento mais robusto das interações entre os primeiros habitantes de Serranópolis e o ambiente em que viveram. Por essa razão, desenvolveremos parcerias nacionais e internacionais visando avançar na identificação e coleta de testemunhos palinológicos, bem como na análise das eventuais colunas amostrais que forem obtidas na região.
A região de Niquelândia, situada no norte do estado de Goiás, é marcada por um contexto geológico diverso e de grande relevância, integrando o Domínio Arqueano da Faixa Brasília, que se estende ao longo do centro-oeste brasileiro. A área é amplamente reconhecida pela presença de formações geológicas que datam do Proterozoico, incluindo pacotes de rochas terciárias e complexos ultramáficos associados à mineralização de níquel. Estas formações compõem uma paisagem caracterizada por relevos suaves, com elevações moderadas, e uma densa rede de drenagem que influencia a configuração atual do território.
[1] Estudos iniciais acerca dos conjuntos líticos do Holoceno Médio (fase Serranópolis) têm observado que não se trata de “retrocesso”, mas de realidades técnicas distintas dotadas de uma lógica diferenciada da anterior (Ramos; Viana, 2019).
[2] A datação mais antiga para a Tradição Una é em torno de 2 mil anos antes do presente. No Estado de Goiás, segundo dados de Viana et al. (2013), além de Serranópolis, ela está presente em abrigos de Caiapônia, com data aproximada de 1 mil anos antes do presente; na região leste do Estado, ela foi denominada de fase Palma, com datas entre 720 a 1.210 AP (Simonsen et al., 1983/84); na região centro-norte de Goiás, de fase Pindorama, com datas a partir de 500 AP (Barbosa, 1981/1982). Sítios da Tradição Una também ocorrem no sudoeste da Bahia, com datas ao redor de 1.000 AP (Barbosa, 1985); material sem fase definida no norte mineiro (Prous; Junqueira; Malta, 1984); no noroeste de Minas Gerais, denominada de fase Unaí, com datas de quase 2.000 AP. No Mato Grosso, por volta de 2.000 AP (Vilhena-Vialou; Vialou, 1989) e 1.000 AP (Wüst, 1990).
Nome | Função no projeto | Função no Grupo | Tipo de Vínculo | Titulação Nível de Curso |
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CRISTIANE LORIZA DANTAS
Email: crisloriza@gmail.com |
Pesquisador | Pesquisador | [professor] | [mestre] |
JULIO CEZAR RUBIN DE RUBIN
Email: rubin@pucgoias.edu.br |
Pesquisador | Pesquisador | [professor] | [doutor] |
MARCOS PAULO DE MELO RAMOS
Email: ramos@pucgoias.edu.br |
Pesquisador | Pesquisador Externo | [externo] | [mestre] |
SIBELI APARECIDA VIANA
Email: sibeli@pucgoias.edu.br |
Coordenador | Líder | [professor] | [doutor] |